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A “escravização” do Principado da Pontinha (e do Brasil, claro)

Dom Renato I, Príncipe do Principado (nem de propósito) da Pontinha

Daqui do Apdeites, muito sinceramente o dizemos, apelamos a Sua Alteza para que reconsidere, isto é, olhe, ó nosso Príncipe, caramba, vossa senhoria bem vê, nós até lhe pespegámos aqui o comunicadozinho do ano passado, hem, veja lá isso, companheiro, pronto, se tiver de ser, paciência, mas veja se consegue dar um jeito, evitar aqui o estaminé, não custa nada, é só desviar a mira um bocadinho, enfim, faça Vossa Alteza o favor de não nos mandar com “anti-matéria” para cima, porque isto aqui é tudo pessoal bacano, defensores indefectíveis da causa do Principado da Pontinha, todos amicíssimos de D. Renato I e das suas justíssimas pretensões.
[Apdeites – “A III Guerra Mundial é já a seguir”, 01/08/2008]

O que se há-de fazer? É uma fatalidade, um fado. O que mais há por aí é portugueses com “síndrome do colonizador”. A paranóia — ou obsessão ou monomania — está de tal forma arreigada no espírito do chamado “português médio” que dir-se-ia estarmos perante um caso evidente, iminente, perigosamente patológico; para o qual, aliás, dado o enorme número de afectados, não seria possível arranjar em tempo útil um contingente de psiquiatras e outros especialistas em afecções na caixa dos martelos, como carinhosamente diz o povo; ainda que se importassem uns quantos contentores cheios desses profissionais, nem pondo toda a indústria nacional a trabalhar 24 sobre 24 horas no fabrico de sofás seria possível deitar tantos pacientes a debitar suas lamúrias, expiando a “culpa” de Portugal por ter-se atrevido a fazer alguma coisa decente — o que para os padrões actuais da tugaria é absolutamente inadmissível, um pecado horrível.

Claro que para este quadro clínico generalizado em muito contribuem outros fenómenos, igualmente ou ainda mais destrambelhados, como, por exemplo, a viciosa fixação no “gigantismo” (em espécie e em contado) do Brasil que vão revelando amiúde o governador-geral do 28.º Estado e o respectivo governo provincial. Acresce ainda a bovina admiração geral por tudo aquilo que sequer cheire a brasileiro, do futebol às telenovelas, passando pelos rodízios e pela extrema sageza intelectual de um Lula ou de um (ou dois) Tiririca.

É, portanto, neste caldo infecto que estão mergulhados os portugueses em geral e as pessoas decentes em particular, ainda para mais tendo de levar com as constantes queixinhas dos emigrantes brasileiros em Portugal, estudantes ou não, diplomados ou não, completamente analfabetos ou nem tanto.

Entalados entre a lusofobia de uns e a bajulação de outros, assistindo — por regra, mudos e quedos — à terraplanagem cultural, ao esmagamento da Língua nacional, a neo-colonização invertida, ao neo-imperialismo que já ninguém se rala a disfarçar, os portugueses vergastam-se metodicamente.

O texto agora transcrito é uma pequena amostra de todas essas confluências. O tom é tímido, hesitante, como o de um pobre de pedir que ousa aproximar-se de um “senhor”, o chapéu na mão, a espinha curvada, balbuciando desculpas pelos supostos “defeitos” de que o dito “senhor” o acusa… ou, se não acusa, vai acusar com certeza.

Quem sabe se um dia não dará afinal D. Renato I algum jeito. Talvez, depois de resolvidas as minudências com a GNR em que está metido, sirva a sua figura (imponente, como se vê na foto) para recordar o que foi em tempos uma coisa que se chamava Portugal. Quanto mais não seja, as gaivotas que habitam no Principado da Pontinha ficarão cientes desse passado glorioso.


Descobrir os Descobrimentos

Leonídio Paulo Ferreira

 

A luso-americana Deana Barroqueiro, uma romancista que sabe muito sobre história dos Descobrimentos, deu uma entrevista ao Diário de Notícias que teve um título forte, mas perfeitamente sustentado pelas sucessivas respostas: “Os bem-pensantes querem reduzir os Descobrimentos à escravatura, fazendo tábua rasa de tudo o resto”. Foi um sucesso de leitura na edição online do jornal, o que confirma o enorme interesse que a História de Portugal continua a suscitar. Aliás, é esse interesse que também ajuda a explicar a carreira de sucesso da autora, que agora acaba de republicar um livro sobre Bartolomeu Dias, o navegador que em 1488 cruzou o extremo-sul de África, ao qual chamou Cabo das Tormentas, mas depois D. João II preferiu baptizar como Cabo da Boa Esperança.

Se o título da entrevista se referia à polémica que procura tornar os Descobrimentos uma espécie de sinónimo de escravatura, parte das reacções vieram criar outra polémica, desmentindo mesmo que tenha havido Descobrimentos, pois a maioria das terras estavam já habitadas. Ficaria assim o conceito de Descobrimentos, argumentam alguns, aplicado a meia dúzia de arquipélagos, como o dos Açores ou o da Madeira, desabitados aquando da chegada das primeiras caravelas.

Com a devida vénia, cito aqui uma das respostas de Deana Barroqueiro como uma boa definição do que os Descobrimentos foram, de facto : “Os Descobrimentos Portugueses – e Espanhóis – com todos os seus defeitos, levaram o conhecimento do Ocidente para o Oriente e vice-versa, fazendo, além disso, a primeira globalização da Época Moderna, que provocou uma espantosa revolução, progresso e transformação do mundo, que já não voltou a ser o mesmo, não só a nível das Ciências, mas também das Artes, das Letras, das técnicas e das mentalidades. E, acima de tudo, na alimentação e na culinária dos povos contactados, que se enriqueceram com a troca dos produtos (e as receitas dos nossos pratos) que os portugueses levaram da Europa, mas também do Novo Mundo (Brasil), para África e Oriente, e que trouxeram de lá para cá. Portugal estava à frente de todas as nações europeias, no período dos Descobrimentos, com saberes não só teóricos, mas de experiências feitos. Tínhamos os melhores cientistas – geógrafos, astrónomos, cartógrafos, biólogos, físicos [médicos], boticários [farmacêuticos], engenheiros e inventores, construtores de navios, historiadores, letrados, entre outros. As suas obras, copiadas pelas nações europeias mais avançadas, desfaziam mitos, superstições e ignorância, consagrados durante toda a Idade Média, abrindo as mentalidades para uma nova era de Conhecimento, apoiado em provas dadas pela experiência de muitos, pela descoberta de mundos e povos desconhecidos, em zonas que se julgavam inabitáveis, pela nova configuração dos continentes, desenhados milha a milha pelos nossos navegadores nas suas cartas de marear, que os espiões estrangeiros procuravam obter a todo o custo.”

Entre os tais “defeitos” está a escravatura, sem dúvida, sobretudo o tráfico negreiro transatlântico que os portugueses iniciaram no século XV e os brasileiros, já independentes, praticaram até bem dentro do século XIX. É um legado pesado, que merece reflexão, sendo certo que a escravatura marcou a humanidade em todas as épocas e latitudes até ao extraordinário triunfo do movimento abolicionista.

Descobrir foi um processo em dois sentidos. Lembro uma conversa em Nagasáqui em que japoneses me recordaram que graças aos portugueses descobriram o mundo. Um pouco a ideia que já vi defender um dos nossos mais prestigiados historiadores, João Paulo Oliveira e Costa, quando diz que os Descobrimentos fizeram os europeus descobrir o que havia longe e os que lá viviam e aos que viviam longe descobrir os europeus, na realidade fazendo o mundo auto-descobrir-se, pois antes das caravelas portuguesas e espanholas não havia sequer noção do que era.

Nisto de Descobrimentos, e para ajudar a perceber o conceito, sublinho sempre que a historiografia portuguesa nunca reivindica a descoberta da Austrália, por muito que seja provável (e até possam existir provas) de visitas ou avistamentos da costa norte no século XVI, muito natural para quem chegou a Timor. Não houve descoberta da Austrália pelos portugueses pois a gigantesca ilha não entrou nessa época na pioneira globalização iniciada com Vasco da Gama. Dizer que descobrimos a Austrália seria como dizer que os vikings descobriram a América. Nunca se tratou apenas de chegar a um sítio – fosse a Madeira ou o Japão -, mas sim de esse sítio, e as suas populações havendo-as, passarem a estar em contacto com o resto do mundo.

Estude-se os Descobrimentos. Ou então leia-se um bom romance por eles inspirado. Critique-se o que houver a criticar, mas não se negue o óbvio: foram um momento de transformação do mundo, é impossível pensar o mundo de hoje se não tivesse havido Descobrimentos. Parabéns Deana Barroqueiro pelos belos livros que tem escrito, parabéns também pela entrevista informada e frontal.

Leonídio Paulo Ferreira – Director adjunto do Diário de Notícias

[Transcrição integral. Cacografia brasileira corrigida automaticamente. Destaques e “links” meus.
Foto do “Príncipe D. Renato Barros I” de: Joana Sousa / ASPress (“Correio da Manhã”).]

«O carinho da nossa relação»

«Não te empenhes em adquirir riquezas, nem gastes a tua inteligência com isso, pois basta olhares e já não existem; baterão as asas como a águia e voarão pelo céu.»
(BÍBLIA, Provérbios, 23 – 7)

Brasileiros e nós

Há várias maneiras de ver a comunidade brasileira em Portugal e uma delas é o número: 300 mil. Impressiona certamente, até por ser um recorde para Portugal, país por tradição mais habituado a ser de emigrantes do que de imigrantes. Mas a propósito desta visita do presidente Lula da Silva e do reatar das cimeiras luso-brasileiras, dei por mim a pensar em nomes e mais nomes de gente que nasceu no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Curitiba, em Salvador, no Recife ou até em Belém, com quem me fui cruzando nestes últimos anos, com maior ou menor intimidade, e que tanto contribuem para hoje um Portugal mais diverso sim, mas sobretudo mais rico. Vou citar alguns, só para dar exemplos: Álvaro Filho, jornalista que já publicou no DN e senhor de grande cultura e de uma escrita criativa: Ricardo Bernardes, maestro que organiza concertos em que não esquece compositores que de alguma forma uniram os dois lados do Atlântico; Paulo Dalla Nora Macedo, que fez do seu Cícero Bistrot tanto um restaurante de nível em Lisboa como uma galeria de arte e ainda organiza tertúlias que falam do Brasil e de Portugal; Luciano Montenegro Menezes, CEO do WTC Lisboa; Paula Cajaty, que fez de Portugal a casa da sua editora Gato Bravo; e evito de propósito falar de tantos diplomatas que conheci, com quem fui aprendendo sobre esse gigante com mais de 200 milhões de habitantes e quase cem vezes maior do que o antigo colonizador. Alguns até me ajudaram quando preparava uma tese de doutoramento sobre o reconhecimento da independência do Brasil; bem, farei uma excepção nisto dos diplomatas. Não vou referir nomes de anteriores embaixadores, até por respeito com o actual embaixador, Raimundo Carreiro Silva, que hoje publica no DN um artigo sobre as relações entre os dois países, mas sim o de um ex-conselheiro cultural, Carlos Kessel, um apaixonado por Eça de Queiroz, tão conhecedor da obra do escritor do século XIX como dos que a estudam, que foi quem, a partir de Barbados, onde agora é ministro-conselheiro, me alertou da morte de Alfredo Campos Matos no início do ano. Campos Matos era o autor de Dicionário de Eça de Queiroz e certamente dos que mais sabia[m] do romancista e diplomata que na juventude foi repórter deste jornal.

Brazil, Rio de Janeiro, Rua Luís de Camões, Real Gabinete Portuguez de Leitura.

Durante séculos, Portugal foi dando gente ao Brasil. Mais ainda depois da independência. E hoje lá viverá um milhão. Uma das maravilhas do Rio de Janeiro é o Real Gabinete de Leitura, construído pela comunidade portuguesa, clubes como o Vasco da Gama e a Portuguesa foram fundados por emigrantes e Carmen Miranda saiu de cá com dez meses. Hoje é o Brasil que dá gente a Portugal. Daí o português doce da senhora da pastelaria ou do barbeiro. Quem como eu ficou deslumbrado na infância por telenovelas como Roque Santeiro e pelos programas de Jô Soares aprecia a pronúncia de além-mar, tão linda na música popular brasileira.

É importante construir uma boa relação entre Portugal e o Brasil. E equilibrada. Temos de ter noção de que o Brasil é muito mais central para nós do que Portugal para os brasileiros. Mas não deixa de ser um país das oportunidades, um irmão de língua, um parceiro com quem devemos ambicionar sempre mais, até no desenvolvimento das parcerias económicas, pois é um colosso agro-industrial e também tecnológico. Quanto à comunidade brasileira, que se integre, pois só pode ser bem-vinda num país que, voltou esta semana a sublinhar a ONU, há muito que não tem os dois filhos por mulher que permitem substituir as gerações.

Por culpa das disputas políticas portuguesas, e depois também do próprio pelas declarações sobre a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, esta visita de Lula tem estado envolvida em polémica. Tal não irá desaparecer de um momento para o outro, mas é importante que não se perca de vista o essencial: é muito importante para Portugal uma muito boa relação com o Brasil.

[Transcrição integral. Cacografia brasileira corrigida automaticamente.
Destaques e “links” meus”. Inseri imagens.]

(…) o objectivo é promover os interesses geoestratégicos do Brasil, aproveitando as raspas dos negócios (estrangeiros), se possível, isto é, correndo atrás das migalhas que porventura possam sobejar dos milhões traficados entre o “país-continente” e, por exemplo, o petróleo venezuelano, a carne argentina, as minas chilenas e até, se calhar, nunca se sabe do que são capazes os meliantes da “língua universáu”, produtos da Colômbia. Uma versão revista e aumentada da CPLP, por conseguinte, sustentadas ambas as teatralizações pela patranha fundamental, aquilo a que chamam “difusão da língua“; da língua brasileira, bem entendido, porque, dizem os mesmos, “eles são 220 milhões e nós somos só 10 milhões“. O Estado português, que paga a CPLP e as demais despesas das negociatas, incluindo os “pacotes” de “turismo linguístico” (…) [post “Uma questão de milhões”, 12.03.21]

“Temos de aumentar o nosso investimento no Brasil”, apela António Costa

Diogo Ferreira Nunes
“ECO”, 24 Abril 2023

 

António Costa quer que as empresas portuguesas invistam mais no Brasil. O primeiro-ministro exortou os empresários nacionais a apostarem mais neste mercado tendo em conta o potencial que existe. O Presidente do Brasil reforçou que Portugal é a porta de entrada para a Europa e que a língua facilita os contactos empresariais.

“Somos o 18.º investidor no Brasil. Francamente, 18.º não é a nossa posição. Temos de aumentar o nosso investimento no Brasil“, sinalizou António Costa durante a abertura do Fórum Empresarial Portugal Brasil, que decorre em Matosinhos nesta segunda-feira. Perante mais de 120 empresários no auditório do CEiiA, o primeiro-ministro português também convidou os empresários brasileiros a investirem em Portugal.

A aposta nas energias renováveis, o ecossistema “muito dinâmico” de empreendedorismo e o regime “bom para acolher investimento em inovação”, através das zonas livres tecnológicas foram três dos elementos identificados para o Brasil apostar mais em Portugal. O líder do Governo português sinalizou ainda a parceria do CEiiA com a Embraer e a Força Aérea Portuguesa para o desenvolvimento do avião militar KC-390 e também do “Super Tucano”.

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Lula quer empresários portugueses e brasileiros a partilharem empresas

Diogo Ferreira Nunes
“ECO”, 22 Abril 2023

Lula da Silva voltou a assinalar que o Brasil “está de volta” e que está a recuperar o investimento perdido durante os tempos de Jair Bolsonaro e de Michel Temer. Só em infra-estruturas, serão 23 mil milhões de reais de investimento em 2023. No entanto, para captar os empresários, é preciso mais. “Sem estabilidade política, social e jurídica, ninguém vai colocar um centavo no país”, sinalizou.

O chefe de Estado brasileiro também referiu que é necessário tratar da “credibilidade” e uma “relação directa com o país”. Afastadas estão novas privatizações. “Queremos convidar é os empresários a fazerem parcerias.” Lula da Silva referiu ainda que “o Brasil está preparado para voltar a ser um país grande”.

25 de Abril de 2023

A dois dias do fórum económico que vai decorrer no Porto, o chefe de Estado brasileiro anunciou que a agência de promoção de investimentos, a Apex, vai abrir um escritório em Lisboa. O objectivo é “mostrar a seriedade e o carinho da nossa relação”, assegurou Lula da Silva. A Apex é o equivalente no Brasil à agência portuguesa AICEP.

Lula da Silva reforçou a mensagem da recuperação com o Brasil com o facto de ter “14 mil obras paralisadas” na área das infra-estruturas e de “4.000 obras paralisadas” só na área da educação. O Presidente do Brasil notou ainda: “Portugal, para nós, não é um país estrangeiro. É uma extensão da nossa casa. É assim que precisamos de nos relacionar”.

«Soares e Lula da Silva apresentam livro de Sócrates sobre tortura em democracia» [“Jornal de Negócios”, 14.10.2013]

Do lado português, António Costa garantiu que as cimeiras luso-brasileiras “voltarão a ser anuais” e sinalizou os 13 acordos assinados neste sábado. O documento prevê, por exemplo, as equivalências no ensino básico e secundário, o reconhecimento mútuo das cartas de condução entre os dois países e o alargamento da parceria com a Embraer na reparação de material militar brasileiro na aviação.Também foi assinado um memorando no domínio da energia com o objectivo de promover “o desenvolvimento e a implementação da cooperação institucional, técnica e científica, bem como a partilha de conhecimento, e incentivar a realização conjunta de programas, projectos e actividades. Estão previstos “programas e iniciativas de eficiência energética, na integração de electricidade de base renovável na rede, no armazenamento de energia e de combustíveis renováveis, como o hidrogénio e o bio-metano.Na área da geologia e minas, o executivo nacional e o brasileiro dizem querer “promover o desenvolvimento e a implementação da cooperação institucional, técnica e científica, bem como a partilha de conhecimento, e incentivar a realização conjunta de programas, projectos e actividades”. Este compromisso prevê “a constituição de parcerias, partilha de conhecimentos na pesquisa geológica e na exploração mineral e a contribuição para a transição energética sustentável na óptica da verticalização do sector”.

[Ambas as transcrições de textos do “ECO” são integrais. Inseri imagens.
Cacografia brasileira corrigida automaticamente. Destaques e “links” meus.]

Fica assim, portanto, escarrapachada (…) a verdade nua e crua sobre as reais finalidades políticas e empresariais do #AO90. Já ninguém voltará a dizer “não percebi, faz-me um desenho”.
Aí está, enunciada com toda a clareza, a estratégia urdida ao longo das últimas três décadas: a “língua universau” brasileira, funcionando como pretexto “ideológico” para dar cobertura política à CPLB, resulta naquilo que o agora citado pau-mandado formula como sendo «a criação de uma primeira “cidadania da língua” na história universal.»
Tal cidadania (da língua brasileira, repita-se) acarretará as mais óbvias implicações, tanto as já aqui profusa e repetidamente documentadas como aquelas que, embora previsíveis, como foi agora exarado, pelo que podem os adeptos da brasileirofonia ficar descansados, «o ‘premiê’ português sabe disso e vai lutar em Bruxelas por um regime especial de cidadania para os cidadãos dos países de língua» brasileira. [post «Portugal, um Estado brasileiro na Europa», 01.09.22]

Traduções Galego/brasileiro e brasileiro/Português

«O Ministério brasileiro da Integração Nacional participou em outubro da 1ª Missão Técnica de Cooperação Transfronteiriça realizada no Eixo Atlântico, quando pode conhecer instrumentos de trabalho e integração entre as regiões de Galícia, na Espanha, e Viana do Castelo, em Portugal.» [https://www.mundolusiada.com.br/acontece/galiza-brasil-conhece-politica-de-fronteira-entre-espanha-e-portugal/]


Olh’à desinformação fresquinha, ó: «Faz sentido dizer português de Portugal e português do Brasil ou português de Angola?»

Bom. Perguntar não ofende, certo? Certo. E responder também não.

Claro que faz todo o sentido! A gramática — ortografia, sintaxe e morfologia — do Português de Angola é a mesma do Português de Portugal (e de Moçambique e de Cabo Verde e da Guiné-Bissau e de São Tomé e Príncipe e de Timor-Leste e até de Macau ou Goa). As diferenças — que o não são de facto — limitam-se a entradas lexicais, dicionarizadas ou não, em consonância com a identidade nacional representativa dos povos que integram as diversas ex-colónias portuguesas nos continentes africano e asiático. Esta realidade comprovável contrasta flagrantemente com a ligeireza da língua nacional “adotada” — apenas tendo como base primeva o Português — pelo meio-continente brasileiro, a metade Leste da América-do-Sul, grosso modo.

Tentar criar uma espécie de analogia por arrombamento entre duas realidades diametralmente opostas é não apenas intelectualmente desonesto como, atalhando argumentos e simplificando adjectivações, tentar promover a verdade incontestável uma patranha do tamanho do planeta Júpiter. Não será por alguém usar um pé-de-cabra mental, no caso através de uma comparação absurda (porque não existe qualquer semelhança entre o Português de Portugal e Angola, por um lado, e a língua brasileira, por outro), que alguém com um mínimo de tino irá conceder o mais ínfimo crédito à “tese” imperialista. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Ponto final. Parágrafo.

Daí a relevância — para variar — da conclusão que o próprio arguido pelo arrombamento formula com inusitada e contra ele mesmo irónica precisão: «As denominações não são neutras nem neutrais (ainda que podem acabar neutralizadas), indicam interesses.» Oh, sim, sim! Ah, pois são, pois são, pois indicam, indicam mesmo!

E resulta claro como água quais são esses interesses, e de quem, e para quê ou porquê. Basta atender à baralhação das designações e também ao efeito retórico pretendido com a operação algébrico-cavernícola: de uma raiz quadrada de um quadrado a multiplicar por um factorial de zero pretende-se extrair a fórmula química da pedra filosofal. Para pendurar ao pescoço, presumo.

E ainda, mais reconhece o próprio, não deixando de continuar a surpreender pela franqueza: «dependerá da capacidade de imposição e de aceitação das/os agentes que nele actuem».

Humilde raciocínio do qual sai com alguma elegância, se bem que também com brutalidade, usando desta vez a técnica bélica da rajada: «o grave é funcionar com a crença de sentir-se donos da língua. Grave, grave é andar “traduzindo” de Portugal para o Brasil e vice-versa. “Traduzem” do português para o português: vergonha para as políticas da língua. É tudo irresponsável para alguns ganharem à custa deste despropósito.»

Não é fantástico? Exactamente! Na mouche! É isso mesmo o que sempre se fez, continua a fazer-se e no futuro se fará, por mais “língua universau” que nos tentem impingir. Bom, se calhar é melhor nem comentar os balázios do indivíduo, à uma para não tirar lustro aos tirinhos, às duas porque sim, quem se atravessar cai logo, varado, lá diz o povo, é cada tiro, cada melro. “Donos da língua”, pim. “É tudo irresponsável”, pam. “Alguns”, pum. Ou seja, ele e os seus compinchas portugueses e brasileiros.

Todo o textículo é de facto um monumento. Esmiuçado seria porventura menos impressionante, estou em crer, (por exemplo, aquela outra relação de causa e efeito em “por causa da internet” é de uma comicidade inimitável) mas já sabemos que os ataques de riso podem ter consequências graves para a saúde, a coisa pode até matar, veja-se o que faz o óxido nitroso, e por conseguinte será decerto melhor deixar a deglutição da pastilha para o venerável leitor. Que não deverá, caso escape ao acesso de gargalhadas, assustar-se com as enormidades sortidas (claro, a rapsódia habitual, a da “Pharmacia”, tinha de constar, como sempre, ele o Inglês e o Francês são línguas muito atrasadinhas, coitadinhas) que o depoente galego vai espalhando, como quem atira pérolas a porcos, toma lá, Reco, atão vá, Miss Piggy.

Não é o remate dele mas eu cá, com o devido respeito, por aqui me fico: «a sobreposição do espanhol é esmagadora.» Como o brasileiro, portanto. Questão de números.

Como se a Língua fosse uma contagem de cabeças de gado: se as reses forem muitas, é uma manada; se forem poucas são descartáveis, matadouro com elas.

Cuidado, cowboy. As vacas investem tanto como os bois. Empurrados para um canto, cercados, tanto o boi como a vaca marram. E marram bem.

″Grave, grave é andar ‘traduzindo’ de Portugal para o Brasil e vice-versa″

www.dn.pt, 17 Maio 2022
Leonídio Paulo Ferreira

 

[legenda de foto] Palestra de Elias Feijó integra ciclo “Diversidade Cultural para o Diálogo e o Desenvolvimento”, organizado pelo Instituto de Altos Estudos da Academia das Ciências de Lisboa.

………………

Faz sentido dizer português de Portugal e português do Brasil ou português de Angola? Não pode caminhar o português para ter cada vez mais variantes nacionais mas ao mesmo tempo, por causa da internet, assistir a certa padronização?

O seu sentido é identificar se há variantes que sejam úteis para alguma cousa. A algumas pessoas podem ser úteis para diferenciar-se ou afastar-se e mesmo podem acabar falando de brasileiro ou angolano. As denominações não são neutras nem neutrais (ainda que podem acabar neutralizadas), indicam interesses. O relevante é que todas as variantes se sintam incluídas no termo e no conceito “português”. A internet pode fomentar certa extensão de usos comuns, como também pode fazer aflorar variantes; dependerá da capacidade de imposição e de aceitação das/os agentes que nele actuem. O importante é não ter medo aos fluxos da língua nem às pessoas e comunidades que a usam. Há suficientes elementos, organizacionais e institucionais, que garantem a sua unidade. A partir de aí, a língua são oceanos onde toda a gente deve sentir o prazer de navegar. Sem patrões! Atenção: sem donos!

A polémica sobre o Acordo Ortográfico faz sentido para si? O Diário de Notícias, que tem mais de século e meio, já seguiu vários acordos. Nas edições mais antigas, por exemplo, existe “Pharmacia”.

Pois é! E, mesmo assim, com uma ortografia bem distante e, em caso, caótica, como é sabido, a intelectualidade galeguista dos século XIX e XX, de Manuel Murguia a Daniel Castelao, reconhecia nela a unidade linguística! Cito um provérbio da minha terra: “melhor um mal acordo que um bom preito“. Eu, galego, numa situação sociolinguística tão precária para o galego, nome que dou à língua que no mundo se conhece como português e, por razão do ofício, um pouco conhecedor do mundo de língua portuguesa, não entro já a discutir as soluções propostas nem, mesmo, as ambiguidades. Quero acordos. Num par de gerações, ninguém se irá lembrar disto; o grave é funcionar com a crença de sentir-se donos da língua. Grave, grave é andar “traduzindo” de Portugal para o Brasil e vice-versa. “Traduzem” do português para o português: vergonha para as políticas da língua. É tudo irresponsável para alguns ganharem à custa deste despropósito.

Até que ponto português e galego são a mesma língua ou já duas línguas diferentes?

(mais…)

O pesadelo do Brasil

Senhor, em todo tempo, em toda idade,
Diante reis, diante emperadores,
Tiveram sempre as Musas liberdade;
Ou pera celebrar com seus louvores
Aqueles que por seus ilustres feitos
De fama vêm a ser merecedores;
Ou para reprender claro defeitos
Doutros qu’a torpes vícios entregaram
As obras, as palavras, os conceitos.
[Diogo Bernardes, Carta XXIX, 1-9 (1591)]

O núcleo deste “post”, espécie de presigo* caso se tratasse de refeição, é a mais recente entrevista de Carlos Fino — um valente sem papas na língua — ao “Diário de Notícias”. Este prato, como poderá comprovar qualquer leitor que o prove, é servido pelo escriba de serviço com os truques culinários do costume, sempre tentando realçar uma suposta condescendência do entrevistado para com as atávicas torções dos brasileiros em relação a Portugal, mai-los tradicionais insultos à nossa História com que os ditos indígenas mimoseiam amiúde os papalvos que em Portugal vergam com gosto a cerviz a qualquer enxovalho deglutido por matilhas semi-selvagens de “irmãos” e “primos” de uns quantos “pacifistas” do lado de cá. No entanto, também como de costume, nem essa desesperada tentativa de temperar a mistela consegue ao menos atenuar o travo insuportavelmente amargo da (triste, miserável) realidade: de facto, não há nada que enganar, malhar no tuga é o desporto nacional do Brasil; o futebol e o samba não passam de entretenimentos publicitários para encher os intervalos entre os espectáculos de matatuga em sessões contínuas.

Compondo o prato principal, temos como acompanhamentos (ou conduto**) dois vídeos que ilustram algumas das referências enumeradas pelo jornalista para ilustrar a sua mais do que óbvia e flagrantemente verídica tese: figuras da Corte portuguesa no Brasil transformadas em grotescas personagens de tele-novelas (a circense é a única indústria brasileira rentável); numa terceira gravação, o Professor José Hermano Saraiva lecciona uma das suas aulas televisivas, precisamente sobre aquilo que designa como “O Sonho do Brasil”. Sonho esse que agora se revela como aquilo que na verdade sempre foi — um pesadelo.

Como se não bastasse a indiferença generalizada, o encolher de ombros característico, o santo-e-senha “pronto, já está, paciência”, há uns patuscos patrícios, artistas de variedades para figuração, profissionais da escrita mercenária, intelectualóides armados em linguistas, pagos à peça, uns quantos medíocres actores e até políticos (incluindo o próprio Presidente da República) que na Tugalândia bajulam e vão ao extremo de imitar os mastins, os portadores do vírus da raiva anti-lusitana que ladram do lado de lá do Atlântico.

Reacções? Nenhuma. Um assomo de indignação? Dois séculos de nada. Vergonha na cara, ao menos? Não, parece que não há disso nos mentideros dos “notáveis”. Há por aí uma gentinha extraordinária que não admite “guerras Portugal-Brasil” mas que se delicia com prazer se for a pancadaria ao contrário; acham perfeitamente que primos bastardos lhes insultem a Mãe.

Talvez ainda hoje Bernardes e Camões tenham acertado no busílis da questão. Atribuíam no século XVI a decadência ao que então se designava como “torpes vícios”. Bem, pelo menos quanto a “obras, palavras e conceitos” estavam carregadinhos de razão.

Principalmente os “torpes vícios” dos ataviados que em Portugal obedecem à voz do dono e ronronam de gozo pelos pontapés que ele faz o favor de lhes dispensar.

*[na acepção popular do termo, prato principal]
**[na acepção popular do termo, acompanhamentos do prato principal]


″A narrativa dominante no Brasil apresenta os lusitanos como povo estrangeiro que veio para explorar e depois se foi embora″

 

Foi logo em 1822 que o Brasil começou a negar a origem portuguesa para se justificar como país ou esse afastamento foi sobretudo obra da república, para minimizar a era imperial sob a égide dos Bragança?
Leonídio Paulo Ferreira
www.dn.pt, 16.01.22

 

O afastamento começa em 1822, ainda antes da declaração da independência, quando os portugueses do Brasil, com D. Pedro e José Bonifácio à cabeça, procederam à inversão de sentido com que justificaram a separação. Aqueles mesmos que tinham sido até aí os maiores expoentes do antigo regime, apresentaram-se como vítimas da “tyraniaportugueza”, inaugurando assim – como escreveu Eduardo Lourenço – “o discurso ressentido de uma nação sem pai“. Logo na primeira metade do século XIX, os liberais brasileiros, na Oposição, começaram também a criticar “os males que vinham do passado” – absolutismo monárquico, centralização política, escravatura… Desta forma, o passado herdado pela independência deixou de ser considerado herança benigna – como defendia Varnhagen, pai da historiografia brasileira – para se transformar num pesado fardo. A partir de 1889, a república agravou tudo – sobretudo no período jacobino, quando os portugueses passaram de parentes próximos a inimigos. Num contexto de intensa disputa pelo mercado de trabalho, em que os imigrantes ocupavam o lugar dos escravos, os lusitanos foram apontados como culpados de todos os males imputados à monarquia. Em mensagem ao presidente Floriano Peixoto, que cortou relações com Portugal, o clube dos jacobinos de São Paulo prometia combater os estrangeiros “especialmente os portugueses, raça inferior, povo refractário ao progresso, nosso inimigo de todas as épocas, causador de todos os nossos males e do nosso atraso!” Foi a república aliás, que – 100 anos depois da independência – criou Tiradentes. Ele tinha a seu favor a data de nascimento – 21 de Abril, convenientemente um dia antes do aniversário da chegada de Cabral, que se queria apagar.
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