Logo de entrada, contaminando o artigo propriamente dito, uma citação do falecido historiador José Hermano Saraiva, esse assumidíssimo, assanhadíssimo brasileirista, aliás um dos mais destacados membros do restrito clube de fiéis à “causa” do Itamaraty, ou seja, devotos do putativo II Império brasileiro.
Dessa elite de tugas ilustres do chamado “antigo regime” com imenso “sentido de dedicação ao Brasil”, fazia também parte, por exemplo, Adriano Moreira, ex-Ministro de Salazar (1961-62), depois ex–Presidente do CDS-PP (1986-88), depois ex-deputado (1992-95) e por fim ex-Conselheiro de Estado (2016-19).
E, se bem que fossem — como continuam a ser — uma irrisória minoria, Hermano e Adriano tinham por companhia outros devotados sonhadores (ou apreciadores de pesadelos, consoante a perspectiva) do brasileirismo, alguns dos quais ainda transportando consigo o mofo do “antigamente”, como o próprio Marcello Caetano, que ali se exilou em 26 de Abril de 74 e que por lá ficou a dar umas aulas, ou o Cavaco de Boliqueime (ex-PM, ex-PR e ex-especialista em rodagens de automóveis Citroën), a quem Brasília deve, pessoalmente, a “adoção” da língua brasileira em Portugal e PALOP, via #AO90.
De resto, no mesmo clube “canarinho”, isto é, no “time“, alinharam, antes e depois do 25 de Abril, outras figuras gradas e caras — literalmente — de ambos os regimes. Já no Estado que sucedeu ao velho (o qual, por mais paradoxal que tal coisa possa parecer, se designava como “Estado Novo”), as esquerdas partidárias atiraram-se ao Brasil e à língua universau brasileira como gato a bofe, salvo seja, tendo descoberto, para o efeito e de repente, que afinal o “sentimento de dedicação ao Brasil” é uma ideia nova, novíssima, totalmente ao contrário do que sucedia no dito Estado Novo, e que, portanto, quem for contra o “acordo” de “adoção” da cacografia brasileira não passa de um empedernido “reacionário” a merecer holocausto ou, no mínimo, ser encostado à parede.
Viva o #AO90, “falam” estes “progressistas”, e “morte aos velhos do Restelo“, “falam” também, entre mais umas quantas brilhantes pérolas de coltura.
No que respeita a brasileiristas militantes, de resto, não considerando os gémeos do centrão, entre esquerdolas e direitalhos não existe a mais ínfima diferença: utilizam exactamente os mesmos “argumentos” para justificar o injustificável e fazem ambos gala da sua admiração parola pelo “gigante” sul-americano, sempre tentando disfarçar a insaciável ganância que a uns e a outros move. Não passam de uns quantos tristes, é certo, mas são por igual ruidosos, broncos e caceteiros.
“Bobagens” de Ministro brasileiro arrasadas por académico português
“Eu acho que as nações, como as pessoas, valem pelos sentimentos que têm. Esse nosso sentimento de dedicação ao Brasil é uma das riquezas da Alma Portuguesa. Às vezes pergunto a mim próprio se estaremos a fazer tudo, tudo quanto esse sentimento nos obriga”
José Hermano Saraiva, in “A Alma e a Gente”, IV, Ep. 7 – Portugal no Brasil (2006)[vídeo no fim deste “post”]
Com pouquíssimo eco na comunicação social, as declarações proferidas por Flávio Dino, ministro da Justiça e Segurança Pública do Brasil, pela sua gravidade, deveriam ter motivado uma resposta firme por parte do Governo português. Não há reacção conhecida. Para não acirrar ânimos? Talvez.Diz a sabedoria popular que “vozes de burro não chegam ao céu”, mas também que “quem cala, consente”.
Cotejadas as duas expressões, e porque “quem não se sente não é filho de boa gente”, impõe-se algumas observações sustentadas por factos, como se segue.
Flávio Dino milita no Partido Socialista Brasileiro, depois de um percurso político vinculado ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB). É professor de Direito Constitucional e senador pelo Estado do Maranhão, para o qual, como candidato do PCdoB, foi eleito governador, na primeira vez, em Dezembro de 2014.
Nas redes sociais a partir do dia 7 de Novembro, um vídeo que mostrava “uma portuguesa xingando uma brasileira no aeroporto de Lisboa”, invectivando com “vá para a sua terra, estão a invadir Portugal”, suscitou o seguinte comentário de Flávio Dino: “Bom, se for isso, nós temos direito de reciprocidade, não é? Porque em 1500 eles invadiram o Brasil”. E continuou com “concordo, até, que eles repatriem todos os emigrantes que lá estão, devolvendo junto o ouro de Ouro Preto, e aí fica tudo certo, a gente fica quite”. Nesta pérola linguística sobre invasores e espoliados sobressai o “nós” e o “eles” …
Houve ainda comentários de Túlio Gadelha, deputado brasileiro com o cargo de relator da Comissão sobre Migrações Internacionais e Refugiados da Câmara de Deputados, que solicitou ao ministério das Relações Exteriores do Brasil que exigisse esclarecimentos à Embaixada de Portugal no Brasil. Quis “botar faladura” dirigida à turba inculta brasileira que faz ganhar eleições, e dela se aproveitando para atingir desígnios pouco edificantes, pondo-se a par com a agenda da moda. E fê-lo durante uma cerimónia pública, no Brasil.
Não se discute esse acto isolado e grosseiro, xenófobo se não for patriótico, de uma cidadã portuguesa sobre uma cidadã brasileira. Não é importante. Mas é pretexto para que reflictamos, todos, portugueses e brasileiros, ao nível de cada uma das nossas sociedades e de cada uma das nossas governações. Há, aqui e ali, pequenas situações de mau convívio, irrelevantes, que podem envenenar relações que se querem globalizantes, envolventes e de compromisso entre os dois Estados e Povos.
De forma sistémica, não há xenofobia nem racismo em Portugal. Os números registados nas polícias e nos tribunais provam-no. O que há são actos isolados, a que os mal-intencionados, “wokes” e grupelhos com uma agenda de racismo e de supremacia, mas ao contrário, querem dar dimensão institucional ao nível das relações bilaterais entre países. E há quem isto promova no exercício do ministério da Justiça brasileiro.
O Brasil, enquanto colónia, depois como Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (1815-1822) e, por fim, como país independente, foi atractivo para portugueses e para gentes de muitas nacionalidades. Nas últimas décadas não tem sido. Pelo contrário, o movimento é inverso: são os brasileiros a procurar outros países para melhorarem as suas vidas e Portugal é um destino de referência. Pululam: por todo o lado em que se faça uma televisiva entrevista de rua, lá os ouvimos nas mais variadas situações e pelos mais diversos motivos.
São muitos, demasiados, para a nossa dimensão territorial e cifra demográfica. É um problema de escala, não tanto um choque cultural, que está na origem das reacções adversas do português comum aos brasileiros e dos atritos quotidianos nas cidades a que maioritariamente estes últimos afluem para viver: Lisboa, Porto, Braga… É que não basta invocar a reciprocidade: deve haver proporcionalidade. Presentemente, vivem em Portugal cerca de 400 mil brasileiros, com mais de 150 mil a adquirirem autorização de residência durante o presente ano de 2023, dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. E os pedidos não abrandam.
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