[Inês] «Marido cuco me levades
E mais duas lousas.»
[Pêro Marques] «Pois assi se fazem as cousas.»
A ideia era compilar de forma minimamente manuseável todos os pareceres sobre o #AO90, tarefa previsivelmente hercúlea que acabou afinal por revelar-se como sendo “um pouco” idiota e outro tanto redundante… ou até sumariamente inútil.
É de facto impossível, na prática, pelo menos segundo alguns critérios minimamente coerentes, coligir pareceres formais — por definição, institucionais e, portanto, com alguns requisitos mínimos — misturados com “pareceres” individuais, que manifestam meras opiniões e que exclusivamente vinculam os respectivos autores. Acrescem ainda os “pareceres” de carácter expositivo e/ou parcelar como, por exemplo, os apresentados em sede de audiência em Comissão parlamentar, como documentos de trabalho (discursos, intervenções) em Plenário ou até os materiais de suporte em qualquer debate público, presencial, radiofónico ou televisionado.
Mesmo os pareceres institucionais dependem e variam, em termos formais, consoante a origem, o destino e a finalidade específica. Uma coisa é o que têm a dizer as mais diversas entidades (FLUL, CNALP, DGEBS etc.), em verdadeiros pareceres, outra coisa bem diferente é o significado político de pareceres contidos em despachos de Comissões parlamentares (CESC e CNECP).
No caso concreto do “acordo ortográfico” que determinou a “adoção” da língua brasileira por parte do Governo português, dado o hermetismo — ou secretismo, vulgo, jogadas de bastidores — a que os dois gémeos partidários sempre sujeitaram o assunto, ainda mais difícil se torna apurar resultados: mesmo com recurso a ferramentas electrónicas topo-de-gama, encontrar um parecer específico num “site” como o do Parlamento é mais uma questão de sorte do que de destreza técnica.
Com duas excepções — os pareceres de Ivo Castro (contra) e de João Andrade Peres (a favor) — a lista cronológica seguinte sequencia os pareceres institucionais sobre o AO90 que foi (e que é) possível encontrar.
Outras “fontes” possíveis — mas sempre remetendo ou para becos sem saída (“error 404 — page not found“) ou para ficheiros em formato PDF, portanto geralmente não editáveis/copiáveis/utilizáveis — são a “wikipédjia lusôfuná” (neste endereço) e uma página da UNL.
Nem tudo foi trabalho perdido, porém. Esta sequenciação permite ao menos detectar de imediato algumas relações de causa e efeito.
E, se calhar, sem sequer ir longe demais, poderá mesmo lançar alguma luz por sobre as radicais diferenças entre alguém armar aos cucos e os cucos propriamente ditos, as causas das coisas e as coisas das causas. Ou, nas imortais palavras de Gil Vicente, assim se fazem...
- 23 Junho 1986 — Departamento Linguística — Faculdade Letras Universidade de Lisboa
título: «Posição sobre o Acordo Ortográfico»
«Estes são alguns dos aspectos que merecem a nossa crítica e que, pela sua gravidade e extensão, nos levam a considerar que este acordo de unificação deverá ser renegociado.» - 30 Junho 1989 — CNALP – Comissão Nacional da Língua Portuguesa
título: «Parecer sobre o Anteprojecto de Bases da Ortografia Unificada da Língua Portuguesa (1988) elaborado pela Academia das Ciências de Lisboa»
«Assim, considerando todas as’ ordens de razoes mencionadas — atinentes a uma política da língua e razões de natureza científica —, a Comissão Nacional da Língua Portuguesa decidiu, por doze votos a favor e dois votos de abstenção, emitir parecer desfavorável sobre o Anteprojecto de Bases da Ortografia Unificada da Portuguesa (1988).» - 01 Junho 1991 — DGEBS – Direcção Geral do Ensino Básico e Secundário
título: «Acordo ortográfico de Língua Portuguesa»
«E por isso – com a mesma naturalidade – aqui se lembra o receio, formulado já no parecer das instâncias do ME, em 29 de Maio de 1989, de que “em Portugal as medidas pela defesa da Língua se confinam à assinatura do protocolo do referido acordo, o que, sem mais nada, significaria na prática, a consolidação da vertente brasileira em detrimento da vertente lusitana, pelo que o acto de defesa de um acordo supranacional acabaria por se transformar numa prática antinacional”(p. 4).» - 1 Novembro 2005 — Ivo Castro — Departamento Linguística Geral e Românica (FLUL)
(sem título/assunto)
«Em conclusão, recomendaria:
— no imediato, a suspensão do processo em curso;
— em seguida, a não ratificação por Portugal do Segundo Protocolo Modificativo, salvaguardando de outra forma a adesão de Timor-Leste à CPLP.» - Dezembro 2005 — APL – Associação Portuguesa de Linguística
(sem título/assunto)
«Às razões acima aduzidas para aconselharem a suspensão do processo visando a entrada em vigor deste Acordo, acrescem razões não menos importantes de natureza científica.» - 07 Abril 2008 — APEL – Associação Portuguesa de Editores e Livreiros
(sem título/assunto)
«É por todo este conjunto de razões, que a APEL entende que este Acordo Ortográfico é contrário aos interesses de Portugal e dos portugueses.» - 06 Maio 2008 — CESC – Comissão de Ética, Sociedade e Cultura
título: «Parecer da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura»
«Face ao exposto, e nada mais havendo a acrescentar, a Comissão de Ética, Sociedade e Cultura propõe que o presente relatório seja remetido à Comissão de Negócios Estrangeiros, para apreciação em sede de relatório final.» - 12 Maio 2008 — João Andrade Peres
título: «Breve parecer sobre a entrada em vigor do Acordo Ortográfico de 1990»
«A margem de manobra que o Acordo permite é muito grande e, se for seguida esta via, pouco estará já pré-determinado. Esse pouco é o que, por força da alínea b) da Base IV, nos obrigará, com algum risco de alterações lamentáveis na pronúncia, a passar a escrever ação, diretor ou adotar. Estou, todavia, em crer que, se os custos do Acordo não forem além de umas quantas consoantes que já nenhum falante de português pronuncia, não estaremos a pagar um preço demasiado elevado.»