«A decisão do STF, neste momento, não prejudica o debate sobre o tema, só define que apenas a União pode alterar as regras da Língua Portuguesa» [jornal “Cruzeiro do Sul” (Brasil), 11 de Fevereiro de 2023] [“post” Cândido, Pangloss, Voltaire (e vice-versa)]
Depois da imposição da desortografia brasileira (#AO90), aí temos a segunda fase da anexação: o Supremo Tribunal Federal do Brasil determina que «apenas a União», ou seja, o Governo ou o Presidente da República Federativa do Brasil, «pode alterar as regras da Língua» a que, exclusivamente por motivos políticos, os profissionais do métier chamam “portuguesa”.
Portanto, por inerência, as entidades governativas que doravante passarão a administrar a e a superintender na língua brasileira “adotada” pelo Estado português serão as brasileiras: «apenas a União pode alterar as regras da língua». Entenda-se por “União”, evidentemente, a designação oficial em uso naquele país para referir os 27 estados — aos quais se junta agora o 28.º, o qual será o primeiro estado brasileiro fora da América do Sul.
Assim, Portugal não apenas “adotou” a transcrição fonética do falar brasileiro como língua nacional — impondo-a, logo à cabeça, a todos os organismos e entidades na dependência ou de alguma forma fazendo parte da administração pública — como também acatará as directivas que as entidades brasileiras vierem a ditar sobre as “regras” do dito falar brasileiro, para que sejam “harmonizadas” as “regras” fonéticas; ou seja, para que os portugueses passem também a falar e não “apenas” escrever em brasileiro.
Já revistos os programas escolares e atamancados os currículos, ao que se somou a reescrita com efeitos retroactivos de edições (incluindo as dos clássicos) e até das legendagens em material vídeo, para já não falar da importação maciça de conteúdos (de)formativos, começam agora a chegar-nos amostras de uma intensa actividade “pedagógica” vinda a nado do outro lado do Atlântico; para dar vazão aos certamente exigentes exames que por lá se fazem (a designação “ENEM”, afianço, não é uma piada), pulalam já os “especialistas” que vão pipocando entusiasticamente os seus “ensinamentos”.
É o caso, assim ao acaso, de mais este e das suas “pegadinhas” (não confundir com piadinhas). Um fulano diplomado em Matemática e em Química [sic] que dá “aulas ” lá da língua dele através da Internet e, ao que parece, com imenso sucesso, diz que “viraliza” e tudo, o que deve ser fantástico.
Bem sei que o horizonte, não sendo já azul como soía, apresenta-se agora cinzento, sinistro, quase da cor do chumbo mas ainda mais pesado. Não custa adivinhar o que prenuncia.
‘Eu mido’ ou ‘eu meço’? Professor viraliza ensinando língua portuguesa https://t.co/zxUaZ2NQPw
— Folha de S.Paulo (@folha) March 22, 2023
Dicas de conjugação fazem professor viralizar nas redes
22/03/2023 – Folhinha – www1.folha.uol.com.br
Conjugar verbos significa resumidamente ajustar aquela ação a cada uma das pessoas que a executam: eu, tu, nós, eles etc. Parece fácil, mas a língua portuguesa é cheia de pegadinhas, e algumas vezes a conjugação vira um desafio. Por exemplo: o certo é eu “eu mido” ou “eu meço”?
Nessas horas entram em campo os professores e professoras, e um deles tem feito particular sucesso nas redes com seus vídeos tirando dúvidas como essa acima. Ele é Laércio Silva de Sousa, de 36 anos, morador de Teresina (PI), e que, junto com o amigo RisonJunior, criou a página Química 2119 há dois anos — hoje o perfil do Instagram já tem quase 500 mil seguidores.
[fotografia] Professor Laércio, que viralizou nas redes com vídeos sobre língua portuguesa – Arquivo Pessoal
Em frente a uma lousa branca, caneta tipo marcador na mão, Laércio dá dicas de língua portuguesa que vão desde diminutivos, coletivos e crase, até os populares vídeos com as tais conjugações verbais. Ele já explicou a diferença entre “em vez de” e “ao invés de”, “perca” e “perda”, “onde” e “aonde”, e muitas outras questões sensíveis a muita gente.
Laércio tem especialização em matemática e mestrado em química — daí o nome da página no Instagram. É professor em uma escola municipal e em uma estadual, e ao todo dá cerca de 15 aulas diárias das duas disciplinas. O português ele domina por conta dos estudos para passar nos concursos que prestou.
Além do conhecimento da língua, também costuma chamar atenção dos seguidores o jeito com que Laércio escreve na lousa. “Desde pequeno tenho essa letra bonita. Minha mãe me colocou para fazer caligrafia”, conta o professor.
Os vídeos rendem muita interação, com pedidos de temas dos usuários via direct, e também já engordaram a carteira de alunos particulares de Láercio, que inaugurou a Química 2119 durante a pandemia de Covid-19.“Meus alunos estavam tendo aulas online. Comecei a fazer para ajudá-los, eles começaram a gostar, e eu e Rison criamos a página para as pessoas que não têm condição de pagar escola particular, para que elas tivessem entendimento melhor da matéria”, lembra.
Entre os vídeos sobre conjugação, os mais populares são os que mostram a primeira pessoa do singular, ou seja, o “eu”. E, nos comentários perplexos diante de formas às vezes surpreendentes, costuma aparecer quem questione se aqueles verbos não seriam do tipo defectivo.
“Verbo defectivo é aquele que não apresenta a conjugação completa, que não tem todas as formas. No verbo ‘pular’, por exemplo, eu digo ‘eu pulo’, ‘tu pulas’, eu consigo conjugar todas as pessoas. No defectivo eu não consigo”, ensina Laércio.
[fotografia] Os professores RisonJunior e Laércio Sousa – Arquivo Pessoal
Existe mais de uma centena de verbos defectivos na língua portuguesa. “O verbo ‘computar’ é defectivo, não existe ‘eu computo’ nem ‘tu computas’, ele só vai existir na parte do plural, com nós, vós, eles. Outro verbo defectivo é ‘falir’. Não existe ‘eu falo’.”
Laércio diz que os verbos defectivos têm a função de equiparar o português falado no Brasil equivalesse àquele falado em outros países de língua portuguesa, como Moçambique e Angola. “Isso acontece no novo acordo ortográfico, para universalizar a língua”, comenta.
A parte complicada disso é que não há uma regra que valha sempre para ajudar a identificar qual verbo é defectivo e qual não é. “É memorização mesmo, não tem jeito”, lamenta Laércio.
[Transcrição integral de artigo publicado no jornal “Folha de S. Paulo” (Brasil)
em 22.03.23 (endereço virtual só para assinantes). Destaques e “links” meus. Sendo o autor brasileiro e escrevendo no Brasil mantém-se na transcrição a cacografia do original.]