EPCV – “Escola pertencente à rede pública de escolas portuguesas, sediada na cidade da Praia, em Cabo Verde.” [facebook.com/epcv.cv]
Assim, apenas quanto a este particular, ou seja, no que diz respeito a contingentes migratórios e a enorme desproporção entre os de origem africana e o da América do Sul, o mínimo que se poderá ao menos aventar, ainda que apenas em forma de perguntas, é o seguinte:
a) Não existiam já, há décadas, acordos Estado-a-Estado com todas as ex-colónias portuguesas em África?
b) Por exemplo, o “Acordo Geral sobre Migração entre Portugal e Cabo Verde” de 1976 foi revogado? Também por exemplo, o “Acordo Geral sobre Migração entre a República de Portugal e a República da Guiné-Bissau” de 1979 foi revogado? E, ainda por exemplo, o “Acordo Geral sobre Migração entre a República Portuguesa e a República Democrática de S. Tomé e Príncipe” de 1978 foi revogado?
c) No caso concreto de Cabo Verde, foi assinado complementarmente o “Protocolo sobre Emigração Temporária de Trabalhadores Cabo-Verdianos para Prestação de Trabalho em Portugal“, de 1997. Terá sido caso único, um exclusivo de Cabo Verde, ou foram assinados protocolos similares com os demais PALOP?
d) Se efectivamente todos aqueles acordos foram revogados, quais foram os motivos para tal revogação? Não existindo qualquer motivo, como agora se torna quase espectacularmente evidente, então porquê e para que efeitos, em concreto, foram “anexados” — apenas em 2021 — os PALOP ao “Acordo Sobre a Mobilidade Entre os Estados-Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)“?
As perguntas contêm em si mesmas as respostas, por inerência, de tal forma são descaradas estas e tão evidentes aquelas. A relação de causa e efeito, servida assim, a frio, sem meias palavras, poderá para alguns ter um efeito semelhante a levar de repente com um trapo encharcado na cara. É natural que depois um duche venha a calhar.
As ex-colónias portuguesas em África estão mais uma vez a servir para dar cobertura ao plano expansionista que meia dúzia de tugas, mercenários a serviço do Brasil, urdiram pela calada.
[post Cabo Verde, São Tomé, Guiné “e mais não sei quê”]
Na sequência do primeiro testemunho aqui publicado, de um português nascido em Moçambique, desta vez temos a oportunidade de ouvir o que diz um cabo-verdiano sobre o mesmo tema, ou seja, sobre as implicações, as contradições e o geral desconhecimento da situação gerada pelos diversos “acordos” bilaterais Portugal-Brasil, nomeadamente o “Estatuto de Igualdade” e o “Acordo de Mobilidade”.
Esta outra “entrevista” decorre numa esplanada, como aliás se nota perfeitamente pelos ruídos de fundo e as constantes interrupções, com idas e vindas de inúmeras pessoas, cumprimentos vários e, ainda por cima, com a dificuldade acrescida (minha) de desconhecer o Crioulo — a segunda Língua oficial de Cabo Verde.
O “entrevistado” é o Sr. Manuel Lopes, cabo-verdiano que reside e trabalha (na construção civil, presumo) em Portugal há seguramente mais de uma década.
Tema central da conversa: as radicais diferenças de tratamento consoante se trate de imigrantes brasileiros, que não têm necessidade de qualquer visto de entrada no país e podem “mandar vir a família”, e quando os imigrantes são provenientes de Cabo Verde (ou de qualquer dos outros PALOP). Segundo Manuel Lopes — e certamente outros africanos poderão confirmar isto, contrastando a realidade com a propaganda oficial –, existem de facto flagrantes (e surpreendentes e chocantes) diferenças entre as condições oferecidas aos imigrantes de uma ex-colónia da América do Sul e aquelas de que (não) dispõem os cidadãos provenientes das cinco ex-colónias portuguesas em África.
Pode ser que entretanto as coisas tenham mudado de alguma forma — o que não me parece, de todo –, mas o facto é que tudo o que diz este imigrante fica por ele mesmo muito bem sintetizado numa única palavra, que é em simultâneo ilustrativa e cirúrgica: discriminação.
«Eles [brasileiros] vêm sem visto. Mas nós, cabo-verdianos, temos de ter visto. É um problema para chegar a Portugal.»
«A gente para vir de Cabo Verde tem de ter visto, o que é muito complicado, para a gente conseguir um visto para vir para aqui. Mas os brasileiros não! O brasileiro é só arranjar o dinheiro da passagem, compra a passagem e já vem!»
«Os brasileiros vêm sem visto para Portugal. Mas nós, os cabo-verdianos, africanos, temos de arranjar visto; e aquele visto, na nossa terra, é muito difícil; tem que pagar muito dinheiro, muito dinheiro para vir para Portugal; menos do que 700 euros não há hipótese; às vezes é mais; mais a viagem, aí uns 400 euros ou 500 ouros.»
«Eu acho estas coisas inúteis. Porque se os brasileiros, se nós temos os mesmos direitos deles, nós fomos colonizados pelos portugueses, porque é que a gente tem que arranjar o visto para vir para aqui e os brasileiros não têm, vêm na hora em que eles quiserem?»
«Nós temos os mesmos direitos. Temos um acordo com [o Governo] português, eu acho também que nós, os cabo-verdianos, se quisermos ir buscar um filho, uma família, vai precisar de uns seis, sete meses para conseguir um visto.»
«Tem que dar uma chance para a gente, para ir buscar a nossa família para trabalhar aqui. Eles [os brasileiros] não têm esse problema.»
[pergunta] Se o Sr. Manuel apanhasse aí à sua frente ou o Presidente da República ou o primeiro-ministro, o que é que lhe dizia?
«Acho que isto é discriminação.»