Ex.ma Senhora Directora do “Público”,
Começo por, mais uma vez, agradecer ao “Público” a posição que lúcida, frontal e corajosamente assumiu e mantém contra o Acordo Ortográfico de 1990 (AO90). E acrescento que não compro nem leio nada que o aplique (nem sequer os artigos de opinião do “Público”): se escrevem e publicam para analfabetos, faço-lhes a vontade e deixo-os para esses leitores. E não reconheço nenhuma credibilidade a quem vem falar de democracia usando uma ortografia que nos está a ser imposta ditatorialmente, num processo político todo ele obscuro, secreto e indigno. Aliás, bastaria realmente ‘ler’ o AO90 e a respectiva Nota Explicativa, assim como o inqualificável “Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa”, para confirmar o que acabo de dizer.
Posto isto, quero exprimir a minha incompreensão e desagrado pelo facto de, na entrevista a António Costa publicada a 17 de Junho, os jornalistas do “Público” não terem questionado este candidato a primeiro-ministro sobre a questão do AO90, contribuindo assim para a manutenção do tabu que tem impedido a discussão e o debate nacionais que este assunto exige.
Henrique Neto primeiro e Sampaio da Nóvoa depois, ambos candidatos à Presidência da República, tiveram o mérito de referir a necessidade de discutir o AO90. Mas as eleições legislativas são já em Outubro, é urgente pôr cobro a esta aventura desastrada, e é portanto agora que nós, portugueses eleitores, precisamos de saber claramente o que têm a propor-nos todos os partidos que tencionam concorrer. E os media não podem continuar a fugir às suas responsabilidades e a permitir que os políticos façam de contas que isto é consensual e que não há problema nenhum.
O próprio Malaca Casteleiro afirmou que o AO90 não é uma questão linguística, é uma questão política. De facto, do ponto de vista linguístico, como demonstraram inúmeros pareceres dos especialistas, o AO90 é desnecessário, inútil, indefensável e nocivo. Mas os políticos que nos têm governado insistem em impô-lo ao país, com todas as consequências desastrosas previsíveis e já visíveis, para o português euro-afro-asiático-oceânico.
Além dos aspectos nefastos que representa para a nossa língua – nomeadamente as alterações da nossa pronúncia, que fatalmente provocará, a ‘desalfabetização’ em curso dos portugueses, a insegurança generalizada no que toca à ortografia – a pseudo-unificação ortográfica que o AO90 propõe acabará, a prazo, por banir o português europeu do universo informático, impondo por toda a parte o português brasileiro. Os sinais já se fazem notar: o Windows 10 só admite a ‘nova’ ortografia e muitas vezes as informações disponíveis em português, na Internet, já trazem sintaxe e vocabulário muito pouco europeus.