Os colunistas e o novo acordo ortográfico
O jornal continuará a publicar textos de colunistas e convidados que seguem o novo acordo ortográfico.
José Manuel Barata-Feyo
17 de Setembro de 2022
«Uma das razões que levam o leitor Elysio Correia Ribeiro “a assinar e a ler diariamente o PÚBLICO é a de não ser agredido com o português (?) do ‘aborto’ ortográfico”. “Neste aspecto, o jornal é caso único – julgo – no confrangedor panorama da imprensa escrita que, sem ser a isso obrigada, correu a cumprir uma lei que, ainda por cima, foi adoptada à revelia do que ela própria afirmava (tinha de ser implementada por todos os países lusófonos) por uma classe política farisaica e ignorante, e contra a opinião de praticamente todos os que profissionalmente manejam a língua.”»
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É um caso sui generis no panorama da imprensa portuguesa generalista de implantação nacional. Existem outros jornais que igualmente recusam a cacografia brasileira — como o “Novo” ou “O Diabo” ou o “Página Um” –, mas foi o “Público” aquele que há mais tempo declarou expressamente a sua determinação em continuar a ir para as bancas (e para a Internet) sempre redigido em Português; inclusivamente, e isto não é coisa pouca, dadas as óbvias implicações políticas da decisão, a Direcção lançou em 2015 a edição “Público – Brasil”, igualmente no «português escrito em Portugal».
Desde pelo menos 2011, sucederam-se naquele jornal os artigos denunciando o estropício, tanto de jornalistas “da casa” como de colaboradores ou colunistas externos e ainda um sem número de artigos de opinião dos autores mais diversos, de “figuras públicas” — representando, no seu conjunto, todo o espectro partidário — ao mais comum dos leitores — também transversalmente, de diversas origens, estatutos sociais e grau de escolaridade ou académico.
De entre todos os artigos ali publicados sobre o #AO90, a maioria dos quais foram aqui reproduzidos, merece especial destaque Nuno Pacheco, director adjunto e (evidentemente) membro do Conselho de Redacção do jornal; apenas deste autor, é possível contar 51 “posts” no site da ILCAO (12.09.2008 – 17.06.2015) e outros 82 aqui mesmo, no Apartado. Nota de relevo ainda para o comentador político Pacheco Pereira que, além de diversos textos sobre o assunto, cunhou a expressão porventura mais certeira e exacta para descrever a língua univérrssáu e suas consequências: «um Acordo Ortográfico que se pretende impor manu militari».
Pois agora o que se prefigura na Redacção do “Público”, num futuro bem mais imediato do que seria previsível há apenas alguns meses, é a mudança do Director. Com tudo aquilo que essa mudança poderá implicar, evidentemente. Para já, o que sabemos sobre as orientações redactoriais e, por consequência, a respeito do que poderá (ou não) vir a suceder quanto ao AO90, é que… não sabemos coisa nenhuma; sobre isso, pelo menos até ao momento, nem uma palavra. O que não costuma ser bom prenúncio; por definição, o silêncio precede algo de muito “barulhento”…
Bom, sejamos optimistas. Como se diz em brasileiro, pensámentu pôzitchivu…
(Qui orrô, mi adisculpi, viu?)
Conviria, porém, mesmo tentando ver a coisa pelo lado bom, não dar uma de anjinhos. “Conteúdos editoriais” e “conteúdos comerciais”, especialmente quando concatenados ambos os termos na mesma frase, não aparenta de facto — nada, nada, nadinha — ser bom prenúncio. Em 2020, que se saiba — e pouco ou nada mais se soube sobre o assunto daí em diante –, o Governo, com um gesto magnânimo e extremamente generoso, espalhou 15 milhões pelas redacções e, principalmente, pelas “redações” de jornais, rádios e canais de TV; para pagar “publicidade institucional”, dizem.
Tais “ajudas”, depreende-se, irão somar-se à mesmíssima publicidade institucional que toca aos OCS de forma regular: éditos, avisos, alertas, concursos etc. Aliás, essa regularidade é uma das mais importantes fontes de financiamento no ramo, chegando em alguns casos a ser a única receita para além das vendas do produto jornalístico em si, em papel ou por meios digitais, neste caso com publicidade paga também pelo sector empresarial privado.
Bem vistas as coisas, assim como sucede quanto ao próprio acordo da língua brasileira, isto é tudo uma questão de dinheiro. O qual, como sabemos, não tem nem cor (bem, as notas de dólar, se calhar por serem verdes, gozam das preferências gerais) nem opinião nem credo e nem mesmo nacionalidade. Como dizia já não sei quem, “um escudo é um escudo”. Agora, o escudo até já nem tem cotação cambial, mas não faz mal, se não houver dólares pode ser em euros, ou em francos suíços, vá, no problem, isso troca-se numa data de offshores.
Não há-de ser nada. Fiemo-nos noutra coisa sem ser na virgem. Decerto o “Público”, onde é tudo boa rapaziada, estará, ao invés do que sucede com a maioria dos media tugas, imune a qualquer OPA governamental. O que significará, por conseguinte, que poderemos continuar a ler aquilo em paz e sossego, sem conspurcações brasileirófonas.
Esperemos que ao menos desta vez haja um escrutínio realmente democrático e que naquela Redacção ninguém acabe a votar sozinho.
Casamento de novo director do Público com deputada do PS levanta reservas
Conselho de Redacção do Público deu parecer positivo ao nome de David Pontes para substituir Manuel Carvalho. Mas, em declaração de voto, duas jornalistas defendem que preocupação quanto às fronteiras entre conteúdos editoriais e comerciais e casamento com socialista deviam ser “motivo para dar um parecer negativo à indicação” do novo director.
O jornal Público já tem novo director indigitado. David Pontes sucederá a Manuel Carvalho quando, a 1 de Junho, este sair da direcção do diário da Sonae. O nome escolhido pela administração teve o parecer positivo do Conselho de Redacção. Mas os jornalistas que compõem este órgão deixaram, nesse texto, claras as reservas que Pontes lhes suscita.
Uma das preocupações dos jornalistas do Público é a de que esta nomeação não dê garantias de uma separação entre os conteúdos editoriais e os comerciais.
“Atendendo à natureza das funções recentemente desempenhadas por David Pontes nesta e noutras empresas de comunicação social, o CR entende, porém, ser imperioso sublinhar que o novo director deve garantir e zelar por uma clara distinção entre as esferas editorial e comercial e reforçar os mecanismos de transparência do jornal quanto aos conteúdos apoiados e aos conteúdos promovidos“, lê-se no parecer a que a SÁBADO teve acesso e que foi redigido já depois de Pontes ter respondido a um pedido de esclarecimentos a este órgão.
“A independência e o rigor informativo são os principais activos desta redacção e devem constituir prioridade para a nova direcção editorial, à qual compete a missão de preservar a marca Público, salvaguardando-a da dispersão e da descaracterização que podem advir da multiplicação de chancelas e projectos”, frisam o Conselho de Redacção.
Director deve abster-se de escrever sobre temas em que é “parte interessada”
Os membros do Conselho de Redacção alertam ainda para a necessidade de o novo director evitar conflitos de interesse nas matérias sobre as quais escreve, defendendo que “os jornalistas do Público, e por maioria de razão o seu director, devem inibir-se de escrever sobre questões em que possam ser considerados parte interessada e recomendam a esse respeito uma política de transparência perante os leitores”.Em causa está o casamento de David Pontes com a deputada do PS Carla Sousa. De resto, este parecer tem uma declaração de voto assinada por duas jornalistas que entendem que esta circunstância e as dúvidas sobre a separação entre o que são conteúdos jornalísticos e conteúdos comerciais seriam por si só suficientes para o Conselho de Redacção chumbar o nome de Pontes.
“Subscrevemos as reservas apontadas pelos nossos colegas do CR, que partilhamos, mas, no nosso entender, estas são motivo para dar um parecer negativo à indicação de David Pontes para novo director do Público”, escrevem numa declaração de voto, na qual expressam preocupação pela “frágil delimitação das fronteiras entre os conteúdos editoriais e os conteúdos apoiados, a qual ameaça os princípios fundadores do Público e retira o foco do jornalismo a que nos devemos dedicar”.
A declaração de voto defende ainda que, sendo David Pontes casado com uma deputada do PS, é “inadequado que não considere que se deva abster de fazer comentário político, evitando assim a suspeição sobre óbvios conflitos de interesses”.
Recorde-se que David Pontes já faz habitualmente comentário político, nomeadamente em podcasts do jornal.Os membros do Conselho de Redacção consideram ainda, no parecer emitido, que a forma como a administração agiu na designação de uma nova direcção atropelou os preceitos legais.
No texto, a que a SÁBADO teve acesso, diz-se que “a cronologia desta designação não respeitou o espírito da Lei de Imprensa, constituindo um flagrante desrespeito pela redacção e uma menorização do colectivo que é este jornal”.
David Pontes já fazia parte da direcção liderada por Manuel Carvalho, na qualidade de director adjunto do jornal. Foi director adjunto da agência Lusa, cargo que também desempenhou no Jornal de Notícias e, em 2001, já tinha sido sub-director do Público, jornal que ajudou a fundar.
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Manuel Carvalho deixa a direcção do Público
[Transcrição integral. Cacografia brasileira corrigida automaticamente. Destaques e “links” meus.]
Direcção do PÚBLICO muda a 1 de Junho
Manuel Carvalho cessa funções e David Pontes é o nome indicado para o substituir no cargo. Mandato da actual direcção marcado pela afirmação do jornal como líder na frente digital.
Direcção Editorial
4 de Abril de 2023O director do PÚBLICO, Manuel Carvalho, vai cessar funções no próximo dia 1 de Junho. Para o substituir, a administração da empresa PÚBLICO Comunicação Social, SA indicou o jornalista e membro da actual equipa da Direcção Editorial David Pontes, tendo para o efeito solicitado já o devido parecer ao Conselho de Redacção.
Manuel Carvalho tomou posse como director do jornal em Agosto de 2018. No período em que desempenhou as suas funções, o PÚBLICO deu passos seguros no sentido da sua afirmação como jornal digital, sem deixar de se empenhar na sustentabilidade e na importância das duas edições impressas do jornal. O PÚBLICO recuperou neste período marcas essenciais para a afirmação da sua identidade, como o PÚBLICO na Escola, e passou de 12 mil para mais de 48 mil assinantes digitais.
Ao mesmo tempo, lançou projectos inovadores, como o Azul ou o PSuperior, que envolvem a responsabilidade social de empresas e instituições no desenvolvimento do jornalismo associado à sustentabilidade ou à literacia mediática. Nos últimos cinco anos, instituiu-se uma cultura digital dinâmica e participada, com apostas em áreas como o multimédia, o jornalismo de dados ou a infografia. O resultado dessa transformação mede-se pela liderança do PÚBLICO na circulação total paga entre os diários nacionais, posição que foi conseguida pela primeira vez no final de 2022.
“Os resultados que a equipa do PÚBLICO conseguiu nestes anos foram positivos”, diz Manuel Carvalho. “Mas exigem um novo recomeço, com novas visões e novas energias para consolidar a posição do jornal”, acrescenta o director. “Foi com esse propósito que comuniquei à administração e ao accionista a minha vontade de abdicar das funções de director”, explica Manuel Carvalho. “Fechou-se um capítulo, cujos resultados exprimem um compromisso e a determinação de toda a redacção e um envolvimento extraordinário dos editores e da equipa de direcção. A mudança vai conservar a relevância e a imagem de credibilidade e responsabilidade do PÚBLICO perante a sociedade portuguesa e, ao mesmo tempo, abrir novas portas às exigências e potencialidades do jornalismo na era digital”, acrescenta o director.
David Pontes é membro da actual equipa directiva. Tem uma longa carreira enquanto jornalista, iniciada precisamente nos dias da fundação do PÚBLICO, em 1990. Passou pela Lusa, pelo Comércio do Porto e pelo Jornal de Notícias. Pelo meio, foi director adjunto do PÚBLICO em 2000/2002 e regressou em 2018. Nos últimos cinco anos, foi o responsável pela redacção do Porto do jornal, pela área dos podcasts e pelo desenvolvimento de projectos editoriais.
Para o futuro director, “este é o momento de alargar o caminho feito, levando o nosso jornalismo sólido e, simultaneamente, disruptivo a cada vez mais leitores”. O jornal tem de “estar cada vez mais embebido na vida das pessoas, dialogando com elas, reflectindo os seus múltiplos interesses”, afirma David Pontes. “O momento é de abraçar as mudanças, num sector que não pára, que exige rapidez e um olhar muito especial para as novas gerações de leitores.” “[A nova direcção, a apresentar em breve, representará] um reforço da nossa capacidade de inovação, mantendo aquilo que é a matriz do PÚBLICO desde a sua nascença, o jornalismo independente de qualidade.”
“David Pontes é um profissional da casa amplamente reconhecido pelos seus pares e colegas”, faz notar, por sua vez, Cristina Soares, administradora executiva da PÚBLICO Comunicação Social, SA. “Com a colaboração de todos e um renovado ânimo da Direcção, estamos convictos de que o PÚBLICO reforçará a sua condição de jornal digital de referência, assumindo ao mesmo tempo novos e indispensáveis desafios para reforçar o seu jornalismo, os desejos e ambições da equipa e lançando um plano de rejuvenescimento que garanta a solidez do jornal no futuro próximo”, acrescenta.
Cristina Soares sublinha ainda “os resultados obtidos pela equipa do PÚBLICO sob a liderança do Manuel Carvalho, cujo empenho, dedicação e amor ao jornal foram decisivos para alcançar a liderança nacional dos jornais diários em circulação total paga”.
[Transcrição integral.]