«All animals are equal but some are more equal than others»
[“Animal Farm”, George Orwell, 1945]
Estribados numa pretensa superioridade do Brasil e dos brasileiros em relação ao “colonizador explorador e torcionário”, essa alucinação rapidamente resvalou ainda mais para baixo, para uma forma de desprezo pelas reais origens daquele país, para a hostilização sistemática dos portugueses em geral e para uma verdadeira sanha persecutória quanto a tudo aquilo que mesmo se remotamente lhes cheire a “terrinha”. Este absurdo e insuportavelmente insultuoso preconceito está já estudado, se bem que mal, e dicionarizado, neste caso muito bem: lusofobia. Um tipo de racismo, portanto, como claramente denota o sufixo, um exclusivo que brasileiros dedicam a Portugal.
[post “Independência ou morte”, 11.08.22]
Trata-se, como já vimos, de um exclusivo reservado a brasileiros. Os naturais dos PALOP — Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa — não têm os mesmo direitos, apesar das garantias de “inclusão” expressas na narrativa oficial a que se convencionou chamar “Acordo de Mobilidade“. Como terá também ficado claro, este outro “acordo”, à semelhança do que sucede com o #AO90, tem por finalidade usar a CPLB — Comunidade dos Países de Língua brasileira — como cobertura diplomática, funcionando a “língua univerrssáu” como pretexto “ideológico”, para servir os interesses geopolíticos e económicos da República Federativa do Brasil.
A República Portuguesa não beneficia em rigorosamente coisa alguma por via destes “acordos” e “tratados”, assim como de qualquer deles não constam a priori, expressa ou implicitamente, quaisquer prerrogativas ou sequer algo que, mesmo indirecta e remotamente, possa interessar a Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Guiné-Bissau e
Timor. A estes países, enquanto “membros” da dita CPLB — uma invenção Brasileira — estão reservados papéis de meros figurantes; servem com suas bandeirinhas para tornar mais colorida a golpada verde e amarela que degenerados tugas foram ao Rio vender.
Mas isto é quanto a direitos. Falemos então dos deveres, já que essa mimosa palavrinha também consta do título da coisa. Bem, deveres? Nenhuns. Não há. É só no título mesmo. Como de costume, para disfarçar. A premissa implícita (direitos pressupõem deveres) em qualquer tipo de acordo, mesmo o pessoal, quanto mais entre países, não existe nesta nem em qualquer das outras partes do negócio.
As pessoas provenientes de todas as ex-colónias portuguesas em África e na Ásia, bem como também, por exemplo, nepaleses, ucranianos moldavos, russos, romenos, marroquinos, enfim, a massa heterogénea de imigrantes das mais diversas origens que encontram em Portugal um país para viver, os deserdados, aqueles que muito provavelmente mais necessitariam de ajuda do Estado que os acolhe, mesmo sendo este o 28.º estado brasileiro, todos esses outros não contam para nada e não constam de coisa alguma que envolva o mais ínfimo direito ou, menos ainda, qualquer privilégio.
Devem ficar todos contentes, os refugiados, os imigrantes que escaparam com vida à guerra, à fome, à pobreza extrema, quando se aperceberem de que afinal não passam de emigrantes “de segunda”: para eles, Portugal reserva todos os deveres e poucos ou nenhuns direitos, mas para um outro “contingente”, para uma única outra nacionalidade de origem ficam garantidos todos os direitos e obrigação… nenhuma! Pois sim, ficariam contentíssimos se de tão simpático “acordo” tomassem conhecimento, o que por certo não irá acontecer nos tempos mais próximos.
Existe, porém, quem já se tenha apercebido do filão que representa o “igualitário” e “inclusivo” tratamento dado a determinado contingente migratório em detrimento de todos os outros; dessa percepção expedita resulta o recente surgimento de um ramo de negócios que está já transformado numa verdadeira indústria de produção jurídica em série — algo semelhante a uma linha de montagem especializada em expedientes legais. Por assim dizer, e para mais fácil entendimento do conceito, trata-se de uma espécie de gigantesca charcutaria (vulgo, encher chouriços) em que por um lado entram papéis e requerimentos saindo pela outra ponta o produto acabado: autorizações, títulos de residência, de trabalho e académicos, cartões de cidadania e, por fim, passaportes.
Daí também, tal é a profusão da oferta — em função da procura, bem entendido –, as aparentes confusões em que se emaranham alguns dos prestadores de serviços, advogados e outros tipos de “juristas”, simples curiosos, opinion makers, youtubers e palpiteiros profissionais. Deste tipo de confusões e de entre o naipe de paus desfasados destacam-se as asneiradas aparentemente legalistas. Como, por exemplo, esta, que terá passado despercebida à maioria no anterior post sobre a “igualdade”:
«Estes são documentos importantes para quem pretende viver em terras portuguesas ou viajar para fora do Espaço Schengen.» [nacionalidadeportuguesa.com.br]
Não, não é só para fora do espaço Schengen. É para fora e é para dentro do espaço Schengen.
A nacionalidade portuguesa, como aliás sucede com a de qualquer dos Estados-membros da União Europeia, não é selectiva ou discriminatória; ou o cidadão é titular e, portanto, detentor de todas as prerrogativas inerentes a essa condição (e situação legal), ou então, por simples exclusão de partes, não possuindo a nacionalidade de um dos países-membros, será considerado em todos eles ou como turista ou como imigrante — e ficará sujeito às implicações advenientes, que dependem e variam conforme o determinado pelo país de destino. O estatuto de cidadão nacional não é atribuído consoante o local de nascimento, o que implica não existir na atribuição qualquer espécie de condicionamento, categorização ou escalonamento.
Mais uma questão legal para que verdadeiros juristas — dispensando-se, por uma vez, os ignorantes encanudados — verifiquem e estudem e atestem (ou invalidem) o assunto. Pode ou não pode um cidadão nacional, portador de passaporte português, não apenas circular livremente como também estabelecer-se, residir, trabalhar ou estudar em qualquer dos 28 países europeus que subscreveram o Acordo de Schengen? Pode ou não pode um cidadão português, ainda que tenha nascido em ou seja cidadão de outro país (com dupla ou mesmo tripla nacionalidade), circular e residir, enquanto cidadão europeu, não apenas em qualquer Estado-membro da União Europeia como também nos países que dela não fazem parte mas subscreveram o Acordo?
Documentação necessária e diligências obrigatórias estão já previstas (e, em ou por princípio, despachadas) através de inúmeros prestadores de serviços especializados na matéria, como agora vimos.
Muitas outras perguntas além destas, que são apenas as mais básicas, ficam ainda por formular.
Por exemplo, será esse tal Estatuto de Igualdade um exemplo de “discriminação positiva” ou a questão resume-se, afinal, a uma forma de discriminação pura e dura?
Caso afinal o dito Estatuto estiver como que ungido por mão divina, livre para sempre de todo o mal e de qualquer pecado, qual é ao certo a finalidade? O que se pretende e quem pretende o quê?
Ouve-se dizer umas coisas, umas vacuidades, “sustentabilidade”, “contribuições”, uns quantos termos pretensamente técnicos, “saldo demográfico”, “taxa de nascimentos”, umas tretas politicamente correctas, como a “inclusão”, mas de concreto, de palpável, de inteligível ou sequer de minimamente inteligente… nada. Rigorosamente nada.
As respostas que parecem não existir — até porque ninguém sabe sequer o que perguntar, caso porventura queira saber — terão de continuar a ser arrancadas pela raiz. Como dentes. Podres.