«De qualquer modo, mesmo em relação ao Brasil, não se trata de uma simples questão de ortografia, é o léxico e a sintaxe, que são muito diferentes. Um livro de Portugal, para os brasileiros, que inovam muito em termos linguísticos, soa sempre a arcaico. É muito difícil exportar para lá. E quando um livro em português do Brasil aparece em Portugal, escrito por um autor mais idiossincrático, parece mais estranho do que ler em francês ou inglês. Arranha-nos a mente. O Acordo Ortográfico não facilitou o intercâmbio cultural e não teve qualquer papel positivo nas exportações.» [Francisco Vale, director da editora Relógio d’Água, 8 de Fevereiro de 2018]
A expressão “português do Brasil”, infinitamente repetida, martelada, a ver se cola.
- «o português do Brasil é diferente do que se fala e escreve em Portugal» [Nuno Pacheco, “Público”, 14.06.23]
A língua brasileira não é nem tem nada a ver com “português do Brasil”. Esta é uma expressão obsoleta em que apenas alguns persistem, provavelmente à falta de melhor “argumento” para continuarem a fingir que as duas línguas são uma só — a língua univérsáu brasileira. [post “Uirapuru, saci, cocada”]
Não existe “português do Brasil”. Existe a Língua Portuguesa e existe a língua brasileira. Por mais patacoadas que alguns tugas vendidos aos interesses geopolíticos e económicos brasileiros tentem impingir às pessoas normais, o Português é a língua nacional de Portugal e a oficial dos PALOP, enquanto que o brasileiro é a língua nacional da República Federativa do Brasil.
À boleia do inexistente “português do Brasil”, este artigo da CNN-Portugau incide sobre uma nova rapsódia, a turbo-tradução (ou tradução a granel) via estupidez artificial, retomando as já velhas historinhas sobre o “mercado editorial brasileiro” — outra inexistência –, a admiração bacoca pelo “gigante” brasileiro (“ah, e tal, eles são 230 milhões e nós somos só 10 milhões“) e a habitual, geral, nacional tergiversação: nunca, ou muito, muito, muito raramente alguém se atreve a ligar os pontos ou a, ainda que apenas pela rama, relacionar causas e efeitos — nomeadamente entre o #AO90 e as suas desastrosas consequências nos planos educacional, editorial, patrimonial, identitário, histórico e cultural.
Tarefa essa que fica a cargo daquilo que jamais poderá ser substituído: a inteligência natural (passe a redundância).
Fundador da Relógio d’Água acusa BookCover de fazer traduções com Google Translate e ChatGPT. Editora diz que “é mentira”
Francisco Vale diz que esmagadora maioria das traduções da BookCover Editora são assinadas por Lúcia Nogueira, “a tradutora mais eficiente do planeta”, sugerindo que há recurso a ferramentas de tradução automática ou a uma equipa de tradutores que não são identificados. Responsável da BookCover garante que acusações são infundadas, tradutora também
A polémica começa com uma longa publicação no Facebook, assinada por Francisco Vale, editor e fundador da editora Relógio d’Água. O título é auto-explicativo e não deixa dúvidas sobre o tema e as acusações que se seguem: “Traduções por Inteligência Artificial (IA) Chegam a Portugal sem Se Fazer Anunciar”.
Francisco Vale alega que circulam em Portugal “nas livrarias, em feiras do livro ou na companhia de alguns jornais, centenas de milhares de exemplares de clássicos ingleses, franceses, alemães, italianos ou russos traduzidos com recurso a programas de inteligência artificial (IA), do Google Translate ao ChatGPT, passando pelo DeepL”. Mas vai mais longe e identifica mesmo a editora que é a visada nas suas críticas: “Tudo indica que um dos principais agentes desta situação seja a BookCover Editora, que tem publicadas centenas de clássicos de diversas línguas, o mais das vezes com preços de cerca de 5 euros. À primeira vista trata-se de uma oferenda aos leitores — clássicos a preços acessíveis. Mas na verdade a BookCover é uma esfinge com alguns mistérios”.
Segundo Francisco Vale, todos os livros da BookCover, excepto a série ConanDoyle, são traduzidos por Lúcia Nogueira, “a tradutora mais eficiente do planeta” porque, só em 2023, “aparece na ficha técnica como tradutora de dezenas de obras, entre elas ‘Guerra e Paz’, com as suas mais de mil páginas, e outros romances volumosos. Nos últimos dois anos e meio terá traduzido cerca de 80 clássicos, muitos deles extensos, como ‘Os Miseráveis’, ‘E Tudo o Vento Levou’ ou ‘Vinte Mil Léguas Submarinas'”. O fundador da Relógio d’Água aponta: “Qualquer editor sabe que mesmo tradutores a tempo inteiro e com larga experiência são incapazes de traduzir mais de 10 a 15 páginas por dia, o que a incansável Lúcia Nogueira parece fazer antes do pequeno-almoço, seja a partir do inglês, do alemão, do italiano, do cirílico russo e em breve talvez do mandarim ou grego antigo. As fichas técnicas da BookCover não indicam o título original nem a língua de que se traduz, nem o nome de revisores”.
O editor assinala ainda outro problema: Francisco Vale diz que existem nos textos traduzidos “numerosas gralhas, erros ortográficos e gramaticais, confusão de Acordos, termos brasileiros e outras incongruências”, pelo que defende que Lúcia Nogueira fará apenas uma correcção dos erros mais graves de uma tradução automática. “É muitíssimo mais provável que se trate de uma tradutora experimentada em tecnologias de tradução automática, que começaram no Google Translate, evoluindo para a tradução neuronal do DeepL e, mais recentemente, o ChatGPT“, aponta.
“Outra hipótese, menos provável por exigir que se escrevam os textos ao computador, é a de que dirija uma equipa de tradutores/revisores que usam o inglês, o que deveria ser referido e individualizado”, lamenta ainda o fundador da Relógio d’Água, no texto partilhado nas redes sociais.
A resposta da BookCover
A CNN Portugal contactou a BookCover Editora e chegou à fala com Francisco Melo, proprietário e editor, que quis fazer um único comentário breve ao texto de Francisco Vale sobre recurso a Inteligência Artificial: “É mentira”, respondeu ao telefone, sem querer alongar-se no tema ou detalhar processos de tradução, revisão e edição da editora que fundou no Porto.
Segundo um texto publicado no site, a BookCover Editora nasceu em 2017 e iniciou actividade com a publicação da obra “… da Descolonização” do general Pedro de Pezarat Correia. “Este livro, entretanto faz parte do Plano Nacional de Leitura, anunciava o programa editorial que se tem vindo a concretizar”, lê-se ainda. “Editora fundada no Porto, com distribuição própria, tem como objectivo principal a divulgação de autores portugueses, essencialmente investigadores de história de Portugal, património material e imaterial. Tem também nas suas edições duas colecções de grande fôlego, os Essenciais da Literatura Portuguesa e Estrangeira. Hoje, com mais de 150 títulos publicados, a BookCover Editora mantém o seu objectivo de editar obras de referência e apostar em novos autores portugueses e estrangeiros”, resume o texto que apresenta a editora portuense.
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