[gráfico de: “Our World in Data“]
Se, por acaso e por algum motivo, alguém precisar de ilustrar ou demonstrar o conceito de vitimização como arma política (1, 2, 3), o artigo transcrito em baixo serve na perfeição para o efeito.
De teor semelhante há imenso material por aí, aliás, em tudo quanto é pasquim de propaganda ou canal de TV idem, não só textos como também discursos e outros tipos de perdigotagem, todos eles seguindo sempre o mesmo guião de imenso, pretensamente comovente coitadismo militante: a “mensagem” consiste basicamente em “demonstrar” que ainda hoje, e desde 22 de Abril do ano da graça de 1500, o português é o único culpado por tudo aquilo que de mau, péssimo ou horrível sucede no Brasil. Pior ainda, o maldito “colonizador” de bigode, padeiro e burro todos os dias não apenas é culpado pela “colonização”, isto é, por brutalmente ter desvirginado o paraíso onde “os brasileiros” viviam celestialmente, como é também culpado, o “portuga”, por tudo (e mais alguma coisa) que de péssimo ali se passou mesmo após a independência do país (1822): foi e é por culpa do “portuga” a ditadura militar (1964-1985), a destruição da floresta amazónica, o bolsonarismo “fascizante” para a esquerda e o lulismo “comunistóide” para a direita, os golpes avulsos e as golpadas sortidas, as favelas miseráveis, a pobreza esmagadora, a ignorância endémica, o regime dos “córóné” nos lugarejos e o dos gangs nas cidades. Em resumo: nós, portugueses, pela simples razão de o sermos, fomos, somos e seremos até ao fim dos tempos os responsáveis por tudo aquilo que os brasileiros não sabem, não podem e não querem fazer, como seja, por exemplo, começar por enfrentar os seus próprios problemas; já resolvê-los, a esses mesmos problemas, bem, se calhar isso será pretensão em demasia, mas haja esperança, pode ser que um dia, algures no futuro, ou se lhes cure a obsessão ou a nós toque, por milagre, deixarmos de ser uma manada de 10 milhões de bodes expiatórios.
De tão bizarro statu quo de queixinhas pela «herança do colonialismo português» é exemplo este artigo do caderno “P3”, se bem que, no caso, se refira “apenas” a um dos diversos tipos de criminalidade em que o Brasil é uma das grandes potências mundiais: os «crimes decorrentes de racismo religioso».
Porém, evidentemente, não existe em todo o imenso “país-continente” uma única alminha a quem possa ser assacada qualquer responsabilidade em qualquer desses crimes. Nada de nada. São todos uns anjinhos inocentes, até porque os “culpados” são, como sempre, mais uma vez, os tugas; pela mui transparente razão de que «o processo de colonização, que teve por base a conversão forçada dos colonizados ao cristianismo, esteve assente e foi fomentado “pelo racismo e pelo preconceito”». O que, pois então não se está mesmo a ver, fundamenta-se nesta coisa evidentérrima: «toda a causa do racismo, seja de pele mesmo ou religioso, tem origem no processo colonial»
O tema pretensamente religioso não passa de pretexto, evidentemente, de tal forma claro é o viés político do arrazoado. Daí as referências sistemáticas à situação político-partidária brasileira, buscando estabelecer uma relação directa entre os conflitos de grupos de crentes de determinado rito e grupos de crentes em determinada retórica; ou seja, o «número de ataques sofridos pelos crentes no seio de uma sociedade fortemente polarizada, em que a religião é não raramente utilizada como arma política».
Como não poderia deixar de ser, os ditos ataques resultam do pecado original, que é evidentemente (e exclusivamente) português: «a raiz da intolerância religiosa que afecta as religiões afro-brasileiras “há 500 anos” tem origem na colonização do Brasil por Portugal» e o demónio português é culpado pela intolerância, pela violência, pelo preconceito, visto que foi ele, o mafarrico tuga, quem foi perturbar a Pax Brasiliensis com «africanos escravizados durante o período da colonização portuguesa», de que resultaram imensos «ataques de intolerância», “derivado ao” «preconceito da sociedade». “Conclusão”: «São cinco séculos dessa perseguição».
E esse “derivado ao” implicou uma série de aborrecimentos nada agradáveis: «São frequentes os casos de intimidação, de destruição de propriedade e os ataques à integridade física». Dos quais alguns casos realmente sérios: «ataques violentos perpetrados por crentes de facções radicais cristãs».
Portanto, foi Portugal que transformou o Brasil num dos países mais violentos do mundo e toda aquela violência jamais teria existido se porventura o Pedro Álvares, esse grandessíssimo cabral, não tivesse mandado largar ferro numa enseada qualquer ao largo daquilo que deveria masé ser a Índia mas que afinal não era, olha, que chatice, se calhar foi engano.
O colonialismo português ainda “persegue” as religiões afro-brasileiras | Colonialismo
“A raiz da intolerância religiosa que afecta as religiões afro-brasileiras há 500 anos tem origem na colonização do Brasil”, diz o fotógrafo Gui Christ. M’Kumba retrata quem ainda resiste à opressão.
A que se associa, em Portugal, a palavra “macumba”? Embora a Infopédia a cole, primeiramente, à designação genérica dos cultos religiosos afro-brasileiros, uma terceira entrada, essa de sentido lato, associa o termo a “magia negra”, “feitiçaria”, “feitiço”. Este facto não é um pormenor e ganha um maior peso no Brasil, onde 2% da população se assume praticante de religiões de matriz africana – percentagem que corresponde a cerca de 4,2 milhões de pessoas.
Por detrás da simples definição da palavra “macumba” há uma série de camadas que toca os fenómenos da violência associada à intolerância religiosa e ao crescimento das facções mais radicais do cristianismo no Brasil – sem deixar de fora a herança cultural do colonialismo português, de cariz profundamente católico.
[fotografia]
[legenda da foto] A sacerdotisa umbandistaSidnéia, do templo Nossa Senhora do Livramento, realiza um ritual de limpeza numa jovem que perdeu a sua mãe para a covid-19. Para a religiosa, o equilíbrio mental é fundamental para a vida das pessoas – e esse pode ser afectado pelos crimes decorrentes de racismo religioso.
O projecto M’Kumba, que o fotógrafo brasileiro Gui Christ vem desenvolvendo desde 2020 para a revistaNationalGeographic, e que continua em curso, foca-se nas práticas religiosas de matriz africana no Brasil, dando a conhecer os elementos humanos e ritualísticos que as compõem e chamando a atenção para o crescente número de ataques sofridos pelos crentes no seio de uma sociedade fortemente polarizada, em que a religião é não raramente utilizada como arma política.
“Aqui, no Brasil, as religiões de matriz africana são chamadas ‘macumba’”, explica o brasileiro, em entrevista ao P3, por videoconferência, a partir de São Paulo. “É um termo muito pejorativo. É o equivalente a dizer ‘magia negra’.” A palavra “kumba“, em quicombo, uma das línguas faladas na região centro-africana, significa “curandeiro”, “homem sábio”, “senhor da palavra”, elucida Christ; o “M”, por sua vez, refere-se ao colectivo. Assim, o significado literal de “macumba” estará próximo de colectivo de curandeiros, de homens sábios ou de senhores da palavra.
Os ataques aos terreiros
Nas imagens de Christ surgem sacerdotes e crentes que “fazem oferendas a divindades afro-brasileiras”, sumariza. “Fotografei pessoas das novas gerações que sentem orgulho na sua religiosidade, realizando os seus rituais.” Os trajes e os objectos representados remetem para tributos aos vários ‘deuses yorubás’, como o orixá dos mares Yemanjá ou o senhor das chagas Obaluae, entre outras. ‘M’kumba’ é um trabalho onde revelo quem são os actuais kumba.”
As pessoas que praticam estas religiões, levadas para o Brasil por africanos escravizados durante o período da colonização portuguesa, têm sido alvo de ataques violentos, sobretudo nos últimos três anos. De acordo com o relatório do Disque 100, serviço de informações sobre direitos de grupos vulneráveis e de denúncias de violações de direitos humanos que pertence ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do Brasil, as situações de intolerância religiosa têm vindo a aumentar – entre 2019 e 2021, o número de casos mais do que duplicou no país, afectando, sobretudo, os praticantes de religiões de matriz africana. Em 2021, no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde se concentra o maior número de denúncias, foram os praticantes dessas religiões os mais afectados por episódios de intolerância.
“As pessoas acham que a violência religiosa consiste apenas em proibir uma pessoa de frequentar um templo”, refere Gui Christ. “Mas muita gente perde o emprego, há pessoas a sofrerem ataques violentos perpetrados por crentes de facções radicais cristãs.” São inúmeros os casos de ataques a terreiros de umbanda e candomblé, locais de culto das religiões de matriz africana, que são alvo de notícia no Brasil. São frequentes os casos de intimidação, de destruição de propriedade e os ataques à integridade física de quem detém e frequenta os terreiros.
(mais…)