A afirmação do Supremo Tribunal Federal brasileiro é lapidar e mais uma vez se confirma: «apenas a União pode alterar as regras da Língua Portuguesa». Referindo-se “União”, como é evidente, à designação que institucionalmente naquele país se utiliza para referir a República Federativa do Brasil. No que respeita à expressão “língua portuguesa”, na mesma frase, é igualmente evidente que se trata de apropriação abusiva da designação para fins de promoção política da língua brasileira.
Foi aliás nesse mesmo pressuposto, isto é, assumindo que a “difusão e expansão” daquela língua — com a patine de um idioma europeu de raiz greco-latina — seria impossível caso fosse utilizada a palavra “brasileira” em vez de “portuguesa”.
O texto em brasileiro que seguidamente se transcreve foi copiado da réplica publicada no “site” do hiper-acordista e ultra-brasileirista “Ciberdúvidas“. Daí não ser estranho o interesse dos serventuários do dito “sáitchi pôrrtugueiss” em propagandear o mais possível a situação que julgam estar já consumada e para a qual continuam a contribuir com denodo: tornar mais célere e expedito o processo de linguicídio[nota] em curso tendo por “objetivo” a “adoção” da “língua universau” brasileira em Portugal e nos PALOP.
Ao que parece — e trata-se de uma matéria que bem poderia merecer algum tratamento jornalístico, se porventura a imprensa portuguesa não estivesse quase na íntegra ao serviço dos negociantes do Centrão –, este órgão de propaganda brasileirista “especializado” já passou por dificuldades económicas, mas agora vive uma situação de desafogo, ao que não será certamente estranho o facto de «a partir de Maio de 2019, o sítio electrónico Ciberdúvidas da Língua Portuguesa passou a ser propriedade do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa.» Daí, provavelmente, terem cessado os “ajustes directos” (ver imagem em baixo) entre o “sáitchi” e o ISCTE, os quais não chegaram, pelos vistos, para acabar com as dificuldades económicas daquele serviço “gratuito”.
Mas enfim, adiante, passemos a coisas sérias. O tal texto escrito na tal língua do tal brasileiro e etc. e tal.
O assunto é o que está na moda, a “linguagem neutra” (sem “gênero”, ou lá o que é). Convém, como de resto sucede em geral com os textos em brasileiro, que para ler semelhante estucha tenhamos sempre à mão o Dicionário de Brasileiro-Português; realmente, sem tão útil ferramenta, o número de equívocos (a multiplicar pelo grau de hermetismo deste tema em concreto) aumentaria exponencialmente.
Até porque não apenas o léxico, a semântica e a construção frásica diferem drasticamente, como também a terminologia específica da mais recente invenção politicamente correcta — castrar e esterilizar as palavras, apesar de género gramatical não ter nada a ver com sexo — presta-se a inúmeras confusões. Aliás, a ideia deve ser essa.
O que importa, no caso, é que já não basta aos acordistas e neo-imperialistas tugas substituir a Língua Portuguesa pelo “fálá” brasileiro (a língua brasileira procura ser uma transcrição fonética “simplificada”); já não basta que o #AO90 tenha sido imposto manu militari a Portugal e, como segundo objectivo, aos PALOP, com 100% de imposições brasileiras e 100% de subjugação dos tugas que negociaram a venda da nossa Língua. Não, todo esse imenso cortejo de horrores já não satisfaz os vendilhões, os novos donos disto tudo. Querem ainda mais.
Querem que Portugal continue a obedecer caninamente a todos e quaisquer ditames e ainda que os actos legais das instâncias governamentais e as determinações académicas do Brasil passem automaticamente a valer em Portugal.
Assim, no texto que o “Cibercertezas” divulgou entusiasticamente, o que eles querem mesmo é que onde se lê “escolas brasileiras” leia-se “escolas portuguesas”, que os “Projetos de Lei” da “Câmara dos Deputados” brasileira tornem obsoletos quaisquer Projectos de Lei da Assembleia da República portuguesa, que as “Diretrizes” anulem todos os programas e orientações do ex-Ministério da Educação do ex-Governo da ex-República Portuguesa.
A linguagem neutra nas escolas brasileiras – Controvérsias
‘Sobre a proibição do género neutro no ensino‘
David Nogueira Lopes
«(…) É impossível à democracia discutir os temas relevantes para os grupos sociais se as pessoas não têm sequer conhecimento deles. (…)»
«É vedado o uso, em qualquer contexto ou disciplina, de linguagem que empregue o gênero neutro.» Esse é o teor do Projeto de Lei 198/2023, que tramita na Câmara dos Deputados, e pretende a alteração da Lei de Diretrizes e Bases na Educação para proibir a linguagem neutra nas escolas.
A linguagem neutra, também chamada de «não binária» ou «não sexista», é aquela que não especifica o gênero das palavras para evitar a binariedade entre feminino e masculino. Seus defensores utilizam no lugar dos pronomes masculino e feminino a vogal e, como em “todes” no lugar de todos ou todas, ou a consoante x, como em “amigx” no lugar de amigo ou amiga.
É uma proposta defendida como meio de não excluir as pessoas que não se sentem enquadradas nos gêneros masculino e feminino, tendo, no Brasil, como maior expoente “iativisti” PriBertucci, “autorie” do Dossiê de Linguagem Neutra e Inclusiva, um livro que propõe a transformação da língua portuguesa para adoção da linguagem não binária. “Criadorie” da linguagem neutra no Brasil, “eli” acredita que é preciso modernizar nossa língua para refletir os comportamentos do mundo atual.
Embora pareça um tanto estranho, no tema não comporta ridicularizações. Ao contrário, exige uma reflexão profunda sobre até que ponto nossos comportamentos refletem uma postura respeitosa para quem pensa ou age diferente. Lembremos que a exclusão do diferente está na base das grandes atrocidades praticadas pela raça humana, como a Inquisição, a Escravidão e o Holocausto.
Por isso, é preciso ter muita calma na hora de tratar de temas tão sensíveis como este, da linguagem neutra. Não podemos simplesmente ignorar que há pessoas que não se sentem representadas pelos gêneros masculino e feminino e, por isso, pedem que as tratemos por um outro tipo de pronome, um que seja neutro. O fato de representarem uma parcela menor da sociedade não justifica o desprezo da maioria, porque tal argumento autorizaria também desprezar, por exemplo, a cultura dos povos originários, o que soa impensável.
A língua é sem dúvida a principal ferramenta da comunicação humana, e ninguém contesta que ela está em constante mutação. Por exemplo, o gênero neutro era adotado no Latim, a língua que deu origem ao idioma português. É bem verdade que ele era utilizado para designar objetos inanimados, como um castelo (castrum) ou o mar (pelagus). Ainda hoje o português carrega palavras que provêm do gênero neutro em Latim, como corpus e curriculum.
Com o tempo, a Língua Portuguesa passou a utilizar o gênero masculino para designar também o gênero neutro, como acontece com a palavra todos. Mas essa generalização pela utilização do masculino incomodava o movimento feminista, que não se via representado, obviamente, pelo pronome masculino, de maneira que se passou a defender uma linguagem que incluísse o gênero feminino. Por isso começamos a ver empregados nos discursos as palavras «todos e todas», ou «todas e todos». Seguiu-se, então, ao lado da chamada linguagem inclusiva, a demanda pela linguagem neutra, de onde veio o «todos, todas e todes».
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