Ao contrário daquilo que julgam alguns anti-acordistas, com a sua tradicional e pacóvia admiração por “figuras públicas” — os “notáveis”, uma atávica instituição nacional –, nem o brasileirismo é uma aberração recentemente surgida nem os brasileiristas, ou seja, os adeptos da “língua universau” brasileira, sequer tendem a ser todos “pugressistas” ou esquerdalhos. Aliás, o brasileirismo foi uma invenção de alguns dos mais “notáveis” direitolas que andaram e andam por aí.
De facto, grande parte dessa classe de sambitugas que não se coíbem de publicamente expressar a sua intensa paixão pelas terras de além-Atlântico já vem dos tempos “da outra senhora” e, como a implacável passagem do tempo não costuma dar borlas, alguns sucessores dos que foram desaparecendo entretanto são eles mesmos sucedâneos de seus progenitores em tão bizarra espécie de militância.
Nomes como os de Adriano Moreira, José Hermano Saraiva, Natália Correia ou Agostinho da Silva, por exemplo, devem fazer estremecer (apenas de surpresa, esperemos) pelo menos os esquerdalhos que, por definição, julgam sempre ser os autores de todas as ideias “pugressistas”; bem, karos kamaradas, lamento desiludir-vos (não, não lamento nada) mas essa da vossa irmandade com os “cara”, além de peregrina e idiota, é velha e relha.
Olha que aborrecimento, hem? Afinal, aquela ideia “genial” de apodar os anti-acordistas com mimos como “reaccionários”, quando não “fassistas”, encurtando razões termina como é hábito suceder aos “génios” num balde de cubos de gelo pela cabeça abaixo. Esta é uma outra característica dos esquerdalhos, têm a mania de só ter ideias “geniais”, fazem absoluta questão disso, mas acabam sempre por ter de engolir em seco e bem depressa abraçar — igualmente por palpite, consoante “estiver a dar” — outra “causa” tão inamovível como aquela que a porcaria da realidade acabou de estragar.
Não será esse certamente o caso de Jaime Nogueira Pinto, notável e assumidíssimo direitista, mas na verdade a entrevista agora reproduzida reflecte uma outra característica que será, muito provavelmente, a mais perigosa de todas as formas de acordismo: a (pelo menos, aparente) hesitação perante o assunto, o que implica, por exclusão de partes, ou tibieza ou comprometimento.
Existem diversas expressões idiomáticas funcionando como remoques, qual deles o mais certeiro, para qualificar este género de converseta em que se diz umas lérias pela metade, parando prudentemente quando porventura a coisa ameaça adentrar algum matagal conceptual. Por exemplo, em matéria de expressões populares, “dar uma no cravo e outra na ferradura” adequa-se perfeitamente ao chorrilho de respostas que o não são, exercício em que JMP demonstra ser possuidor de vários pós-doutoramentos.
“Visão pessimista da CPLP“? Isso da “visão pessimista” é o quê, ao certo?
“É complicado, a diferença da dimensão geopolítica dos países envolvidos“? O que é que é “complicado” nessa coisa tão simplezinha?
“Dificuldades de contacto que não é possível, para já, ultrapassar“? O que diabo são “dificuldades de contacto”? Que tipo de “contacto”? E “para já, ultrapassar”? Como “para já”? E quem disse que tem mesmo, e quando, de se “ultrapassar” isso, seja lá o que for?
“O caso do Brasil evidencia as dissonâncias“? Mas quais “dissonâncias”, raios?! Desde quando o neo-imperialismo serôdio e invertido é uma simples “dissonância”?
Jaime Nogueira Pinto: Mundo bipolar está de regresso, mas com radicais livres
António Freitas de Sousa
Jaime Nogueira Pinto: Mundo bipolar está de regresso, mas com radicais livres
jornaleconomico.pt, 4 Outubro 2023
António Freitas de Sousa
No painel dedicado à Lusofonia, o politólogo Jaime Nogueira Pinto, devidamente caustico – como sempre nos habituou a ser – dedicou a primeira parte da sua intervenção à nova ordem mundial. No caso de haver uma: “é de território que estamos a falar. Todas as ordens internacionais nascem de um grande conflito, com alterações em dois sentidos: físicas e de ideias e valores”, em ambos os casos da autoria dos vencedores.
E deu exemplos: a guerra dos 30 anos, “que acabou com a religião como motivo de confrontação”, as guerras napoleónicas, a Grande Guerra e a II Guerra, que criou “uma ordem bipolar” que só começaria a desaparecer com o fim da União Soviética. “Depois do fim da URSS veio a ordem liberal internacional, que entrou em crise em 2008” e depois acabou.
Para já, “não há outra”, essa ordem sobretudo assente no poder americano, acabou. O modelo está em crise e a guerra na Ucrânia “veio acentuar essa crise”. “Se fosse arriscar, diria que estaríamos numa ordem multipolar:” por um lado os Estados Unidos, por outro a China e no meio os neutros, uma espécie de radicais livres que não se revêem no bipolarismo e cujos interesses particulares os aconselham a tentar uma terceira via. A Índia e a Turquia são dois exemplos, disse o politólogo.
Evidentemente, disse ainda Jaime Nogueira Pinto, que a cola que une a CPLP é uma vantagem: “a proximidade de ordem cultural conta, até porque a afinidade ideológica caiu muito. As afinidades culturais, históricas prevalecem”, disse. Mas não deixa de ter uma visão pessimista da CPLP. Mesmo partindo de um pressuposto: uma liderança supranacional. “É complicado, a diferença da dimensão geopolítica dos países envolvidos” implica dificuldades de contacto que não é possível, para já, ultrapassar.
O caso do Brasil, que Nogueira Pinto referiu em particular, evidencia as dissonâncias: tem um desígnio nacional em termos geopolíticos – a pontos de “a política externa se ter mantido com um presidente da extrema-direita e outro da esquerda radical”. “Ao contrário de Portugal”, não é a ideologia que conta, “são os interesses”.
O Brasil, recordou, está nos BRICS – precisamente uma das organizações que mostram a existência desses radicais livres que, ao menos eles, são o que não querem e aparentam saberem já o que querem. “Os BRICS são o repúdio da ordem internacional e é isso que os une, apesar das ligações de alguns aos Estados Unidos e apesar de haver ali países visceralmente inimigos, como a China e a Índia, como o Irão e a Arábia Saudita”.
“E estão ali juntos”. Na CPLP talvez as coisas fossem mais difíceis, apesar de “alguns aspectos de complementaridade. É um objectivo, se harmonizado com os interesses internos”, levar a CPLP a ser o elo indutor de uma espécie de agenda comum. Mas Jaime Nogueira Pinto, um tradicional adepto da realpolitik (sobre a qual fez a sua tese de doutoramento), tem poucas esperanças.
Apesar de concordar que “contamos mais se formos fortes e tivermos capacidade para criarmos dificuldades. Cada vez nos afastamos mais desse mundo inclusivo” que está na moda boca do mundo. Língua comum, cumplicidades, complementaridades no espaço económico, são um ponto. Mas fazer disso o centro estratégico da CPLP e uma prioridade máxima de todos os países” “Alinho nos pessimistas”, concluiu.
[Transcrição integral. Cacografia brasileira do original corrigida automaticamente.
Inseri “links”.]
[Nota: o artigo, do mesmo autor, é exactamente igual nos dois jornais.
Daí as referências a ambos.]