O elefante e a formiga brincam às reciprocidades

Artigo 11. º

Em regime de reciprocidade, são isentos de toda e qualquer taxa de residência os nacionais de uma das Partes Contratantes residentes no território da outra Parte Contratante.

Estatuto de igualdade entre portugueses e brasileiros
Artigo 12.º

Os portugueses no Brasil e os brasileiros em Portugal, beneficiários do estatuto de igualdade, gozarão dos mesmos direitos e estarão sujeitos aos mesmos deveres dos nacionais desses Estados, nos termos e condições dos artigos seguintes.



Já não bastava a instalação em massa de “advogados” brasileiros em Portugal, agora “temos de” levar também com as disputas entre eles, os problemas que afectam os causídicos lá pelo sertão e arredores.

Estão contabilizados 10%: um em cada dez dos “defensores” inscritos na Ordem portuguesa são brasileiros; isto segundo as estatísticas oficiais, é claro, às quais devemos sempre conceder a “elasticidade” inerente às conveniências políticas da situação vigente, ou seja, é tudo “calculado” com imenso atraso e sempre a “olhómetro” (ou a “olho por cento”); passa-se quanto aos causídicos o que de igual modo sucederá decerto, até por maioria de razões, com o contingente geral.

Permanece o mistério que, afinal, de misterioso tem coisa nenhuma: ninguém se apercebe, ou sequer se inquieta, ao menos se interroga? Nada de nada? Isto é mesmo tudo ou à vontade ou à vontadinha? E nem um pio?

Não será suficientemente claro o título da notícia «Ordem dos Advogados portuguesa quer restringir acesso directo a advogados brasileiros», em grandes parangonas?

E sobre a treta da “reciprocidade”, também ninguém tem nada a dizer? Com que autoridade, em nome ou por alminha de quem assinou a OA portuguesa um “acordo” de “reciprocidade” com os congéneres brasileiros? Porquê só com os brasileiros? Ou, de novo substituindo-se ao Estado, assinaram convénios semelhantes com algum dos PALOP? Pergunta meramente retórica e decorativa, bem entendido.

Mesmo usando os números das “fontes” oficiais:

2000 advogados portugueses para 214,3 milhões de brasileiros = 0,0009333% ≅ 0,0009%

3170 advogados brasileiros para 10,3 milhões de portugueses = 0,030777% ≅ 0,031%

Mas que linda “reciprocidade”, está visto.

E o que diabo temos nós a ver com as tricas lá da fábrica de advogados brasileiros?

Que aqueles ilustres patrões, digo, patronos aprovados nos exames do Secundário chegam aqui e pronto, é só tomar posse e começar a “faturar”, já se sabia, Que os estagiários portugueses nem tugem nem mugem, porque pelos vistos até nem querem ser advogados nem nada, andaram a estudar Direito porque não tinham vaga em Belas Artes, ou assim, ah, pois, dessa também estamos fartos de saber.

Mas esta rapsódia, senhores, o que é, ao que vem isto agora?

A bandeira nacional invertida no Brasil não é crime? Ah, claro, é só mais uma tradução literal do Inglês americano para o brasileiro: isstréssi.

Tem até um desembargador que vive em Portugal e só se comunica pela Internet

Os advogados brasileiros sofrem o castigo de não serem recebidos pelos magistrados de todos os graus. Tem até um que requer uma viagem transatlântica.

Técio Lins e Silva
“Público”, 5 de Abril de 2023

Pensei que depois de 60 anos de militância na advocacia saberia dizer para quê servem os advogados.

Dizem que foi a pandemia! Dizem.

Mas esse pretexto continua vigendo em todos os quadrantes da Justiça brasileira.

Dizem também que os advogados incomodam, atrapalham, perturbam a calma do judiciário, pois estão sempre a reivindicar que os poderes da Justiça funcionem.

É verdade que há profissionais que não honram a profissão. Também pudera, há mais faculdades de Direito no Brasil do que todas somadas no mundo. Antigamente tinha até “faculdade de fim de semana”. Verdade (acho que isso acabou…).

Durante a ditadura militar, de 1964 a 1985, o Brasil licenciou centenas de faculdades de Direito sem nenhuma condição pedagógica, sem biblioteca e sem professores capacitados para o ofício. Somos o produto dessa realidade. Infelizmente.

Também é verdade que há profissionais diplomados e inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) sem a menor formação para exercer o ofício. E sem noção do papel que representam na sociedade. Somamos mais de um milhão de inscritos na Ordem, fora os que não passaram no exame da OAB ou que desistiram da profissão.

“Pagam os justos pelos pecadores”, como se diz da leitura equivocada da Bíblia.

O fato é que os advogados brasileiros sofrem o castigo de não serem recebidos pelos magistrados de todos os graus. Outro dia o jornal publicou que tem até um desembargador que vive em Portugal e só se comunica pela Internet. Para falar com ele tem que fazer uma viagem transatlântica.

Estamos alijados do processo, os juízes não recebem mais os advogados. No próprio Supremo Tribunal Federal (STF) teve um ministro [juiz conselheiro] que não recebia advogados, e nem memoriais, que são praxe na vida forense. Seu chefe de gabinete ia logo esclarecendo: “O ministro não recebe advogado”. No exercício da Presidência da Corte, esse ex-magistrado mandou rebaixar a tribuna dos advogados. Isso mesmo, os profissionais que desejassem fazer uso da palavra nos julgamentos não “subiam à tribuna”. Literalmente, desciam dois degraus e tinham que falar olhando para cima para ver os olhares dos julgadores. A regra da lei, que afirma não haver hierarquia entre juízes, membros do Ministério Público e advogados, ali não se respeitava. Advogado ficava abaixo desses protagonistas da Justiça.

Foi no dia da posse do ministro Ricardo Lewandowsky na Presidência da Corte que, em nome do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), requeri a correção dessa barbaridade. E a tribuna da defesa voltou ao seu original, na mesma altura da bancada dos ministros e do Ministério Público Federal.

A OAB tem responsabilidades na defesa de nossa profissão. E se ela não cumpre o dever aqui e acolá, façamos nós, em nome do direito de defesa e da honra do nosso ofício, com a autoridade de que cada um possui no exercício de uma profissão fundamental ao Estado de Direito Democrático! Não é possível que seja tão difícil falar com os juízes, servidores públicos que devem estar acessíveis aos representantes das partes. Parece que eles têm horror a advogados, mas vão ter que nos aturar, em nome da Justiça!


O autor escreve em português do Brasil

[Transcrição integral de artigo, da autoria de Técio Lins e Silva,
publicado no jornal “Público” de 5 de Abril de 2023. Sendo o autor brasileiro, foi conservada
na transcrição a língua brasileira do original (a que o jornaltuga chama “português do Brasil”.)]