Well, it’s not often that you see an entire country on one single photo, especially one that has as much to offer as Portugal! pic.twitter.com/P6jYc5k5Pn
— Thomas Pesquet (@Thom_astro) April 25, 2017
«O nosso grande problema na Galiza é a imposição, culturalmente terrorista, de grafar o galego em castelhano; em paralelo a isso, está a concepção imposta polo poder espanhol e os seus sequazes de que a nossa Língua é um idioma menor reduzido a quatro províncias espanholas e que deve estar sempre subordinado ao castelhano. Nesse contexto, reivindicar a universalidade da língua e mencionar o Rio de Janeiro é compreensível.»
Permito-me discordar, caro José Tápia, da referência que fez o deputado galego à capital turística do Brasil, misturando o Rio com Coimbra, Luanda e Díli. Ainda que a discordância incida apenas neste único ponto, o qual, na minha opinião, é absolutamente fundamental, parece-me oportuno ao menos tentar esclarecer aquilo em que se baseia a discordância e, de caminho, deixar claro que afinal estamos todos do mesmo lado: como muitíssimo bem resume o José, trata-se da “nossa língua” e, portanto, há que defendê-la, seja do imperialismo castelhano, seja do imperialismo brasileirista.
De facto, a pretensa “universalidade da língua” — de qualquer Língua, aliás, à excepção daquela que em determinada época histórica e contexto geográfico funcione como língua franca — constituiu o “argumento” basilar da imposição da chamada “língua universau” brasileira; foi a essa efabulação que se encostaram os brasileiristas gananciosos daqui e os gananciosos brasileiros de lá para tentar impingir o inenarrável “acordo” a Portugal e aos PALOP. [post “A Língua Galega no Congresso Nacional de Espanha”]
O inacreditável artigalho que abaixo se transcreve, debitado por um neo-imperialista assumido, presta-se a um exercício que, além de tristemente cómico, qualquer pessoa pode executar com a maior das facilidades; trata-se, ao estilo das corrigendas, de substituir mentalmente uma coisa por outra: “onde se lê X leia-se Y”.
- Onde se lê “Galiza” leia-se Portugal.
- Em certos casos, onde se lê “o Galego é” (ou “a Língua Galega é”) leia-se o Português é (ou a Língua Portuguesa é).
- Em certos casos, onde se lê “português” (ou “língua portuguesa”) leia-se brasileiro (ou língua brasileira).
- Onde se lê CPLP leia-se CPLB.
- Em certos casos, onde se lê “castelhano” leia-se brasileiro.
- Em certos casos, onde se lê “Estado espanhol” leia-se Estado brasileiro.
Outro exercício interessante — e com não menos piada — será catar no texto do cavalheiro as diversas formas do verbo “falar”, incluindo adjectivações e formas substantivas: fala, falamos, falada, falantes etc. A este doutorando em “estudos linguísticos” na Universidade da Corunha (mas que extraordinária coincidência) parece ser completamente estranho o conceito de… escrita.
Bem, atendendo a quem é este “investigador”, o fenómeno é de certa forma compreensível: a desortografia da língua brasileira consiste basicamente em, sem ter de aprender o “código” de transcrição fonética, escrever (mais ou menos) como se fala. Talvez o senhor ande nas aulas da “escola” das “línguas minoritárias”; ou então, pior ainda — mas muito mais provável — julgue que, no fundo, no fundo, essa maçada da escrita é um erro, aquilo das línguas ágrafas é que é bom, o Navajo, o Udi, a língua de estalidos de “Os Deuses Devem Estar Loucos”, oh, sim, oh, sim, isto ele não há nada como o paleio.
O que o Brasil ganha com a oficialização da língua galega na União Europeia?
Ajudar no reconhecimento da língua galega é também proteger a língua portuguesa como patrimônio histórico e cultural no lugar em que ela nasceu
“Le Monde Diplomatique – Brasil”, 15.09.23
Victor Hugo da Silva VasconcellosEm 19 de setembro de 2023, a União Europeia irá realizar um voto em relação à inclusão do catalão, do basco e do galego em seu regime linguístico. A decisão de oficializar a língua galega na UE está dividindo a região autônoma da Galiza. O motivo reside em uma discussão que já corre por mais de 40 anos sobre o galego ser ou não ser português.
A maioria da população brasileira – assim como a portuguesa – desconhece a situação linguística da Galiza, uma vez que é uma região dentro do Estado espanhol, levando a crer que sua língua seja o castelhano. Isso é uma meia verdade: a Galiza (assim como o País Basco e a Catalunha) é uma região bilíngue, isto é, além da língua de Estado (castelhano) também fala sua língua própria (galego), e ambas são oficiais na Comunidade Autônoma da Galiza. São duas as grandes questões que atravessam a sociedade galega: a) o desaparecimento gradual de sua língua própria; b) se o galego é português ou uma língua autônoma.
A primeira questão é muito séria e vem preocupando a Galiza há décadas. Uma pesquisa feita pelo Instituto Galego de Estatísticas (IGE), em 2018, apontou que apenas 30% da população galega fala galego diariamente. O mais assustador é que a faixa etária que mais fala (75%) é composta por pessoas acima de 60 anos; e a faixa etária que menos fala (25%) é composta por crianças de até 15 anos. Desse modo, o risco de a língua ser totalmente substituída pelo castelhano é real. Isso está ocorrendo, entre outras razões, por conta da imposição da língua castelhana nos meios oficiais de comunicação. Dessa forma, o galego vem perdendo prestígio entre seus falantes, como se fosse uma língua sem utilidade.
O segundo ponto poderia ser de grande utilidade à Galiza e ao Brasil. De onde vem a língua galega? Em resumo, ela tem um passado que se funde com o da língua portuguesa. Sim, elas foram a mesma língua por séculos, falada na Galécia (Reino da Galiza) até o século XII, momento em que o Condado de Portugal se separou do Reino da Galiza e virou o Reino de Portugal. A língua ainda continuou sendo falada nos dois reinos mesmo com a proclamação do português como língua oficial de Portugal por D. Dinis, no século XIII; e da escrita da primeira gramática da língua portuguesa por Fernão de Oliveira, no século XVI. O que ocorreu então com a língua galega?
O Reino da Galiza foi anexado à Coroa de Castela ainda no século XII, perdendo parte da sua autonomia linguística, pois a língua oficial da Coroa era o castelhano (lembrando que o latim foi língua franca na Europa aproximadamente até os séculos XV – XVI). Toda a corte galega era composta também por castelhanos que foram impondo sua língua na administração da Galiza. Até o século XIX, a porcentagem de falantes de galego era muito alta, (em torno de 90%), já que o castelhano era língua administrativa e não do povo. Mesmo sem a oficialização da língua e uma gramática própria, o galego era ensinado pela família, pela transmissão intergeracional da língua (a mesma falada no seu vizinho do sul, Portugal). Em meados do século XIX, o Reino da Galiza deixa de existir, passando a ser uma região autônoma anexada ao Reino da Espanha, mas mantendo sua extensão territorial.
Nas primeiras décadas do século XX, houve a ditadura e a perseguição à língua. Toda a proibição sobre o galego na ditadura de Franco (1939-1975) ainda gera efeitos negativos sobre a língua. Muitos pais não passaram sua língua para seus filhos, ensinando o castelhano por medo do regime autoritário. Com a oficialização da língua nas últimas décadas do século XX, criou-se uma norma e uma gramática oficial para ela.
Afinal, o galego ainda é o português?
Mesmo depois de séculos de separação, os estudos de filologia ainda o consideram como a mesma língua, mas que adotou nome e ortografia diferentes por questões políticas. Os dígrafos comuns em português nh / lh são escritos na ortografia castelhana como ñ / ll, embora tenham o mesmo som, como banho – baño / coelho – coello. Outra característica diferente é que o galego não apresenta a combinação nasal ão / ões, mas sim, ón / óns (não – non / canções – cancións) em sua fonética.
Quanto ao léxico, há diferenças, bem como também há entre Portugal e Brasil; Brasil e Angola; Moçambique e Cabo Verde – entre todos os países de língua portuguesa. Há palavras que diferem tanto do português como do castelhano: o verbo “ir” na primeira pessoa do plural no presente do indicativo é “imos”, não “vamos”, como em português e em castelhano. Contudo, o sistema linguístico ainda é muito próximo (para não falar igual) ao do português, no sentido de formulação de frases, usos de proposições, artigos definidos e indefinidos, pessoas do discurso, entre outras semelhanças. O entendimento mútuo entre um galego e qualquer falante de língua portuguesa pelo mundo é muito fácil. Até defendo que é mais fácil para um brasileiro entender o galego que o português de Lisboa, por exemplo.
Ainda assim, há os defensores de que o galego, com a separação de Portugal, evoluiu de forma diferente, tornando-se uma outra língua, não sendo português nem castelhano. Essas pessoas estão no governo galego e também nos órgãos que regulamentam a norma da língua galega. Devo lembrar que, no Brasil, há defensores de que a língua falada no país não é o português, mas uma língua brasileira que difere do português padrão internacional. Essas posições, a meu ver, não estão embasadas em questões filológicas, mas políticas, pois não se difere uma língua da outra por conta do vocabulário apenas, mas de sua organização sintática.
Na UE, até agora, os tradutores-intérpretes para representantes da Galiza e de Portugal são os mesmos, isto é, fazem as traduções para o português; e traduzem, para outras línguas, as falas de galegos e de portugueses. Isso só é possível por conta do entendimento mútuo, confirmando que, na prática, estamos falando uma mesma língua.
O galego para o Brasil
Portanto, como a possível aprovação da língua galega como língua oficial da UE poderia ser de interesse do Brasil? Apresento dois pontos sobre isso.
Em primeiro lugar, o Brasil tem pouco conhecimento sobre a Galiza e a língua comum que compartilham. Afirmo isso tanto no âmbito educacional como no social. Nas escolas, a menção sobre a língua galega ocorre formalmente apenas nas aulas de literatura medieval, as famosas cantigas de amor, amigo, escárnio e maldizer, remetendo a um português arcaico. Após essa breve menção, não se fala mais sobre o galego nem sobre a Galiza nas escolas. No âmbito social, pude comprovar a esmagadora maioria de brasileiros que vivem na Galiza falando apenas em castelhano, mesmo com muitas pessoas falando em galego ao seu redor. Claro que há uma ideologia recente sobre o prestígio de se falar castelhano, e não galego. Mas se a história da Galiza fosse conhecida no Brasil, esse cenário seria diferente. Até porque é um país que compartilha a língua, bem como os outros 8 países da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa), em que a Galiza é membro observador, formando um conjunto de 10 países (Angola, Brasil, Cabo verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Portugal, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste e Galiza). Essa projeção faria o galego ser conhecido por aqueles que nem sabiam de sua existência.
Em segundo lugar, o Brasil poderia fazer parcerias interessantes e intercâmbios culturais. É um país pequeno (com menos de 3 milhões de pessoas), mas com potencial de negócios. Falarei da minha área que é a linguística. Como na Galiza se fala uma variante do português (e para muitos galegos trata-se realmente do português), a exportação de materiais nessa língua seria interessante. O Brasil vem de uma sequência de fechamento de livrarias no país, por conta do baixo número de leitores. Tradicionalmente, os países europeus apresentam alta porcentagem de pessoas que leem. É um mercado aquecido o ano todo. Uma rota de exportação poderia ser criada entre Brasil, Portugal e Galiza. Há interesse no mercado editorial brasileiro, do mesmo modo que seria interessante a importação de livros galegos artísticos e acadêmicos. A abertura de um mercado editorial poderia ser ainda mais vantajosa em algumas áreas específicas de interesse galego (como a literatura brasileira, textos sobra língua portuguesa e cultura brasileira). Vejo como é difícil adquirir um livro brasileiro na Galiza.
Na área cultural, de igual maneira que telenovelas foram vendidas para Portugal, poderiam ser feitos acordos com a TV pública da Galiza de novelas e programas brasileiros de televisão, além do intercâmbio de atores e atrizes. Estreitar de fato os laços culturais e comerciais com os galegos e galegas, que querem saber mais sobre a lusofonia e sobre o Brasil.
A parceria entre Brasil e Galiza poderia ainda fomentar intercâmbio acadêmico entre as universidades brasileiras e galegas para cursos de mestrado e doutorado; com mais proximidade entre os professores e os pesquisadores dos dois países. Além disso, há no Parlamento da Galiza a Lei ValentínPaz-Andrade, que é uma lei para o aproveitamento da língua portuguesa e vínculos com a lusofonia.
Esse contato é uma forma de fortalecer a língua galega, ação defendida por todo o povo galego, mesmo entre aqueles que não reconhecem a unidade linguística, mas aceitam se tratar de línguas muito próximas, ou, como falam: línguas irmãs.
Ajudar no reconhecimento da língua galega é também proteger a língua portuguesa como patrimônio histórico e cultural no lugar em que ela nasceu. Só falamos o português porque surgiu o galego no Reino da Galiza, que se projetou para o mundo por meio dos navegadores portugueses. Valorizar a língua da Galiza é ajudar na recuperação do seu prestígio de outrora frente à imposição do castelhano. Como já dizia Ricardo Carvalho Calero (expoente da poesia galega): “ou é galego-português, ou é galego-castelhano”.
Victor Hugo da Silva Vasconcellos é doutorando em estudos linguísticos pela Universidade da Coruña e também doutorando em letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Além de pesquisador, é professor particular de língua portuguesa e linguística.
[Transcrição integral, sem tradução automática para Português (o autor é brasileiro e
o artigo foi publicado na versão brasileira do LeMonDi). Destaques, sublinhados e “links” (a verde) meus.]