Mês: Julho 2023

A dita desdita

«Portugal precisa de boa imigração e de investimento, do Brasil e dos países de língua portuguesa, da mesma forma que o Brasil e os outros países precisam de uma porta de entrada para um mercado europeu.»
«O primeiro-ministro português sabe isso e vai lutar na União Europeia por um regime especial para os cidadãos dos países de língua portuguesa, tentando aprovar – ou pelo menos permitir – a criação de uma primeira “cidadania da língua” na história universal.» [José Manuel Diogo, “APBRA200”, 27.06.22] [post «Portugal, um Estado brasileiro na Europa»]

Na dita “comunidade” brasileira um país serve como capacho de entrada na Europa e de trampolim para África. A dita “mobilidade” só existe num sentido. A dita “reciprocidade” vale apenas no papel.
Todos os custos para um e todos os benefícios para o outro, eis aquilo em que consistem os sucessivos “acordos” entre Portugal e o Brasil. [post “Três mil e cem por dia”]

(…) o objectivo é promover os interesses geoestratégicos do Brasil, aproveitando as raspas dos negócios (estrangeiros), se possível, isto é, correndo atrás das migalhas que porventura possam sobejar dos milhões traficados entre o “país-continente” e, por exemplo, o petróleo venezuelano, a carne argentina, as minas chilenas e até, se calhar, nunca se sabe do que são capazes os meliantes da “língua universáu”, produtos da Colômbia. Uma versão revista e aumentada da CPLP, por conseguinte, sustentadas ambas as teatralizações pela patranha fundamental, aquilo a que chamam “difusão da língua“; da língua brasileira, bem entendido, porque, dizem os mesmos, “eles são 220 milhões e nós somos só 10 milhões“. O Estado português, que paga a CPLP e as demais despesas das negociatas, incluindo os “pacotes” de “turismo linguístico” (…) [post “Uma questão de milhões”, 12.03.21]

Esta é, como já vimos por diversas vezes, uma das vertentes “utilitárias” — todas elas beneficiando apenas o Brasil e os brasileiros, patente e evidentemente — daquilo a que alguns implicados continuam a tentar impingir a pretexto da “língua universau” brasileira, mascarando esta sob a designação de “língua portuguesa”.

De facto, além do objectivo primordial — uma espécie de neo-colonização invertida, a ex-colónia impondo à ex-potência colonial (e aos PALOP) a transcrição fonética do seu “fálá” como língua “adotada” –, e na mesma linha das ambições expansionistas do “país-continente” com vista à exploração das riquezas naturais das ex-colónias portuguesas em África e na Ásia, vamos agora assistindo à imposição da terceira vertente político-económica, ou seja, a transformação da “terrinha” em porta-dos-fundos (literalmente) para a Europa, em especial, mas também para o resto do mundo.

Golpadas acessórias, como a “facilitação” dos processos de obtenção da cidadania portuguesa, incluindo a cidadania automática e a tramitação de documentos não presencial, online ou via agências e escritórios de “advogados”, funcionando todos estes mecanismos como “aceleradores” de processos e obliteração de métodos ou critérios, contribuem decisivamente para um cada vez maior afluxo de “excedentários” que o “gigante” vai produzindo em progressão exponencial.

Concomitantemente, decorre a intensa campanha lançada pelos diversos órgãos de intoxicação social avençados, cujas técnicas de desinformação consistem basicamente em inundar os noticiários e as páginas dos jornais com os “problemas” supostamente causados por quaisquer outros dos contingentes de imigrantes, principalmente os hindustânicos mas também outros asiáticos, os naturais de países do Leste europeu e até os provenientes das ex-colónias africanas — com as quais sempre existiram acordos bilaterais e com os quais nunca anteriormente houve problemas de monta ou a assinalar. Desde que se omita por sistema quantos dos três mil e cem por dia são… enfim… aquilo que são… bom, nesse caso está tudo bem. Tudo “légau”.

Portuguese passport among Top 5 of world’s “most powerful”

By NatashaDonn
“Portugal Resident” – 20th July 2023

 

Portuguese travel document gives direct access to 187 countries

A Portuguese passport is now among the Top 5 passports considered “the most powerful in the world”.

This ranking comes from the ‘Henley Passport Index’ – a rating system measuring global travel freedom in terms of access to visa-free or visa on arrival countries, based on data from IATA (the international air transport association).

Set up 17 years ago, this passport index has seen all kinds of changes. This year, for example, Singapore’s is the passport that grants access to the most countries without prior visa, and Japan has fallen from first to third place after five years ‘leading the field’.

Second place is shared by Germany, Spain and Italy (all offering access to 190 countries); 3rd by Austria, Finland, France, Japan, Luxembourg, SouthKorea, and Sweden (access to 189 countries), 4th to Denmark, Ireland, the Netherlands, and the United Kingdom (188 countries) and finally 5th to Portugal, Belgium, Czech Republic, Malta, New Zealand, Norway and Switzerland.

According to the press release published about the ranking, the average number of destinations travellers can access without a visa has almost doubled in the last 17 years, “but the gap between the top and bottom of the table has never been wider”. Citizens of Afghanistan, Iraq and Syria can only visit 27, 29, and 30 countries respectively without a visa, while the United Arab Emirates has added 107 destinations to its list of visa-free countries since 2013.

[Transcrição integral, incluindo destaques e “link”.
Imagem de rodapé de: Dotty Jo Kruse VanPelt (publicação de “Absurd Signs” – Facebook).]

[tradução]

Documento de viagem português dá acesso directo a 187 países
O passaporte português está agora no Top 5 dos passaportes considerados “os mais poderosos do mundo”.

Esta classificação resulta do ‘‘Henley Passport Index’‘ – um sistema de classificação que mede a liberdade de viajar a nível mundial, em termos de acesso a países sem necessidade de visto ou com concessão de visto à chegada, tendo por base os dados da IATA (associação internacional de transportes aéreos).
Criado há 17 anos, este índice de passaportes tem registado diversas alterações. Este ano, por exemplo, o passaporte de Singapura é o que dá acesso ao maior número de países sem visto prévio e o Japão desceu do primeiro para o terceiro lugar, depois de cinco anos a “liderar” a tabela.
O segundo lugar é partilhado pela Alemanha, Espanha e Itália (todos oferecem acesso a 190 países); o terceiro pela Áustria, Finlândia, França, Japão, Luxemburgo, Coreia do Sul e Suécia (acesso a 189 países), o quarto pela Dinamarca, Irlanda, Países Baixos e Reino Unido (188 países) e, finalmente, o quinto lugar é ocupado por Portugal, Bélgica, República Checa, Malta, Nova Zelândia, Noruega e Suíça.
De acordo com o comunicado de imprensa publicado a propósito desta classificação, o número médio de destinos a que os viajantes podem aceder sem visto quase duplicou nos últimos 17 anos, “mas o fosso entre o topo e o fundo da tabela nunca foi tão grande”. Os cidadãos do Afeganistão, do Iraque e da Síria só podem visitar 27, 29 e 30 países, respectivamente, sem visto, enquanto os Emirados Árabes Unidos acrescentaram 107 destinos à sua lista de países isentos de visto.

[/tradução]

Populismo, PoLulismo

Lula ironiza que em breve número de brasileiros em Portugal será maior que população portuguesa

Lusa/DN
www.dn.pt, 19.07.23

O presidente brasileiro, Lula da Silva, salientou esta quarta-feira o “momento excepcional” das relações diplomáticas entre Brasil e Portugal, ironizando que, “daqui a pouco”, o número de brasileiros em Portugal “será maior do que o da população portuguesa“.

O Brasil vive um momento excepcional na sua relação com Portugal“, disse o chefe de Estado brasileiro, em entrevista à imprensa internacional em Bruxelas e respondendo a uma questão da agência Lusa, no final de ter participado numa cimeira de dois dias da União Europeia com a América Latina e Caraíbas.

Lula da Silva ironizou: “Se em 1500 Portugal descobriu o Brasil, em 2023 o Brasil descobriu Portugal, ou seja, pela quantidade de brasileiros que Portugal tem hoje, daqui a pouco será em maior número do que a população portuguesa“.

Segundo o SEF revelou em Junho, os brasileiros mantêm-se como a principal comunidade estrangeira residente no país, representando no ano passado 30,7% do total, e foi também a comunidade oriunda do Brasil a que mais cresceu em 2022 (17,1%) face a 2021, ao totalizarem 239.744.

Questionado sobre conversas tidas com o primeiro-ministro português durante a cimeira europeia, que decorreu na segunda e terça-feira em Bruxelas, o Presidente brasileiro indicou que não conversou “sobre a guerra com António Costa”.

“Aliás, eu não tive [uma reunião] bilateral com António Costa. Eu tinha tentado marcar uma conversa com António Costa para a conversarmos sobre outros assuntos e aprimorar a nossa relação, mas ele teve de sair mais cedo, então não foi possível”, adiantou.

[Transcrição integral. Cacografia brasileira corrigida automaticamente.
Destaques meus. Acrescentei “links”. Artigo apontado por Paulo Martins.]


RTP – “Jornal da Tarde” – 19.07.23

20.07.11 – Nuno Artur Silva (Secretário de Estado): “nós devíamos escrever todos brasileiro”

06.11.15 – Marcelo Rebelo de Sousa (Presidente): “Portugal tem de lutar para dar a supremacia ao Brasil”

23.04.23 – António Costa (Primeiro-Ministro): “o que temos mesmo pena é de não falar com o vosso [dos brasileiros] sotaque”

Lula da Silva foi feito “Doutor” Honoris Causa pela Universidade de Coimbra em Março 2011

Apresentação de livro assinado por Sócrates com prefácio de Lula da Silva [notícia JN]

O PR tuga serve um suminho (“suco”, em brasileiro) ao PR zuca, com o Ministro da Cultura a prestar apoio moral

O PR tuga segreda ao PR zuca a tradução para brasileiro da pergunta de uma jornalista portuguesa

Línguas e Alfabetos: 4. A árvore e a floresta

Para que se entenda, ainda que apenas no essencial, a complexidade do fenómeno linguístico — e a motivação comunicacional subjacente — haverá sempre que atender a pelo menos três formulações básicas envolvendo outros tantos conceitos: por ordem inversa de factores, variedade, evolução e necessidade.

Assim, sem quaisquer pretensões academicistas, esta pequena série de textos sobre línguas e alfabetos pretende apenas tornar inteligível para o maior número possível de pessoas a essência do dito fenómeno, ou seja, como nascem, crescem, amadurecem, envelhecem e eventualmente morrem as línguas, por um lado, e como podem as bases dos códigos que as sustentam (alfabetos ou outros) sobreviver-lhes… ou não.

A partir da exemplificação por tipos, como a língua gestual ou o Braille e a comunicação à distância — rádio/telefone ou outros meios –, poderemos talvez passar à etapa seguinte: a estruturação das diversas línguas, ou seja, como se articulam e relacionam (ou não) entre si. O método mais comummente utilizado para este fim é através de uma analogia tão universal como fácil de entender: a árvore.

Como se vê na (espantosa) imagem no topo deste “post”, o Português nasce de um dos ramos dos idiomas românicos surgidos a partir da bifurcação primordial das línguas indo-europeias. A interpretação desta árvore é em si mesma uma leitura, pouco ou nada carecendo de qualquer descodificação; podemos perceber as origens, a espessura de cada tronco e dos ramos respectivos (e ainda, eventualmente, os que deles despontaram) e até os tamanhos relativos — consoante a extensão territorial e número de falantes — de cada uma das ramagens. Além disto, a partir da parte inferior da imagem, podemos ainda entender a forma como os dois grandes troncos em que o fuste se dividiu se foram subdividindo e disseminando pelo mundo.

Atenhamo-nos apenas ao caso que aqui nos interessa, o da Língua Portuguesa. Assim, partimos da família das línguas românicas, com origem no Latim pai, evidentemente casado com uma italiana, que gerou o menino Francês, depois o Romeno, a seguir os pimpolhos Português e Espanhol (Castelhano) e, por fim, pariu a valente senhora duas meninas, que tomaram os nomes das línguas da Catalunha e da Sardenha.

https://www.facebook.com/photo/?fbid=570616451917842&set=a.487318933580928

Minna Sundberg, illustratrice suédo-finlandaise, a créé cette infographie pour représenter les relations entre les différents langages. [“Carnets Blancs“]

Aqui chegados vem a propósito recordar o pressuposto essencial desta série de textos:

(…) poderão resultar pelo menos algumas conclusões óbvias, a começar pelo facto de a imposição manu militari da “língua universau” brasileira (vulgo, #AO90) não passar de uma aberração, uma manobra puramente política e economicista, um golpe perpetrado por alguns traidores, trânsfugas, vendidos, mercenários tugas.

É nesta exacta medida, revistas as principais formas de expressão (línguas e linguagens) e contextualizada a respectiva estrutura organizacional, que se insere a questão central: a língua brasileira existe mesmo ou aquilo é, como alguns persistem em designá-la, uma “variante” do Português?

Bem, como toda a gente sabe, até porque se trata de um óbvio ululante, oficialmente ainda não, a Língua Brasileira ainda não foi reconhecida como sendo o idioma oficial da República Federativa do Brasil. Portanto, será uma questão de tempo e não de facto — porque de facto já o é mesmo, como facilmente se comprova através de apenas três factos: o #AO90, mera imposição do “fálá” brasileiro a Portugal e PALOP, a invenção da CPLP (CPLB), uma ficção destinada a “facilitar” o neo-colonialismo serôdio e ultra-capitalista dos cleptocratas de lá servidos pelos corruptos de cá, e, por fim, a criação de uma “geringonça” absurda que os mesmos cleptocratas e corruptos convencionaram vender sob a designação de “língua universau“.

Será seguramente mera questão de tempo até que a intoxicação sistemática da opinião pública portuguesa, através de órgãos de comunicação “sociau” e de profissionais da desinformação avençados, seja desmascarada em toda a linha e por fim expostos os mercenários, demonstrados os seus métodos, denunciados os colaboracionistas, infiltrados, idiotas úteis, bufos e outros tipos de Sonderkommandos alienígenas. Chegará um dia o dia, porque a verdade pode tardar mas nunca falha, em que aqueles “académicos” contratados — por baixo da mesa, é claro, quanto mais não seja através da tipicamente tuga distribuição de tachos — vejam ruir as suas pretensões de sujeição ao “país-continente” e reduzidos à mais justa insignificância os textículos com os quais tentam há décadas abrilhantar a fraude.

O Brasileiro e o Português já são línguas diferentes. A separação teve início com a independência daquele país (1822), como arma política dessa clivagem primordial, ficou oficialmente demarcada em 1911, igualmente por motivos políticos, recebeu um golpe decisivo em 1945 e teve o seu desfecho radical e definitivo com a assinatura unilateral — e pela calada – do AO90 (ratificado politicamente em 2008).

Gesto tipicamente italiano significando algo como “ma che cosa?!”. Antecede geralmente a expressão “ma vaffanculo”. Nenhuma das coisas carece de tradução.

Nem a “adoção” daquela espécie de transcrição fonética do “fálá”, nem a imposição selvática da ausência de regras (ou da inexistente) gramática brasileira, nem a abolição administrativa do Português (e da bandeira do país e do próprio país) em inúmeras plataformas virtuais, instâncias e organizações supra-nacionais, nada disso poderá jamais abalar a marcha da História: a Língua Brasileira acabará fatalmente por ser — pública, factual, popular e oficialmente — reconhecida como tal.

Quanto àqueles que persistem em inventar realidades alternativas, bom, não é preciso usar a Língua dos surdos para responder-lhes de forma concisa; para o efeito, não precisamos de soletrar seja o que for; nem de usar o Braille ou o Latim ou o Grego e ainda menos qualquer código cifrado ou hermético. Existem gestos e sinais — como sucede com as atitudes — que toda a gente entende.

Um dos gestos mais expressivos, sendo pelo menos teoricamente universal, ganhou com o tempo uma espécie de estatuto de “cidadania” linguística. Por exemplo, em Português — e também em Brasileiro, nem de propósito — é uma das “expressões idiomáticas” mais utilizadas para significar repulsa (nojo, asco) ou revolta. Refiro-me, evidentemente, àquele em que os dedos de uma mão estão recolhidos — todos menos um, o médio, que fica bem esticado.

É o que se augura e deseja à “língua universau” brasileira, ao #AO90 em geral e aos seus prossecutores em particular: um grande dedo médio espetado.

[Imagem de topo copiada de “The Language Nerds” (infinitamente replicada na Internet, de autoria desconhecida). Imagem de “censored” de: “PNGegg“.]

Textos desta série “Línguas e Alfabetos”
[1. Gestual] [2. Soletração] [3. Braille e bandeiras] [4. A árvore e a floresta] [5. Impérios e imperialismos]

Seres e pareceres

[Inês] «Marido cuco me levades
E mais duas lousas.»
[Pêro Marques] «Pois assi se fazem as cousas.»

A ideia era compilar de forma minimamente manuseável todos os pareceres sobre o #AO90, tarefa previsivelmente hercúlea que acabou afinal por revelar-se como sendo “um pouco” idiota e outro tanto redundante… ou até sumariamente inútil.

É de facto impossível, na prática, pelo menos segundo alguns critérios minimamente coerentes, coligir pareceres formais — por definição, institucionais e, portanto, com alguns requisitos mínimos — misturados com “pareceres” individuais, que manifestam meras opiniões e que exclusivamente vinculam os respectivos autores. Acrescem ainda os “pareceres” de carácter expositivo e/ou parcelar como, por exemplo, os apresentados em sede de audiência em Comissão parlamentar, como documentos de trabalho (discursos, intervenções) em Plenário ou até os materiais de suporte em qualquer debate público, presencial, radiofónico ou televisionado.

Mesmo os pareceres institucionais dependem e variam, em termos formais, consoante a origem, o destino e a finalidade específica. Uma coisa é o que têm a dizer as mais diversas entidades (FLUL, CNALP, DGEBS etc.), em verdadeiros pareceres, outra coisa bem diferente é o significado político de pareceres contidos em despachos de Comissões parlamentares (CESC e CNECP).

No caso concreto do “acordo ortográfico” que determinou a “adoção” da língua brasileira por parte do Governo português, dado o hermetismo — ou secretismo, vulgo, jogadas de bastidores — a que os dois gémeos partidários sempre sujeitaram o assunto, ainda mais difícil se torna apurar resultados: mesmo com recurso a ferramentas electrónicas topo-de-gama, encontrar um parecer específico num “site” como o do Parlamento é mais uma questão de sorte do que de destreza técnica.

Com duas excepções — os pareceres de Ivo Castro (contra) e de João Andrade Peres (a favor) — a lista cronológica seguinte sequencia os pareceres institucionais sobre o AO90 que foi (e que é) possível encontrar.

Outras “fontes” possíveis — mas sempre remetendo ou para becos sem saída (“error 404 — page not found“) ou para ficheiros em formato PDF, portanto geralmente não editáveis/copiáveis/utilizáveis — são a “wikipédjia lusôfuná” (neste endereço) e uma página da UNL.

Nem tudo foi trabalho perdido, porém. Esta sequenciação permite ao menos detectar de imediato algumas relações de causa e efeito.

E, se calhar, sem sequer ir longe demais, poderá mesmo lançar alguma luz por sobre as radicais diferenças entre alguém armar aos cucos e os cucos propriamente ditos, as causas das coisas e as coisas das causas. Ou, nas imortais palavras de Gil Vicente, assim se fazem...

  1. 23 Junho 1986 — Departamento Linguística — Faculdade Letras Universidade de Lisboa
    título: «Posição sobre o Acordo Ortográfico»
    «Estes são alguns dos aspectos que merecem a nossa crítica e que, pela sua gravidade e extensão, nos levam a considerar que este acordo de unificação deverá ser renegociado.»
  2. 30 Junho 1989 — CNALP – Comissão Nacional da Língua Portuguesa
    título: «Parecer sobre o Anteprojecto de Bases da Ortografia Unificada da Língua Portuguesa (1988) elaborado pela Academia das Ciências de Lisboa»
    «Assim, considerando todas as’ ordens de razoes mencionadas — atinentes a uma política da língua e razões de natureza científica —, a Comissão Nacional da Língua Portuguesa decidiu, por doze votos a favor e dois votos de abstenção, emitir parecer desfavorável sobre o Anteprojecto de Bases da Ortografia Unificada da Portuguesa (1988).»
  3. 01 Junho 1991 — DGEBS – Direcção Geral do Ensino Básico e Secundário
    título: «Acordo ortográfico de Língua Portuguesa»
    «E por isso – com a mesma naturalidade – aqui se lembra o receio, formulado já no parecer das instâncias do ME, em 29 de Maio de 1989, de que “em Portugal as medidas pela defesa da Língua se confinam à assinatura do protocolo do referido acordo, o que, sem mais nada, significaria na prática, a consolidação da vertente brasileira em detrimento da vertente lusitana, pelo que o acto de defesa de um acordo supranacional acabaria por se transformar numa prática antinacional”(p. 4).»
  4. 1 Novembro 2005 — Ivo Castro — Departamento Linguística Geral e Românica (FLUL)
    (sem título/assunto)
    «Em conclusão, recomendaria:
    — no imediato, a suspensão do processo em curso;
    — em seguida, a não ratificação por Portugal do Segundo Protocolo Modificativo, salvaguardando de outra forma a adesão de Timor-Leste à CPLP.»
  5. Dezembro 2005 — APL – Associação Portuguesa de Linguística
    (sem título/assunto)
    «Às razões acima aduzidas para aconselharem a suspensão do processo visando a entrada em vigor deste Acordo, acrescem razões não menos importantes de natureza científica.»
  6. 07 Abril 2008 — APEL – Associação Portuguesa de Editores e Livreiros
    (sem título/assunto)
    «É por todo este conjunto de razões, que a APEL entende que este Acordo Ortográfico é contrário aos interesses de Portugal e dos portugueses.»
  7. 06 Maio 2008 — CESC – Comissão de Ética, Sociedade e Cultura
    título: «Parecer da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura»
    «Face ao exposto, e nada mais havendo a acrescentar, a Comissão de Ética, Sociedade e Cultura propõe que o presente relatório seja remetido à Comissão de Negócios Estrangeiros, para apreciação em sede de relatório final.»
  8. 12 Maio 2008 — João Andrade Peres
    título: «Breve parecer sobre a entrada em vigor do Acordo Ortográfico de 1990»
    «A margem de manobra que o Acordo permite é muito grande e, se for seguida esta via, pouco estará já pré-determinado. Esse pouco é o que, por força da alínea b) da Base IV, nos obrigará, com algum risco de alterações lamentáveis na pronúncia, a passar a escrever ação, diretor ou adotar. Estou, todavia, em crer que, se os custos do Acordo não forem além de umas quantas consoantes que já nenhum falante de português pronuncia, não estaremos a pagar um preço demasiado elevado.»
  9. (mais…)

O/a/e/x Acordo/a/e/x Ortográfico/a/e/x de 1990/n/x

Já não é só recorrente. Nem só obsessivo. Será enjoativo, portanto, ou nauseabundo, se quisermos adjectivar o assunto com alguma precisão escatológica, digamos, já que a mistela vai sendo servida às carradas e em camadas sucessivamente requentadas. O facto é que a agenda das palavras, dos palavros e des palavres (ou dxs pxlxvrxs) ameaça tornar-se “prato” único — em Portugal e no Brasil, porque nos PALOP ninguém se dedica a inventar problemas –, servido até à náusea a uma clientela apesar de tudo heterogénea e, pelo menos parte dela, com idade para ter juízo — ou ao menos algum tento na bola, vá.

Isto apenas interessa para aqui enquanto aparte (não***, o nome do “Apartado 53” não adveio de qualquer aparte nem do verbo “apartar”) e na medida em que a agenda do sexo dos anjos, digo, das palavras tenha algo a ver com a do neo-colonialismo brasileirista em geral ou com o seu veículo primordial, o #AO90, em particular.

Tendo em atenção que — desde a imposição manu militari da “língua universau” brasileira” — os donos da língua (a começar pela designação “língua portuguesa”, da qual se apossaram) são os brasileiros e os seus lacaios tugas, assim como quem ditou a eliminação da gramática do Português foram eles, também são eles quem agora determina — por telefone, por SMS, quem sabe se por telepatia — as “regras” da língua que os (ir)responsáveis políticos portugueses “adotaram”. Portanto, se no Brasil as palavras passam administrativamente a ter sexo (“gênero”, em brasileiro), então Portugal faz o costume, ou seja, baixa a bolinha, agacha-se, põe-se na sua posição favorita — só de cócoras, vá, que a outra, assim à descarada, na tugaria felizmente poucos se atrevem, deve ser por acanhamento.

“A língua não deve servir apenas um passado”, mas há resistência à mudança: afinal o que é linguagem inclusiva? Cinco perguntas e respostas

“Todxs”, “el@s”, “amigues”, “eli”, “elu”. Multiplicam-se as propostas para tornar a Língua Portuguesa mais inclusiva e neutra. Mas que argumentos há para a mudança? E o que dizem os linguistas sobre o futuro do Português?

Cláudia Monarca Almeida
“Expresso”, 30.06.23

Numa sala com dez, cem ou mil mulheres, basta entrar um homem para o “todas” passar a “todos”, “elas” virar “eles”, “amigas” ser “amigos”. A Língua Portuguesa evoluiu assim, mas faz sentido ser assim?

“A linguagem é um reflexo da sociedade em que nós vivemos e se apagamos pronomes femininos, estamos também a apagar pessoas”, argumenta Ary Zara (ele). “Esta seria a primeira luta: dentro deste sistema que foi criado binário, nós conseguirmos pelo menos incluir os dois géneros que são aceites legalmente.”

Mas a linguagem inclusiva é mais que isto, defende o activista. É “olhar em redor e conseguirmos incluir o maior número de pessoas e utilizar as palavras correctas que não as agridam quando nos referimos a elas.”

E acrescenta: “Não sei se alguma vez [a linguagem neutra] terá lugar na nossa língua, porque existe um grande apego. É quase um patriotismo, um nacionalismo que eu não consigo compreender. Nós não somos as mesmas pessoas que éramos há 20 anos. Portugal está um país diferente. Nós temos cada vez mais pessoas de todas as partes do mundo, pessoas com diferentes identidades e a língua deve servir todas as pessoas. A língua não deve servir uma terra ou apenas um passado.”

Por isso defende a necessidade de “uma mudança” que permita “reflectir a sociedade em que nos enquadramos”. Para que pessoas como histórias como a sua, para quem adoptar um pronome é um processo, também se revejam na língua que falam todos os dias.

“Quando nasci decidiram que eu deveria ser mulher e sempre fui tratado com pronomes femininos. Quando comecei a estudar mais o género a nível social, comecei a perceber que se calhar outros pronomes eram mais confortáveis para mim.”

Há cerca de sete anos, Ary Zara tentou utilizar pronomes neutros. “Acabei por abandonar, porque acabava por ser uma dificuldade ainda maior. Eu via as pessoas a lutar para conseguirem corresponder e isso também me deixava desconfortável. E então acabei por adoptar pronomes masculinos, por se enquadrarem mais com a imagem que eu apresentava, mas nem por isso com o meu género.”

A discussão sobre a linguagem inclusiva não é exclusiva a Portugal. No Brasil, ainda esta semana, instalou-se a polémica em torno do cantor Djavan, por supostamente ter usado linguagem neutra na promoção dos seus concertos. Tratava-se, afinal, de um anúncio escrito em catalão, por o concerto ser em Barcelona. Neste eram referidas “últimes entrades”, anunciando os últimos bilhetes disponíveis para o espectáculo. Também no mundo anglo-saxónico, o pronome “they” é cada vez mais frequentemente utilizado como pronome neutro.

Mas que espaço há na Língua Portuguesa para mudança? Para mais inclusão? O Expresso foi ouvir especialistas em linguística sobre este assunto.

1. Há consenso entre especialistas sobre a linguagem inclusiva?

Nem por isso, dizem-nos o investigador e a investigadora ouvidos pelo Expresso. “Esta questão talvez tenha tido mais mais um destaque nos últimos anos, mas é uma questão que não é nova e questões deste género sempre existiram na no debate sobre a utilização da linguagem”, diz Rui Sousa Silva (ele), coordenador do Centro de Linguística da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

“Há sensibilidades diferentes”, até porque existem diversas “concepções do que é a linguagem”, corrobora Maria Antónia Coutinho (ela), investigadora do Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa (CLUNL). O especialista e a especialista ouvidos pelo Expresso, por exemplo, abordam a linguagem pela sua vertente social e pela forma como a linguagem surge aplicada.

“Há quem diga que esta questão não faz sentido, que não é importante. Há linguistas que dizem que a questão da língua não tem nada a ver com as preocupações sociais. Há quem diga que há muitos problemas de desigualdades e que a linguagem não é o mais importante. É evidente que há problemas mais graves. Isso não significa que não nos preocupemos com outros que são muito importantes, na medida em que reiteram estereótipos e perpetuam-nos ao criarem uma invisibilidade total”, defende a investigadora do CLUNL.

Do ponto de vista do que é a gramática do Português, a questão é inequívoca. O que vem nos manuais é que existem dois géneros – feminino e masculino – e é o segundo que deve ser utilizado como genérico.

“Temos aquilo que nós aprendemos na escola, que é uma certa imposição da norma da língua, mas nós sabemos que a linguagem é muito mais do que a norma”, defende Rui Sousa Silva. A língua tem vários registos, argumenta. Na oralidade, as pessoas utilizam a língua de forma diferente da escrita. O registo formal de uma conversa é muito diferente do informal. Utilizar um registo fora do contexto causa até estranheza.

“A gramática prescritiva, que é aquela que nos diz quais são as normas, é bastante conservadora, mas todos os dias vemos prevaricação (termo técnico da linguística) e ninguém é condenado por isso. Faz parte do processo natural da linguagem.”

E por isso, diz Rui Sousa Silva, as discussões sobre o uso da linguagem são uma questão que permanece sempre em aberto. “Do ponto de vista científico, a discussão naturalmente não se vai esgotar aqui”. O debate começou por um questionamento sobre a imposição do masculino sobre o feminino enquanto o genérico, “mas agora estamos a perceber que este binarismo não resolve todos os problemas”, explica. Por isso, é natural que com as próprias mudanças da sociedade, surjam novas questões. (mais…)