Dia: 13 de Fevereiro, 2023

A língua brasileira é «língua oficial de Portugal»

Português do Brasil “é língua oficial de Portugal” e sobrepõe-se à nossa “frigidez sonora”

O director da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira, José Manuel Diogo, diz que o português do Brasil “é verdadeiramente uma língua oficial de Portugal”.

O número de brasileiros que imigra para Portugal continua a aumentar. Em 2022, viviam em Portugal 233.138 brasileiros, mais 28.444 (13%) do que em 2021.

Nos últimos 12 anos mais de 391 mil brasileiros obtiveram a nacionalidade portuguesa. Trata-se da principal comunidade estrangeira residente no país.

Portugal é um país com pouco mais de 10 milhões de habitantes, dos quais 400 mil ainda não falam português — por serem bebés ou crianças demasiado pequenas.

É com base nestes dados demográfico que, num texto publicado na Folha de S. Paulo, o director da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira, José Manuel Diogo, escreve que “sem compromisso com o erro, o português do Brasil é verdadeiramente uma língua oficial de Portugal”.

O também fundador da Associação Portugal Brasil 200 anos sublinha que “simplesmente caminhando nas ruas”, o número de falantes de português do Brasil parece bem maior do que é na realidade.

“O balanço doce do português de Vinicius de Moraes sobrepõe-se à frigidez sonora dos conterrâneos de Pessoa e Saramago”, escreve José Manuel Diogo. “A vida acontece cada vez mais em ônibus que nos autocarros, e a frescura mata-se cada vez mais na geladeira que no frigorífico”.

Crianças e jovens usam cada vez mais expressões brasileiras, impulsionadas por influencers brasileiros do YouTube e outras redes sociais.

“A exponencialidade do aumento da ‘demografia brasileira’ em Portugal antecipa uma nova era normativa para a língua portuguesa”, prevê o português natural de Castelo Branco. “A nova proporcionalidade na convivência de falantes no território português confronta a língua e os seus estudiosos com uma necessidade de reinvenção —será esta a palavra certa?”.

Segundo o historiador e analista político brasileiro José Murilo de Carvalho, os estudantes e imigrantes do país sul-americano vêm para Portugal “em busca de emprego e de formação académica”.

No fim de Julho do ano passado, o SEF informou que tinha atribuído 133 mil novos vistos de residência a cidadãos estrangeiros nos primeiros seis meses do ano.

Os números avançados revelam que 47.600, mais de um terço, são imigrantes brasileiros. A fila de espera para novos vistos andará por volta dos seis meses.

[Transcrição integral de artigo publicado por

Geladeira ou frigorífico?

José Manuel Diogo

Sem exageros, aplicando apenas cautelosas matemáticas, poderíamos afirmar sem medo que a “turma” que fala brasileiro nas ruas das cidades e vilas portuguesas representa hoje mais de 10% dos falantes totais.

Mas, pegando um 99, ou apanhando um táxi, almoçando e jantando em restaurantes, comprando nas lojas, lendo em bibliotecas, aprendendo nas escolas secundárias, estudando nas universidades ou simplesmente caminhando nas ruas, o número parece muito maior.

O balanço doce do português de Vinicius de Moraes sobrepõe-se à frigidez sonora dos conterrâneos de Pessoa e Saramago. A vida acontece cada vez mais em ônibus que nos autocarros e a sede mata-se cada vez mais na geladeira que no frigorífico. O som e as palavras da língua “brasileira” expandem-se, na mesma proporção que na “portuguesa” encolhem.

A história mostrou-nos que, nas movimentações demográficas, sempre foi a hegemonia dos falantes por unidade geográfica que definiu idiomas, acentos e sotaques. A exponencialidade do aumento da “demografia brasileira” em Portugal antecipa uma nova era normativa para a língua portuguesa.

A nova proporcionalidade na convivência de falantes no território português confronta a língua e os seus estudiosos com uma necessidade de reinvenção.

Em uma primeira fase – já em curso – ela ocorre por apropriação de palavras e expressões brasileiras pelos portugueses, sobretudo por crianças e adolescentes. Mas brevemente, por imperativos de coabitação, será necessário definir-lhe um novo momento normativo.

Em uma conversa com a escritora, curadora e jornalista portuguesa Isabel Lucas, ela também antecipa este movimento, afirmando: “O futuro da língua portuguesa e a sua grande potência é o Brasil”. Precisará de Portugal?

José Manuel Diogo

*Presidente da Associação Portugal Brasil 200 anos

[Transcrição integral de artigo, da autoria de José Manuel Diogo, publicado pelo

Lula e José Sócrates no lançamento de um livro do antigo primeiro-ministro DR [Imagem do jornal Público, em artigo com o título «Onde as suspeitas sobre Lula se cruzam com o caso de Sócrates» e com o ‘lead’ «Os dois ex-líderes são amigos e ambos são suspeitos em casos de corrupção, em Portugal e no Brasil»]

«Um contínuo elogio da loucura» [Maria do Carmo Vieira, 11.02.23]

Ortografia e “linguagem inclusiva”: um contínuo elogio da loucura

Senhor Presidente, certamente que verá e ouvirá os inúmeros erros decorrentes do uso do AO 90 e por isso lamento que silencie essa situação.

Maria do Carmo Vieira
“Público”, 11 de Fevereiro de 2023

No seu filme O Destino (1997), Youssef Chahine (1926-2008), realizador egípcio, mostra-nos, a dada altura, o filósofo do Al-Andaluz, Averróis, em discussão com o filho mais novo do Califa, Al-Mansur, recém-fanatizado em dogmas forjados e fundamentalistas (numa associação às seitas jihadistas). Transcrevo as suas palavras, bem elucidativas da leveza com que se encara o estudo e da arrogância com que se impõe uma pseudo-sabedoria: És tão vazio que repetes todos os disparates de que te enchem. Um poema e dois versos corânicos e julgas-te poeta e sábio? Que sabes de medicina e de astronomia, de matemática e de química e de filosofia? Sabes o suficiente do amor, da verdade, da justiça para afirmar-te capaz de espalhar a palavra de Deus? Responde!”

Certamente que a sua leitura nos remeterá simbolicamente para inúmeras situações que já presenciámos, desconhecendo contornos, ou vivenciámos directamente, conhecendo-as por dentro, resumindo-se a questão grosso modo à facilidade com que aprendizes de feiticeiro (ou popularmente “chicos-espertos”) se arrogam o direito de impor, e serei benévola no substantivo, o erro e divulgá-lo religiosamente como dogma, em nome de qualquer coisa que é sempre perspectivada como um bem. Uma atitude que não me coibirei de descrever como execrável. E não abdico do termo porquanto a acção das brilhantes mentes, habitualmente matizada pelo cinismo de um sorriso benevolente, nos impõe a ignorância, conseguindo, quantas vezes, apagar valores que considerávamos profundamente gravados em nós.

A pressão que se abate sobre quem tenta reagir é tão feroz que o facto de ter usado acima o termo, gramaticalmente correcto, de “substantivo”, poderá ser ajuizado, pelos criadores da TLEBS, que à revelia o transformaram em “nome”, como um acto de “resistência à mudança”, expressão acusatória para quem põe em causa “a nova ordem”. E até o facto natural de referir por Escola Primária o agora designado 1.º ciclo pode ser, para os fundamentalistas da “nova escola”, objecto de censura por ainda estarmos imbuídos, imagine-se, de um “saudosismo salazarista”.

E neste contínuo elogio da loucura que transparece nos actos e nas palavras de quem quer impor-se, arrastando os outros nas suas tortuosas experiências, vamos assistindo a uma miríade de situações que parecem não ter fim e que, ao invés de serem travadas ou avaliadas criticamente por quem de direito, recebem o apoio, de forma velada ou não, de quem abdicou de ser um advogado à altura. A este propósito penso no Presidente da República e no seu papel quer em relação ao Acordo Ortográfico de 1990 (AO90) quer à dita “linguagem inclusiva”.

Comecemos pelo AO90, cujo processo inicial se deveu à vontade de um político, o presidente do Brasil, José Sarney, que, movido sabe-se lá por que razões, se lembrou de promover, em 1986, um encontro, no Rio de Janeiro, com todos os países de língua oficial portuguesa, e cujo texto resultante deste encontro – Acordo Ortográfico de 1986 – foi fortemente contestado pelos linguistas e nunca aprovado por eles nem pela sociedade civil.

É por demais conhecido o que se passou depois da paciente espera para uma melhor oportunidade de concretização, que surgiria em 1990, sendo a novidade justificada numa inimaginável e acientífica “Nota Explicativa ao Acordo Ortográfico de 1990”. Bastar-nos-á recordar o pretenso objectivo para este AO: a irrealizável “unidade ortográfica”, na diversidade das lusofonias. Amplamente divulgadas foram também as negociatas que adulteraram o conteúdo do Tratado Internacional, originando protocolos modificativos e ratificações que até agora não se fizeram. A discussão a seu tempo feita na Assembleia da República é também um exemplo flagrante de um elogio à loucura, ajustando-se igualmente ao teor das palavras de Averróis. Na verdade, a ignorância elevou-se e nem faltou a galhofa, entre os deputados presentes, até à insultuosa votação final. As actas podem ser consultadas.

Feita esta breve introdução, lembremos como o Presidente da República, no seu primeiro mandato, se mostrou interessado pelo tema do acordo ortográfico, polémica que ainda se mantém, parecendo, nessa altura, não tencionar abandonar essa preocupação. Nas palavras de Pedro Mexia, um dos seus assessores culturais, “havia a expectativa” de que o Presidente reabrisse o debate sobre a matéria, o que aliás lhe fora sugerido também pelo prestigiado Professor Artur Anselmo, então presidente da Academia das Ciências.

Anos mais tarde, o acordo, fruto de um qualquer truque de ilusionismo amador, tornou-se “um não-problema”. Em suma: a língua portuguesa deixou de ser um património cultural a defender, estando sujeita a jogadas políticas, e o seu ensino deteriorou-se no convívio com o caos determinado pela implementação do famigerado acordo, um caos que não só se verifica na ortografia, como também na pronúncia de “novas palavras” e nos equívocos que gera (retractar, agora sem “c” é disso um exemplo, entre tantos outros).

Lembrar-se-ão também da Associação de Professores de Português (APP) que solicitou recentemente ao ministro da Educação que os alunos brasileiros não fossem penalizados nos exames, devido às diferenças linguísticas que colidem com a norma portuguesa. Por estranho que pareça, não rebateram a absurda “unidade ortográfica” que justificou o AO e que a APP sempre apoiou. Afinal, a situação exposta pôs a nu o inegável: a impossibilidade de uma unidade ortográfica.

Senhor Presidente, certamente que verá e ouvirá os inúmeros erros decorrentes do uso do AO 90 e por isso lamento que silencie essa situação, que julgo não se adequar a um professor e a um Presidente que afiançou “ser de todos os Portugueses”. Lamento igualmente que os seus assessores culturais, alguns deles críticos do acordo, e amantes da palavra, não lhe tenham sugerido a imperiosa necessidade de um debate académico e científico sobre a matéria quando é por demais evidente a permanência da polémica, existindo livros que a analisaram em pormenor, nomeadamente os do professor A. E.[1], linguista da Universidade Nova. Os exemplos de erros são incontáveis e a sua ininterrupta proliferação vilipendia a Língua Portuguesa, mal falada e mal escrita, com a agravante de nem mesmo o que ficou registado no texto da Nota Explicativa se cumprir.

São inúmeros os professores que respondem a dúvidas dos alunos sobre o modo correcto de escrever algumas palavras, tal a confusão que reina. Um colega meu de Tomar, João Barroca, tem ao seu dispor centenas, senão milhares, de exemplos das confusões ortográficas no quotidiano e na comunicação social. Situação idêntica em instituições escolares, camarárias e outras (elevado número de Editoras, entre as quais a Fundação Francisco Manuel dos Santos, plataformas de streaming…) que deviam prezar pela correcção e a esquecem.

Lamenta-se igualmente a resignação de alguns intelectuais que traem, com o seu silêncio, a causa em que publicamente se movimentaram e empenharam, apresentando inclusive propostas, como aconteceu com o Professor António Feijó, da Faculdade de Letras de Lisboa, em relação a um referendo, sugestão com a qual não concordei, na altura, mas para a qual trabalhei arduamente, e em vão, com grande número de voluntários.

Não posso deixar de transcrever também as razões que assistiam ao então director e presidente do Conselho Científico da Faculdade de Letras (2013), agora presidente da administração da Fundação Gulbenkian, quando escreveu ao presidente da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, José Ribeiro e Castro, a propósito do AO: “[…] Arrogar-se o Estado legislar sobre intangíveis como a língua, que na realidade o excedem, seria uma extensão abusiva das suas funções. Numa altura em que, em Portugal, se procura definir com parcimónia quais as funções do Estado, a sua extensão a um domínio como a língua é uma forma de cesarismo indesejável. É este o meu primeiro argumento contra o Acordo. […] Finalmente, alterar o modo como escrevo para o modo como o Acordo impõe que escreva é uma forma de violência sobre o que de mais visceral pode ser a identidade pessoal. É nesta visceral violação subjectiva, que é a de todos os que, escrevendo de um modo, se vêem coagidos a mudá-lo, que reside o meu segundo, e último, argumento contra o Acordo. Se se entender que esta posição não é ‘prática’, considere-se a desoladora pobreza conceptual deste termo no debate público, que ignora versões nocionalmente mais ricas e densas do que é ‘prático’. Eminentemente ‘práticas’ são noções como a de ‘direitos individuais’, a de ‘personalidade’, de ‘solidariedade’, ou de um valor demasiado rarefeito na história moderna e contemporânea de Portugal, à sombra do qual termino, a ‘liberdade’.”

Também na Gulbenkian, encontramos estranhas convivências determinadas pelo AO: “Egito”, “egípcios” e “egiptólogos”, a propósito de Faraós superstars – designação tão em moda, a fazer lembrar Oeiras Valley!

Os erros mais crassos, e que não têm fim à vista, dizem sobretudo respeito a vocábulos cujos “c” e “p” continuam a ser ceifados a torto e a direito, mesmo quando lidos. “Contato” e “Fato” atingem o top, sendo o jornal Expresso o campeão, mas não falta também o “inteletual”, o “abruto”, a “convição”, a “batéria” e tantos outros que o Senhor Presidente certamente encontrará no seu dia-a-dia. Não o preocupa esta situação? Não o preocupam os alunos que diariamente são confrontados com erros? Não o preocupa que os professores, na sua maioria contrários ao acordo, sejam forçados a cumpri-lo sob pena de lhes ser instaurado um processo disciplinar?

Reparei igualmente que o Senhor Presidente parece ser sensível à linguagem inclusiva”, uma linguagem criada por quem faz tábua rasa da Gramática e da lógica da língua, pretendendo impor a sua verdade, tal dogma indiscutível. Devo confessar-lhe que a sua preocupação, recente no tempo, de se dirigir aos portugueses, referindo “Portugueses e Portuguesas” me causou estupefacção e creia que não me senti mais respeitada por isso.

Saberá que há quem acerrimamente defenda que a par de “camaradas”, se diga também “camarados” e certamente “camarades”, justificando-se a sequência com a dita inclusão. Assim sendo, surgiriam “crianças, crianços e criances” ou “colegas, colegos e colegues” e os exemplos seriam infinitos e a escrita um acto de demência, concordará. E o que fazer ainda no caso de “estudante”, de “presidente” ou de “personagem” ou como resolver o problema dos artigos definidos e indefinidos que se cingem a masculino e feminino? É o tipo de raciocínio chão, da leviandade que caracteriza toda a ignorância, da feroz mania de avaliar, de dissecar, de expor ostensivamente, de inovar por inovar.

Sem dúvida que a atitude miserabilista que tomou conta destas mentes alastrou a situações afins, determinando o clímax acontecido recentemente no Teatro de S. Luís. Uma insanidade, muito aplaudida, apesar de pôr em causa o Teatro, o acto de representar e a saída de cena. Um flagrante elogio da loucura, não concorda, Senhor Presidente?

Quero ainda acreditar que o AO tornará a ser um problema, na sua perspectiva, como aconteceu há uns anos, porque é intolerável o actual desrespeito pela Língua Portuguesa e pela sua ortografia. E porque ficou por satisfazer o pedido do Professor Artur Anselmo, cujo estudo aturado merece o respeito e a admiração de todos nós, porque não agora?

Por último, desejo felicitá-lo pelo seu abraço ao imigrante nepalês, cobardemente espancado, em Olhão, por quem segue os ditames da seita já conhecida. Também aqui será de acompanhar a situação do imigrante nepalês, que, no fundo, representa todos os que procuram trabalho em Portugal (e quanto lhes devemos!…) já que se multiplicam de norte a sul os lobos com pele de cordeiro. O seu abraço, senhor Presidente, não pode ser em vão. Tem de significar alguma coisa no futuro deste nepalês.

[Transcrição integral de artigo, da autoria de Maria do Carmo Vieira,
publicado no jornal “Público” de 11 de Fevereiro de 2023. “Links” (a cor verde) e destaques meus.]
[1] Nome reduzido a iniciais a pedido do próprio.

[O diálogo mencionado no início do texto transcrito está neste extracto (dobrado em Francês), a partir dos 3m:45s.]