Não irmão mas sim filho
“Diário de Notícias”, 7 de Setembro de 2022
O Brasil celebra hoje, 7 de Setembro de 2022, 200 anos de independência. É uma data muito importante, realmente histórica, pela qual Portugal é o primeiro país a dar os parabéns e a desejar «feliz aniversário». Ao país irmão? Não, ao país filho. Sim, porque o Brasil é uma completa, total, criação de Portugal, que foi tanto «pai» como «mãe» entre 1500 e 1822…
… Período durante o qual sucessivas gerações de portugueses, cujo maior representante, símbolo, terá sido o Padre António Vieira, trabalharam para fazer da Terra de Vera Cruz a mais bela, a mais rica, quiçá perfeita, nação do planeta. Alargaram o território para além do Tratado de Tordesilhas e assim conquistaram praticamente todo o Amazonas, floresta e rio. Aos povos nativos juntaram europeus e africanos, criando condições para uma autêntica, e profícua, miscigenação. Deste lado do Atlântico levaram inclusivamente pedras com que se construíram fortalezas e igrejas. Providenciaram uma língua que constituiria o principal suporte da identidade e da unidade nacionais. E, algo de incrível nunca acontecido, visto, antes nem depois, fizeram da colónia o centro do império, Rio de Janeiro a substituir Lisboa como capital e metrópole, e a seguir permitiram que a família real portuguesa se tornasse também a brasileira, com o «Grito do Ipiranga» do herdeiro do trono a anunciar o «corte» do «cordão umbilical». Que se fez sem revolução, sem guerra, assim possibilitando à nova nação iniciar o seu próprio caminho sem drama, sem tragédia. Os brasileiros teriam preferido que tivesse acontecido o mesmo que nas independências dos Estados Unidos e da Argélia, marcadas por confrontos longos e sangrentos com, respectivamente, a Grã-Bretanha e a França? Sim, não se duvide: tudo o que de bom o Brasil teve e tem deve a Portugal. Pelo que não se compreende e não se aceita que, ainda hoje, tantos brasileiros, desde cidadãos mais ou menos anónimos a figuras públicas mais ou menos conceituadas, insistam no insulto de que os problemas que a sua pátria sofre(u) sejam culpa de Portugal. Tanta estupidez, tamanha falta de respeito, tal demonstração de ignorância, imaturidade e ingratidão, devem ser condenadas sem hesitação e sempre que se manifestem.
Nós deixámos de ser responsáveis por eles desde 1822, directamente, e desde 1889, indirectamente, quando D. Pedro II, após (e por causa de) abolir a escravatura, foi deposto enquanto chefe de Estado, e com ele a monarquia brasileira. Na verdade, os dois países foram, e são, prejudicados por repúblicas, ambas instauradas por golpistas fanáticos e minoritários, que não cumpriram plenamente o que prometeram, ou seja, ordem e progresso. Uma das áreas em que a desordem e o retrocesso mais se fizeram, e fazem, sentir é a da ortografia. As repúblicas de ambos os lados do Atlântico são reincidentes em obsessivas e absurdas «reformas» e (des)acordos quanto à forma de escrever, iniciativas que desvalorizam, enfraquecem, um vital instrumento de comunicação, com (más) consequências visíveis, inegáveis, nas culturas de ambas as nações. O maior extremismo, e até terrorismo, neste âmbito veio do Brasil em 1943, quando a ditadura de Getúlio Vargas consagrou um radical e generalizado corte de consoantes «mudas», ceifando as raízes latinas, que cobardemente as mais altas (ou baixas?) instâncias oficiais portuguesas viriam a «adotar» através do AO90. Os dois países são, neste aspecto, duas insólitas e ridículas, risíveis, excepções em todo o mundo civilizado, duas «repúblicas das bananas» típicas do Terceiro Mundo, terrenos férteis para o surgimento de «vanguardistas» patéticos que não hesitam em sacrificar os verdadeiros interesses, a estabilidade e o bem-estar da maioria dos seus compatriotas em favor de um falso progresso, de utopias que acabam por se revelar, inevitavelmente, como distopias. E tanto deste lado do Atlântico como do outro a «justificação» tem sido a mesma: simplificar e «facilitar» a aprendizagem; porém, tais objectivos não – nunca – foram atingidos, como o atestam os crónicos e elevados índices de analfabetismo e de iliteracia nas duas nações.
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