O “género neutro” não é — de todo — tema que interesse ou sequer diga respeito ao #AO90, a não ser pelo gigantesco senão de a questão da “igualdade de género” no Brasil implicar mais uma machadada na língua de cuja designação o “país-continente” se apossou e que traficantes de mentiras impuseram à força por cá.
Será, porém, mais uma inerência — e mera questão de tempo — até que os políticos portugueses em concreto e os vendilhões em geral impinjam a Portugal também este “extra”, igualmente nada subtil, dizem eles que “igualitário” e “integrador”. Não carece tão horroroso prognóstico de quaisquer dotes de vidência; algum bom senso e outro tanto de senso comum bastam e sobejam para uma conclusão que não passa de simples evidência.
Trata-se, e daí justificar-se a sua inclusão no acervo monotemático do Apartado 53, da mesma “lógica” de imposição feroz da “língua universau” à qual os 2% da população portuguesa a quem a questão interessa já vão obedecendo mansamente, na esteira da lapidar premonição camoniana, a apagada e vil tristeza que infelizmente o Poeta não levou consigo para a tumba.
Ainda veremos alguns idiotas úteis — uma praga que infesta o país inteiro, maleita bem pior do que a de piolhos nas escolas — apregoando os putativos méritos “linguísticos” de mais este desconchavo. Ele há gente capaz de tudo, realmente, em especial quando desses comichosos parasitas boa parte pertence à sub-espécie de infiltrados, ex-anti-acordistas; gente capaz de, na imortal expressão de Arnaldo Matos, dar cambalhotas por cima da própria cabeça. Gente espertíssima, ilustradíssima, diplomadíssima, gente capaz de convencer qualquer analfabeto dos méritos de uma gramática inexpugnável e da leitura esotérica. Gente a merecer uma condecoração, por conseguinte, até porque a troca de medalhinhas parece estar na moda; as palmadinhas nas costas caíram em desuso, agora o acto de engraxar (ou a “coçadela mútua” entre primatas, segundo Desmond Morris) prima pela discrição — e pode ser que o recordista mundial de visitas ao Brasil os convide para o próximo Dia Mundial da Língua Brasileira, cerimónia na qual decerto com imenso garbo imporá as insígnias aos íssimos, aos istas e aos ados.
O artigalho em baixo transcrito (no original brasileiro, já que a publicação é brasileira) contém diversas premissas (e não menos bacoradas) que poderiam merecer algum destaque, mas fiquemo-nos — em termos de autópsia linguística — por duas articulações no exacto local da fractura exposta que é o #AO90: a primeira, «a adaptação do idioma por meio da linguagem neutra não pertence à gramática da Língua Portuguesa» e a segunda «o novo acordo ortográfico demorou a ser aceito porque foi uma mudança imposta.»
Evidentemente, o hábito de chamar “portuguesa” àquela língua parece inultrapassável, até porque a ideia foi cozinhada e apimentada por tugas, mas não deixa de ser curioso que para tentar explicar tecnicamente aquilo que não tem qualquer explicação — em brasileiro, porque em Língua Portuguesa tem mesmo — ainda há quem por aquelas bandas se agarre à norma-padrão; o que aliás é imediatamente anulado quando surge a invenção predilecta dos acordistas: a “norma culta”. “Culta” para eles, claro, e “norma” só se for na cabecinha deles, ainda é mais claro; referem-se ao modo de falar (“jeitu dji fálá”) de São Paulo e Rio de Janeiro, nada mais. De facto, o “falar culto” — um desconchavo que não existe sob perspectiva alguma, seja gramatical, linguística, fonológica ou sequer sociológica é um dos “argumentos” predilectos dos acordistas tugas e zucas, mas na verdade não colhe jamais, é só um desconchavo que esses tipos sacam do ferramental para aplainar reboco cerebral.
Mas não deixa de ser interessante. A anteriormente citada frase do “grande dirigente e educador da classe operária” (o qual, aliás, escrevia na perfeição) aplica-se também, plenamente, a toda a sorte de malabarismos, contorcionismos e outros números de circo retórico que o “tribunaonline” fez o favor de publicar.
A invocação da gramática, genericamente falando, seria hilariante caso não fossem desastrosos os resultados da imposição manu militari de um acordo que o não é. A putativa resistência de misteriosas camadas (quais?) da população brasileira a uma negociata política não tem qualquer paralelo ou termo de comparação; tentar anexar aquela vigarice diplomática à “discussão” sobre o sexo das palavras não passa da habitual desonestidade intelectual. Inverter o sentido da imposição, sob este ou qualquer outro pretexto, é também não apenas intelectualmente desonesto como pretende funcionar como atestado de estupidez (merecido, se for o caso) a quem semelhante patranha engolir. Os brasileiros limitaram-se a ir acatando, a partir de 2009, parte do que tinham acordado em 1945; exclusivamente nisso consistiu, para eles, o seu querido “acordo” de 1990; não houve uma única palavra grafada em Português que tenha sido por eles “adotada”; pelo contrário, Portugal e PALOP foram obrigados por meia dúzia de escroques a escrever segundo a transcrição fonética do brasileiro “culto”, e daí os milhares de importações compulsivas. Nisto e apenas nisto consiste o #AO90; é este o único aspecto técnico de uma golpada integralmente política com finalidades exclusivamente empresariais.
Foi e continua a ser com a preciosa ajuda de alguns mercenários e agentes por conta que no nosso país foi estabelecida uma situação de facto consumado; e desse processo a poucos, a muito poucos, não podem e não devem ser assacadas responsabilidades. Ou, simplificando, nos termos do aforismo célebre, “a verdade é filha do tempo, não da autoridade.”
Podem tentar dar a volta ao texto, podem pretender pervertê-lo de todas as formas, podem torturar a verdade dos factos com requintes de malvadez. Ou podem até inverter o ónus da culpa e bombardear com o seu inesgotável arsenal de mentiras a paralisia dos indiferentes e dos néscios, a ignorância dos crédulos e o silêncio dos inocentes.
A realidade não caduca.
Não mais, Musa, não mais, que a lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida,
O favor com quem mais se acenda o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
no gosto da cobiça e na rudeza
Duma austera, apagada e vil tristeza.
[Luís de Camões, “Os Lusíadas” – X 145]
Empresas adotam linguagem neutra e cotas para mulheres e pretos
tribunaonline.com.br, 22.09.22
A linguagem neutra ganha cada vez mais visibilidade e começa a ser gradativamente incorporada nas empresas e no mercado de trabalho. E outras medidas especiais começam a ser instituídas em grandes empresas, entre elas, cotas para mulheres e pessoas pretas, por exemplo.
[foto][legenda] Bolsa de Valores de São Paulo vai exigir inclusão também de pessoas com deficiência em cargos de alta liderança
Essa medida deve se tornar obrigação: para ampliar a diversidade nas empresas de capital aberto, a Bolsa de São Paulo (B3) quer exigir que as companhias cumpram meta de inclusão de mulheres e integrantes de grupos como negros, LGBTQIA+ e pessoas com deficiência, em cargos de alta liderança.
O descumprimento pode ter consequências, incluindo até um processo para a retirada da lista da B3. A iniciativa é inspirada em normas do Reino Unido e em regras adotadas por bolsas nos EUA, na Austrália, em Hong Kong, no Japão (Tóquio) e em Cingapura.
As novas determinações foram colocadas pela B3 em audiência pública. Qualquer pessoa pode enviar contribuições pelo e-mail sre@b3.com.br. O texto final deve começar a vigorar em 2023.
A proposta é que as empresas brasileiras tenham, em seu conselho de administração ou diretoria estatutária, a primeira pessoa diversa até o fim de 2025 e incluam a segunda até o fim do ano seguinte.
“Empresas que investem em diversidade étnica têm 33% mais chances de obterem resultados superiores às empresas que não têm essa mesma orientação. Já as que têm equilíbrio de mulheres são 21% mais lucrativas”, disse a conselheira da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-ES), CynthiaMolina.
O banco Itaú, por exemplo, estabeleceu metas para ter na empresa entre 35% e 40% de mulheres em cargos de liderança e de 27% a 30% de pessoas negras até 2025.
O gênero neutro é considerado controverso porque muda o idioma. A linguagem neutra busca atender e incluir pessoas que não se identificam com o gênero masculino ou feminino. Para isso, são feitas adaptações que visam incluir e representar esse grupo social.
Ela muda o uso de pronomes. Por exemplo, ao invés do tratamento por “ele/dele” ou “ela/dela”, o grupo prefere ser tratado por “ile/dile”. Em contrapartida ao “todos/todas” surge o “todes”.
A SerasaExperian, por exemplo, adotou a linguagem para se dirigir aos funcionários e nas redes sociais.
Especialista critica alteração no idioma