Dia: 23 de Novembro, 2023

“Sem um tostão no bolso” e outras maçadas

  • Tendo em atenção os antecedentes, torna-se de novo perfeitamente clara a relação de causa e efeito entre o súbito surto de “queixas” por “xenofobia” e as consequentes “medidas” governamentais destinadas a, conforme diz a própria titular dos serviços que despacham leis, «facilitação da passagem de vistos de residência».
    Os “queixosos”, os que se dizem “vítimas” de “racismo” e de “xenofobia, não são angolanos, moçambicanos, guineenses, cabo-verdianos, santomenses ou timorenses; segunda, que as “razões” aduzidas pela senhora Mendes não passam de mero exercício de verborreia; a uma tão previsível colecção de chavões e expressões “consagradas pelo uso” (como previsto no acordo cacográfico) não se costuma chamar argumentação, coerência, substância, conteúdo político ou sequer honestidade intelectual.
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    A vitimização como arma política – 1]
  • Os acontecimentos mais recentes envolvendo diversos episódios de supostos “racismo, preconceito e xenofobia”, dos quais vão resultando cada vez mais “queixas” que os media exploram até à náusea, servem na perfeição os fins em vista, ou seja, a cada vez mais descarada discriminação selectiva (dita “positiva”, em jargão politiqueiro), privilegiando com prerrogativas exclusivas os imigrantes de uma única proveniência em detrimento de todos os outros e das suas origens geográficas, culturais e identitárias — a começar pelos próprios portugueses, aos quais tais privilégios estão também vedados.
    Estribado na pretensa língua “universau” brasileira (via AO90), o plano de erradicação da Língua e da Cultura portuguesas compreende a táctica de vitimização sistemática como forma de pressão acrescida para “agilizar” e “simplificar” — ou seja, abreviar — o esmagamento da soberania nacional. Esta táctica vai apresentando torções e contorções cada mais imaginativas e chocantemente óbvias, incluindo a vitimização por proxy e sempre contando com o precioso auxílio do chamado coitadismo militante: brasileiros queixam-se imenso de “racismo e xenofobia” e alguns portugueses correm a “solidarizar-se” com eles, coitadinhos, que são tão perseguidos, coitadinhos, e que até não são eles mesmos racistas e xenófobos nem nada, que ideia.
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    A vitimização como arma política – 2]
  • «O poder das palavras ainda é subestimado por muitos de nós, mas, historicamente, as palavras têm sido uma estratégia bastante eficaz para normalizar estereótipos e discursos de ódio destinados a determinados grupos de pessoas, e também para banalizar processos de exploração que foram projectos de Estado.»
    Não deve em circunstância alguma passar incólume nem esta nem qualquer outra manifestação de ódio, de xenofobia de sentido único, isto é, de lusofobia feroz (passe a redundância), de raiva alucinada contra Portugal e os portugueses. Mesmo tratando-se de um case study, algo mais calhado para profissionais de bata branca, que não seja por abstenção ou indiferença (que alguns “pacifistas” fingem ser menosprezo), que não seja pela cobardia instituída (sistemática ou esporádica, tanto faz), enfim, que não seja por falta de vergonha na cara — ao menos isso — que falte a quem escarra no nosso país uma resposta adequada… como, pelo menos, devolver aos remetentes os seus insultos. Caso alguém mais exótico pretenda adornar a devolução com um presente, então poderá embrulhar um colete-de-forças com as seguintes instruções: “depois de enfiar os braços nas mangas, peça a alguém que lhe aperte os lacinhos das costas; mas com força“.
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    A vitimização como arma política – 3]

Dores, dificuldades e paixão: a vida dos brasileiros em Portugal

Comunidade formada por brasileiros é a maior entre os estrangeiros que vivem no país europeu. A xenofobia é crescente, mas há muitas oportunidades para quem deseja mudar de vida
Vicente Nunes — Correspondente
www.correiobraziliense.com.br, 12.11.23

 

Lisboa — A jovem Luíza Gonçalves Cunha nem bem havia começado o curso de direito no Brasil, mas os olhos e a cabeça estavam voltados para Portugal. Era muito comum dedicar horas do dia para estudar sobre o país europeu, que, na visão dela, poderia lhe propiciar um mundo novo, cheio de oportunidades de trabalho. Ela tinha em mente, desde sempre, advogar na área de direitos humanos e entendia que, no Brasil, teria pouco sucesso. Na Europa, porém, o tema sempre foi tratado com muita relevância, sobretudo em terras lusitanas. Não demorou muito para definir onde aportaria tão logo se formasse. A cabeça estava a mil.

Pouco meses depois de pegar o diploma e de acumular algumas decepções no Brasil no mercado de trabalho, Luíza, que completará 28 anos em dezembro, fez as malas e cruzou o Atlântico em busca de seus sonhos. Ao mesmo tempo em que faria um mestrado na área que escolheu, buscaria um emprego para reforçar o orçamento. Afinal, as despesas passariam a ser em euros. Não havia porque queimar rapidamente as reservas que poupou. Logo nas primeiras entrevistas, sentiu o tamanho da barreira que teria de enfrentar.

O fato de ser mulher e brasileira jogava contra ela. Não imaginava que um país integrante da União Europeia fosse tão arraigado a preconceitos. “Ouvia falar, no Brasil, que os portugueses nos viam como prostitutas. Para mim, isso não passava de uma fábula. Mas, tão logo pisei em Portugal, vi que era realidade. Levei um susto”, conta. Luíza, porém, não se deixou intimidar. Conquistado o primeiro emprego, tratou de procurar um imóvel para alugar. Mais uma vez, pesou o fato de ser mulher e brasileira. “Infelizmente, minhas propostas não foram aceitas”, diz. O jeito foi recorrer a uma república. Ali, com jovens portugueses, tinha a certeza de que seria acolhida, sem preconceitos, sem xenofobia. Deu certo.

Poucos meses depois, o mundo de Luíza desabou. Os colegas de república, que, até então, se mostravam acolhedores, colocaram para fora o que tinham de pior. Quando descobriram que a brasileira havia conhecido o namorado dela por meio de uma rede social, o Tinder, simplesmente decidiram expulsá-la da residência. Diante da forma violenta com que foi tratada, ela foi obrigada a chamar a polícia. “Foi terrível”, afirma. Apesar do desapontamento e da raiva, a jovem, em nenhum momento, pensou em abrir mão de seus objetivos e retornar para o Brasil. “Isso não passou pela minha cabeça. Tinha uma meta e os portugueses que me trataram muito mal teriam de me engolir.”

Luíza reconhece que o primeiro ano em Portugal foi terrível, pois enfrentou todo tipo de xenofobia. Agora, dois anos e meio depois de pisar em território luso, tem a certeza de que fez a coisa certa. Não só está muito bem empregada como pesquisadora e gestora de eventos em duas associações, como reabriu o coração para as experiências que a vida lhe tem proporcionado. “Depois de tudo o que passei, me fechei completamente. Agora, estabilizada, me abri para a vida e para as relações e tenho descoberto uma nova geração de portugueses que é muito acolhedora e defensora da diversidade”, ressalta. “Vivi as dores e, agora, saboreio as delícias de ser brasileira em Portugal.

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Luíza Gonçalves Cunha, advogada, moradora de Portugal.

Saúde pesou muito

A baiana Adélia Pauferro, 47, desembarcou em Lisboa há 20 anos certa de que ficaria um tempo curto na cidade, exatamente o tempo de duração do projeto decorrente de uma parceria entre os ministérios da Educação do Brasil e de Portugal. Pedagoga, tinha se proposto a estudar o impacto da cultura popular portuguesa nos países colonizados. A pesquisa, no entanto, foi interrompida antes do tempo previsto. Mas, em vez de retornar imediatamente para Salvador, prevaleceu a vontade de ficar na cidade que a acolheu tão bem. Foi um caso de amor carregado de desafios que ela se impôs. Tinha de dar certo a decisão que havia tomado.

Nos oito primeiros anos, Adélia fez de tudo um pouco. Começou trabalhando em uma loja de acessórios indianos até se tornar representante, em Portugal, de uma empresa alemã de produtos ortopédicos. Ela se deu tão bem nesse ramo que optou por abrir a própria loja para vender essas mercadorias. A partir daí, depois de tantas conquistas, a baiana sentiu o peso de ser imigrante. Em um exame de rotina, descobriu dois tumores, um na sequência do outro. “Logo me veio o questionamento: o que vou fazer em Portugal, longe da minha família, sem recursos financeiros suficientes para um tratamento que poderia ser muito caro?” A resposta dada pelo coração dela foi clara: fique e procure ajuda. E assim se deu.

Adélia recorreu à rede pública de saúde. E, para surpresa dela, fez todo o tratamento de graça, até que os médicos lhe dissessem que ela estava curada. “Me senti aliviada e feliz por, mesmo sendo estrangeira, ter recebido toda a atenção que precisava”, assinala. Saúde estabilizada, a baiana voltou à vida normal. E veio o grande baque. O brasileiro que tinha se tornado sócio dela na loja de produtos ortopédicos deu um golpe, saqueou o negócio e ainda deixou uma penca de dívidas. “Fiquei tão estressada, que desenvolvi uma doença autoimune. Foi tão sério que precisei ser internada por quatro meses e meio. Segurei as pontas e não comuniquei nada a minha família”, relata, sem esconder a emoção.
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