Não será pelo enviesamento político-partidário obscenamente óbvio, nem pelo tom panfletário, o desfiar ad nauseum da cartilha de lugares-comuns tão caros ao vazio de ideias. De resto, a expressão do vazio absoluto através de palavras ocas e chavões de manual é parte integrante do discurso formatado que visa exclusivamente formatar. Não será, portanto, devido ao chorrilho de vacuidades expresso no choradinho ritual em que se viciaram estes tipos.
Quanto a paleios ocos — ou a paleios, genericamente –, cada qual sabe de si e daquilo a que lhe apetece dar crédito, o que, no caso, por exclusão de partes implicaria apenas… nada e coisa nenhuma, reacção alguma, o mais soberano desprezo.
Porém. Nesta entrevista, publicada na web há uns dias, aquilo que não pode passar sem resposta — mesmo que se ignorem as intenções subjacentes do “artista” e respectiva clique — é o acinte de que dão bastas mostras o entrevistado, a entrevistadora e o próprio pasquim electrónico onde o “diálogo” está miseravelmente exposto.
Dando de barato as tretas politicamente correctas e muito práfrentex, apesar de existirem relações de causa e efeito entre as ditas tretas e as igualmente tretas acordistas, já que ambas as “teorias” utilizam os mesmos adjectivos, as mesmas formulações e a mentira a granel como linha programática, pois ainda assim as reacções dividem-se não em dois mas em três “partidos”: a algumas pessoas, uma coisa destas pode provocar incómodo, o que será aliás naturalíssimo, isso é o mínimo que se pode esperar de quem ousa pensar pela sua própria cabeça, haverá com certeza muita gente que não vai gostar absolutamente nada e, de entre estes, é bem possível que um ou outro reaja com algo mais do que umas “bocas”.
Ao fim e ao cabo, não se aplica a todos nem é qualquer lei universal que se deva levar desaforo para casa (excelente expressão idiomática da língua brasileira, também para variar) ou, em Português de lei, não reagir a provocações. Assim, contra a tradição — e a própria linha editorial — do Apartado 53, desta vez, para variar, a introdução do conteúdo transcrito é uma simples opinião; que, num país pelo menos teoricamente livre, vale tanto como qualquer outra — mesmo as dos Lucas deste mundo, que são absolutamente livres de bolçar alarvidades e envergonhar-se a si mesmos.
Trata-se de uma entrevista particularmente insultuosa, ainda que o entrevistado tente não ultrapassar as marcas de possíveis contratos comerciais, o que muito provavelmente poderia acarretar prejuízos financeiros (e aí… parou, com peseta não se brinca), e por isso está mesmo a pedir resposta.
Que é esta: não.
Não, nós, no nosso país ou até fora dele, não temos quaisquer «questões de falta de memória muito graves, ou de enviesamento da memória». Ó Luca, pá, não te rales com a nossa gente, com a nossa memória, rala-te com a tua gente e rala-te com a tua própria memória, que pelos vistos até já nem te recordas do país onde estás.
Não, o Presidente da República Portuguesa — mesmo sendo o actual um brasileirista inveterado — não tem nada que pedir desculpa ou, aliás, seja o que for, a quem for e por que motivo for. E olha cá, ó Luca, pá, quando te dirigires ao Presidente de Portugal o tratamento é de Vossa Excelência para cima, vê se entendes, e mete lá o teu «‘Peça desculpas, senhor presidente’» where the sun never shines.
Não, Portugal não foi jamais essa coisinha horrorosa: «Portugal ser um dos dois países que mais praticou esse colonialismo, que mais praticou a escravatura mercantil moderna». Ó Luca, pá, vai estudar umas partituras (sabes ler música, espero), não te metas na floresta para ti virgem da História — e não confundas esta com a da tua terra –, essa bacorada da “escravatura mercantil moderna” é intocável (na acepção indiana do termo), caramba, Luca, vai lá para as congas, atão vá.
Não, «o colonialismo português» não foi absolutamente nada o «horror» que acabaste de inventar. Bem sei que a sugestão deve provocar-te um acesso de urticária mas, ó Luca, pá, experimenta ler umas coisinhas de vez em quando, deixa lá o samba e o futchibóu. Ou isso, um bocadinho de leituras, ou então podes sempre deixar — como se diz por aqui, “deslargar” — o país que tanto detestas e regressar a penates ou até, usando o passaporte, do tal país “detestável”, ir para onde te der na gana.
Não, era só o que mais faltava, agora ainda temos de levar com este estrangeiro, mas por alminha de quem, a “diagnosticar” «problemas que ainda existem de racismo, xenofobia» (em Portugal, não no Brasil) e a “receitar” a respectiva «superação». E esta “consulta” grátis, de tão conhecido quanto conceituado “especialista” (com pós-doutoramento em Tudologia, aposto), incluiu ainda outras amostras de ingerência nos assuntos internos do país a que os brasileiros chamam “terrinha”.
Não, por fim, à incrível, inaceitável, abjecta “exigência” deste e de outros Lucas. Não por mero acaso, está bem de ver, tamanha enormidade encabeça este nojo servido em forma de entrevista mas que afinal não passa de um manifesto de propaganda lusofóbica.
Não, Portugal não tem quaisquer motivos para “pedir desculpas”. Portugal é o povo português. O povo português jamais teve, tem ou terá que “pedir desculpas” por ser o que foi e o que é, pela sua História ou pela sua identidade colectiva.
Não posso nem devo nem quero falar por ninguém, à excepção de mim próprio. Queres desculpas, ó Luca? Por coisa nenhuma, certo? Acabaste de esgalhar aquelas patacoadas, não foi? Razões acrescidas.
Como português, apenas um deles, faço a minha parte.
Não. Não peço desculpa.
E então?
Ó tu, Sertório, ó nobre Coriolano,
Catilina, e vós outros dos antigos
Que contra vossas pátrias, com profano
Coração, vos fizestes inimigos:
Se lá no reino escuro de Sumano
Receberdes gravíssimos castigos,
Dizei-lhe que também dos Portugueses
alguns traidores houve algumas vezes.
Camões
“Portugal está super-atrasado no pedido de desculpas aos colonizados”
www.noticiasaominuto.com, 07.03.23
entrevistadora: Natacha Nunes CostaHá pouco mais de 10 anos, o cantautor carioca Luca Argel trocou o Brasil por Portugal, onde tem abraçado a música como fonte de prazer, de sobrevivência, mas também de contestação.
Depois de lançar ‘Samba de Guerrilha’, onde mostrou a sua versão de sambas históricos, que falam de racismo, escravatura e desigualdade, o artista apresenta-nos agora ‘Sabina’, o seu quarto álbum de originais, onde recupera e homenageia a história e o mito de uma vendedora que foi símbolo da persistência do racismo, após a abolição da escravatura e exemplo da solidariedade de rua que historicamente o enfrentou.
Em conversa com o Notícias ao Minuto, Luca Argel falou não só de musicalidade, mas também das mensagens que pretende transmitir com as canções e durante os concertos. Mostrou-se aberto ao “rótulo” de músico de intervenção” e apelou a que todos façam a sua parte para que Portugal não cometa os mesmos “erros” do Brasil, com a ascensão da extrema-direita.
Apesar de gostar de viver em Portugal, o artista realçou que o nosso país tem “alguns “problemas de memória” e que há um pedido de desculpas que falta o país fazer, algo que também retratou em ‘Sabina’.
Em breve, o disco será apresentado em Lisboa e Porto. Por enquanto, já pode ouvi-lo no canal de Youtube de Luca Argel.
Lançou no dia 22 de Fevereiro ‘Sabina’. Para quem ainda não sabe, quem foi esta vendedora de laranjas e o que representa para o povo brasileiro?