“350 anos de escravidão”, viu?

Esperemos que não seja muito maçador repetir a cronologia, esse pouco ou nada célebre mas imensamente triste plano de colonização inversa e as alíneas em que se baseia actualmente a estratégia de actuação política dos envolvidos na tramóia.

cronologia
  1. «500 a 700 mil brasileiros em Portugal.» (JMD)
  2. «Estado brasileiro na Europa.» (JMD)
  3. «Portugal será uma espécie de posto avançado do Brasil no mundo.» (JMD)
  4. «Como Portugal é membro da Comunidade Europeia, (…), essa relação Brasil-Portugal e essa relação Brasil-Europa e a vontade que ele [Lula] expressou repetidamente de que o Brasil tem de se aproximar da Europa muito mais do que ‘tava, que a Europa é um parceiro estratégico p’ro Brasil, não só comercial (…), Portugal vai ser aí contemplado com nomes interessantes p’ra representação do Brasil em Portugal. (…) Uma atenção muito grande do Itamaraty nessa embaixada em Portugal.» (PDN)

A espécie de notícia reproduzida em baixo — aliás, propagada ipsis verbis por uma série de pasquins brasileiros — é mais uma claríssima demonstração de como o dito plano e os pressupostos referidos estão não apenas consolidados, como foram já para além daquilo que diz respeito à porta-dos-fundos para a Europa. O que, recordemos ainda, estava igualmente mais do que previsto.

«Portugal precisa de boa imigração e de investimento, do Brasil e dos países de língua portuguesa, da mesma forma que o Brasil e os outros países precisam de uma porta de entrada para um mercado europeu. O primeiro-ministro português sabe isso e vai lutar na União Europeia por um regime especial para os cidadãos dos países de língua portuguesa, tentando aprovar – ou pelo menos permitir – a criação de uma primeira “cidadania da língua” na história universal.»
[post «Portugal, um Estado brasileiro na Europa»]
Na dita “comunidade” brasileira um país serve como capacho de entrada na Europa e de trampolim para África. A dita “mobilidade” só existe num sentido. A dita “reciprocidade” vale apenas no papel. Todos os custos para um e todos os benefícios para o outro, eis aquilo em que consistem os sucessivos “acordos” entre Portugal e o Brasil.
[post “Três mil e cem por dia”]

Agora, como sinal da plena “conquista” das ex-colónias portuguesas em África (mais Macau e Timor), o presidente do “país-continente” anda a inspeccionar as “suas” diversas fazendas: depois da visita ao 28.º Estado e da reunião (de negócios, evidentemente) com a União Europeia***, deslocou-se a Cabo Verde e no próximo mês irá a Angola — o objectivo principal.

Nesta visitinha à República de Cabo Verde teve Lula mais uma oportunidade para debitar um estendal de asneiras, como aliás é seu costume, chegando ao ponto de inventar umas coisinhas que deve ter sacado lá da sua bagagem cultural, as “seleções” do Reader’s Digest, ou assim, isto se a Janja não se esqueceu de lhe meter uns exemplares na dita bagagem. Em resumo, mas que ideia tão “légau” teve ele, foi agradecer aos cabo-verdianos por “350 anos de escravidão”. Ah, que giro…

Cabo Verde adoptou o crioulo como Língua nacional. Evidentemente, Lula não iria lá agradecer esse acto de rebeldia contra a “língua universau” brasileira. Porém, deve ter-se-lhe varrido (até porque nem as “seleções” nem os almanaques do Tio Patinhas referem miudezas dessas), seria bem mais expectável que tivesse aterrado no aeroporto do Sal para agradecer o (triste) papel a que os então dirigentes da Praia se prestaram ao ratificar, conjuntamente com São Tomé e Príncipe, o acordo cacográfico brasileiro — assim implicando todos os demais PALOP e levando Portugal pela trela.

Tenhamos fé em que os actuais dirigentes da dita Praia não caiam desta vez na tentação de uns fins-de-semana com tudo pago em Búzios, ou coisa que o valha. Cabo Verde tem uma longa tradição de imunidade às compras e vendas a pataco. E além da sua própria Língua nacional tem também — por consequência — uma Cultura riquíssima.

A terra de Cesária Évora, Sara Tavares ou Mayra Andrade, por exemplo, não merece o triste destino que alguns mercenários tugas lhe traçaram no papel.

Como diz Jéssica Pina, Cabo Verde é o «Que o peso das asas surpreende/ Volto ao centro e mostro o que sai de dentro/ P’ra onde tudo vai, não sigo/ Só fico onde ensaio, o paraíso».

Que dali venha, e depressa, um Vento Novo.

Lula agradece à África ‘por tudo o que foi produzido durante 350 anos de escravidão’

Declaração foi feita em Cabo Verde, ao lado do presidente José Maria Neves; petista se comprometeu a recuperar a relação do Brasil com o continente africano

www.estadao.com.br, 19.07.23
Por Sofia Aguiar e Caio Spechoto

BRASÍLIA – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou, nesta quarta-feira, 19, ter gratidão à África “por tudo o que foi produzido pelos 350 anos de escravidão” no Brasil. Ao lado do presidente de Cabo Verde, José Maria Neves, no País africano, o petista se comprometeu a recuperar a relação com o continente.

”Quero recuperar a relação com continente africano porque nós brasileiros somos formados pelo povo africano, a nossa cultura, nossa cor, nosso tamanho é resultado da miscigenação entre índios, negros e europeus”, disse Lula, ao lado de Maria Neves em Praia, capital de Cabo Verde.

“Nós temos uma profunda gratidão ao continente africano por tudo o que foi produzido durante 350 anos de escravidão no nosso País.”

O presidente costuma dizer que o Brasil tem uma dívida histórica com países africanos por causa da escravidão. Lula disse que a “forma de pagamento” possível é investimento em tecnologia, formação e ajuda na industrialização e no setor agrícola da África.

Na fala, o brasileiro também falou sobre a pretensão de abrir embaixadas do Brasil em países africanos que ainda não têm. “O Brasil tem potencial de ajudar o continente africano em muitas atividades”, acrescentou.

Lula mencionou que o País ficou afastado do mundo nos últimos anos. De acordo com ele, a democracia no Brasil voltou e as pessoas que tentaram “dar o golpe no 8 de janeiro” serão punidas.

Ao lado do petista, Maria Neves elogiou a liderança do brasileiro. “Lula tem trazido essa grandeza ao Brasil e tem se colocado no mundo a altura dos desafios que o mundo enfrenta”, afirmou. Na avaliação dele, o mundo precisa de “lideranças visionárias, transformadoras e catalisadoras”. ”O Brasil regressa ao mundo pelas mãos de Lula e esta a trazer a grandeza do Brasil”, disse, falando sobre a expectativa de fazer uma visita ao País.

Críticas à declaração

Após a declaração de Lula, parlamentares da oposição criticaram, nas redes sociais, a fala do presidente sobre o período da escravidão. O senador Sérgio Moro (União Brasil-PR), em uma publicação em inglês, questionou: “Essa afirmação poderia ser mais infeliz?”.

O deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO) compartilhou o vídeo do discurso em Cabo Verde e questionou como seria a divulgação da frase se ela tivesse sido dita pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). “Imagina se fosse o Bolsonaro dizendo isso”, disse.

O também deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) afirmou que a esquerda estava em “silêncio” após o pronunciamento do petista e sugeriu que a repercussão seria outra se tivesse “saído da boca” do ex-presidente.

O deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) classificou a declaração como “absurda”. “Lula ‘agradece’ pela escravidão; que declaração absurda!”, disse.

O deputado Daniel Freitas (PL-SC) foi mais enfático ao criticar o presidente, a quem chamou de “sujeito abjeto” em uma publicação no Twitter. “É inacreditável pensar que este sujeito abjeto é o presidente do nosso País.”

Outro deputado do PL que criticou Lula após o pronunciamento foi Zé Trovão (PL-SC). Em um vídeo nas redes sociais, afirmou que o pronunciamento do presidente é um reflexo do plano de governo. “Ele agradece o crescimento do Brasil nas mãos dos escravos. Como se isso fosse uma dádiva, como se isso fosse um presente divino. O que eu tenho a dizer para vocês é que essa fala dele reflete bem aquilo que ele é e aquilo que ele está tentando fazer com o Brasil”, disse.

Nesta quinta-feira, 20, a equipe que elabora os discursos do presidente Lula passou a ter um reforço. Um dia depois da declaração sobre a África, a assessora de imprensa da primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja, passou a “colaborar com a preparação e redação de discursos e falas públicas” no gabinete do presidente.

[Transcrição integral, incluindo “links”. Destaques meus. Inseri “links” a verde.
Conteúdo apontado por Olga Rodrigues.]

*** Este assunto ficará devidamente documentado num dos próximos “posts”.

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