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Galiza: ontem e hoje de um genocídio linguístico – V [por Bento S. Tápia]

La Coruña Galicia - España.jpg

Da teoria à prática

Vejamos agora quais são os mecanismos que desenvolvem os poderes dominantes na Galiza para impor a normativa castelhanizante no Idioma e dissolver a identidade galega, os quais podemos localizar em âmbitos muito diferentes.

No Ensino, o galego-português escrito em castelhano (coloquialmente conhecido como castrapo), é o ensinado nas Escolas e Liceus da Galiza, exceptuando alguns poucos centros onde a equipa de professores acordou ensinar a normativa chamada “de mínimos”, moderadamente reintegracionista. Em troca, a normativa própria da nossa Língua, coerente com os critérios científicos e histórico-etimológicos, é ignorada, deturpada ou falseada: chegam-se a dizer dos seus defensores inexactitudes como a de que pretendem substituir o galego pelo português (!) ou a de que defendem que o galego desaparecerá e que o único caminho que nos resta é falar e escrever português; nestas inexactitudes está implícita, ademais, a não distinção elementar entre nível oral e nível escrito de um idioma, misturando e confundindo arbitrária e interesseiramente os dois.

Se algum professor reintegracionista se “esgueira” e pretende explicar aos seus alunos as ideias e argumentos daqueles que defendemos a unidade da Língua, pode ocorrer que em breve apareça com a maior das legalidades a Polícia linguística para abrir expediente, investigar ao infractor e avisá-lo “cordialmente” dos possíveis e negativos efeitos do seu proceder.

Falar de como os conteúdos dos livros de texto estão subordinados aos propósitos do poder exigiria específico, demorado e pormenorizado estudo; basta dizer que neles é constante a apresentação de textos literários alterados ortograficamente com respeito à sua redacção original para adaptá-los à normativa castelhanizante, textos que abrangem desde a poesia lírica medieval até aos autores e pensadores galegos do passado século e deste: Eduardo Pondal, Risco e um longo etcétera. Pretende-se assim ocultar aos escolares galegos a verdade histórica da sua Língua e de qual foi o seu código ortográfico e o pensamento e a a prática de quem o defendia.

Outra prática habitual das primeiras lições dos livros de texto de Língua Galega são exercícios pondo em paralelo um texto escrito em castrapo e outro redigido em português para “diferenciar galego e português” (!).

E não acabaremos sem mencionar como os livros de texto ocultam sistematicamente o pensamento reintegracionista pró-português dos escritores e pensadores galegos do passado, que já citámos acima, pensamento que seria altamente comprometedor para os interesses do poder. A desvergonha chega até a trair a memória dos mortos, querendo assimilar o seu pensamento ao do poder dominante e dizendo que se tal ou tal figura estivesse viva apoiaria a política linguística que se está a praticar hoje, afirmação que qualquer mínima leitura do pensamento patriota galego do passado demonstra ser uma descomunal mentira.

Capítulo especial merecem as editoras e a criação cultural: Após a imposição da normativa castelhanizante, o primeiro passo que deu o poder oficial galego foi procurar concentrar nas suas mãos todo o controlo possível sobre o mercado das edições de livros em galego. Para isso foram literalmente compradas com dinheiro as duas editoras mais importantes em tal âmbito, Galáxia e Xerais de Galicia, sucursais das editoras espanholas SM e Ediciones Generales Anaya. Assim, a Junta de Galiza impunha-lhes a obrigação de utilizar nas suas publicações as normas castelhanizantes e fornecia-lhes em troca um negócio cujos benefícios eram fabulosos: o monopólio dos livros de texto obrigatórios para o Ensino, entendendo como tais os manuais e os diferentes livros de leitura obrigatória. Além disto, a estas editoras é encomendada a publicação, generosamente subsidiada, de outros livros e colecções, como por exemplo a chamada “Biblioteca Básica da Cultura Galega”, da Editorial Galáxia e patrocinada pelas Deputações Provinciais de Galiza.

A chantagem do dinheiro amplia-se a toda e qualquer publicação, que só pode aspirar a receber subsídios oficiais se respeita submissamente as normas do castrapo. Não nos deveria enganar o facto de que em determinadas publicações, de âmbito de influência restrito a uns quantos especialistas, se possa publicar em português, como é o caso do Boletim de Filologia VERBA. É que enquanto se usa o português como língua estrangeira não há qualquer problema, este surge quando o português e o seu código ortográfico são admitidos e assumidos como próprios para a Língua de Galiza.

A negação de toda a ajuda à publicação em galego legítimo, além de ir contra a liberdade criativa e ser uma cadeia para o pensamento, visa a eliminação e/ou marginalização das publicações na nossa Língua na Galiza.

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Galiza: ontem e hoje de um genocídio linguístico – II [por Bento S. Tápia]

Igrexa de Santa María de Sendelle, Boimorto.jpg

Breve história da nossa língua na Galiza

Entender e perceber todas as dimensões da situação que hoje atravessa o português na Galiza exige um conhecimento sequer sucinto, da sua história. Recuemos pois ao século V, quando Roma, enfraquecida, abandona os seus domínios no leste peninsular. Da desagregação do Latim falado surgiu o idioma que hoje, com as suas variantes a todo o longo da faixa atlântica peninsular, ainda nos une aos que nela vivemos a jeito de vínculo sagrado pela história. Nessa Língua deu Galiza à cultura europeia medieval a grande achega da poesia lírica e satírica dos cancioneiros: e, dentro da primeira delas, está esse tesouro originalíssimo das Cantigas de Amigo, postas sempre em boca de uma mulher e cheias da emoção e delicadeza-tão condizentes com a alma galega. São temas e estilos bem diferentes aos dos coevos cantares de gesta da épica castelhana, testemunhas de um povo e um carácter rudes e belicosos, alheios ao afecto, lirismo e ternura presentes na alma galega. Tanto é assim que até no século XIII, quando já na Galiza o vigor da sua cultura declinava pela perda da sua independência política e a sua vinculação a Castela, o próprio rei Afonso X, o Sábio (em cujo reinado se cria a prosa literária e científica castelhana em detrimento do galego), fará a última grande contribuição à lírica da nossa Língua: a recompilação das Cantigas de Santa Maria, de algumas das quais é possível fosse autor, compêndio da lírica sacra galego-portuguesa e, paradoxalmente, momento a partir do qual começa a agonia literária do nosso Idioma na Galiza.

Incorporada a Castela politicamente, Galiza começou desde então o seu ocaso como nação: grandemente prejudicada pelos conflitos civis do reino castelhano, nos que a sua nobreza escolhe sistematicamente o bando perdedor, é definitiva e brutalmente submetida pelos Reis Católicos no século XV; perde então Galiza a sua nobreza e clero autóctones (desterrados a Castela ou mortos como retaliação ao apoio que deram a Joana no conflito sucessório). Estas classes, tão influentes na sociedade, vão ser substituídas por nobreza e clero castelhanos, dando passo definitivo a uma realidade que desde então até hoje será omnipresente na Galiza: o facto de a direcção dos seus destinos estar nas mãos de uma camada dirigente castelhana ou muito fortemente castelhanizada, com as nefastas consequências que disso derivam para a conservação da identidade de Galiza como nação.

Com o castelhano como língua única nos planos oficial e cultural, o português na Galiza vai decaindo e definhando a literatura autóctone, sendo os últimos textos tabeliónicos redigidos em língua galega de começos do século XVI e já muito deturpados quanto à sua correcção, por estarem juncados de castelhanismos. Até começos do século XIX ficará a nossa Língua na Galiza ágrafa, reduzida à pura oralidade e aos ambientes humildes de camponeses e marinheiros; banido da esfera da cultura e do Ensino, ocupada pelo castelhano que é o único idioma que utilizam as classes acomodadas ricas e cultas, vai a pouco e pouco castelhanizando-se, empobrecendo-se, avulgarando-se e hiperdialectalizando-se. A total ausência de usos cultos faz dele um corpo cada vez mais enfraquecido e necessitado de urgente restauração. Mas, a indiferença face a esta situação era geral, só sendo honrosa excepção a figura dos dois ilustrados a finais do século XVIII: os Padres Sarmiento e Feijoo. Eles estudaram a situação do galego, propondo soluções que hoje, após duzentos anos, ainda não foram levadas à prática, v. g. a utilização do galego em todos os níveis do Ensino como língua veicular ou a superação do auto-ódio dos galegofalantes, em alusão ao complexo de culpa e inferioridade que tinham (e têm) os galegos por se exprimirem no seu Idioma.

Desde começos do século XIX e até 1936 tem lugar uma recuperação literária da nossa Língua na Galiza; no decorrer destes anos conhece duas realidades opostas: de uma parte, uma progressiva preocupação, valorização e interesse pelo idioma próprio de Galiza por parte de uma limitada minoria sensível e consciente; da outra, o crescente processo de castelhanização social e mental cujos factores serão: a imigração das camadas dirigentes, sistematicamente não galegas, e a sua influência social pelo afã de imitação dos seus usos e costumes como o melhor meio de ascenso social; o surgimento, dentro dessa camada, de uma burguesia assim mesmo não galega; a forte emigração de galegos ao exterior, nomeadamente a países da América de idioma oficial espanhol (Cuba, Argentina), que não só provocou perda de falantes como também foi responsável pela assimilação do galego a uma língua inútil e inapta para a vida diária; a expansão do Ensino do espanhol e em espanhol, muito limitado até então pela sua não obrigatoriedade, a acidentada orografia e a muito dispersa distribuição da população da Galiza.

Questão particularmente importante para o assunto que nos ocupa é a ortografia utilizada pelos escritores galegos no século passado: tencionando escrever numa língua até então ágrafa e aliterária na Galiza, e desconhecedores da sua tradição medieval, escreveram tomando como modelo o único sistema ortográfico e morfológico que conhecem, o do castelhano em que foram alfabetizados. Não repararam a maioria para nada no sistema que lhes oferecia o português e, além disso, o idioma que empregam está prenhe de todas as eivas derivadas de tantos séculos de abandono: castelhanismos, vulgarismos, anarquia ortográfica muitas vezes num mesmo autor… O exemplo de Rosália de Castro é bem evidente para demonstrar esta realidade.

Uma excepção a esta tendência é a figura do poeta Eduardo Pondal, de ascendência fidalga, o qual recebera uma esmerada educação que lhe permitia dominar idiomas clássicos e modernos. A sua poesia tem um carácter combativo e visa a restauração da dignidade de Galiza tirando da sua submissão a um povo de escravos; é uma poesia que já apresenta um idioma mais culto e cuidado, selecto e depurado em comparação com o dos seus contemporâneos. Na sua poesia são frequentes os apelos à irmandade entre Galiza e Portugal, a qual permitiria recuperar a unidade perdida e libertar aos demais povos ibéricos do jugo de Castela. Galego e Português são considerados a mesma Língua nos seus versos, e ele já utilizava nos seus escritos uma ortografia etimológica aproximada do português padrão, usando por exemplo as letras “j” e “g” etimológicos, e não o “x” que outros autores escolhiam em base a um critério foneticista.

No primeiro terço do século XX florescem na Galiza os movimentos culturais que visam a defesa da língua e a cultura galegas: Irmandades da Fala, Geração Nós…, também se cria, com o apoio dos emigrantes galegos em Cuba, a Real Academia Galega, cujo primeiro presidente foi Manuel Murguia, esposo de Rosália de Castro e defensor da ideia da unidade linguística entre Galiza e Portugal. Um dos seus propósitos, nunca culminado, era a fixação de um código ortográfico para a escrita do galego pelos galegos. Na sequência desta procura, é conveniente lembrar que com o novo século aumentaram os estudos linguísticos a nível internacional e já se divulgara entre as camadas galeguistas e consciencializadas o conhecimento da passada tradição escrita do seu idioma, daí que entre elas se sinta a necessidade de aproximação ortográfica ao português como norma culta do galego. Com esses critérios estava elaborado o primeiro Dicionário do Idioma Galego, feito pela Real Academia Galega, que ficou inacabado (1913-1928).

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‘Os deuses devem estar loucos’

«O nosso grande problema na Galiza é a imposição, culturalmente terrorista, de grafar o galego em castelhano; em paralelo a isso, está a concepção imposta polo poder espanhol e os seus sequazes de que a nossa Língua é um idioma menor reduzido a quatro províncias espanholas e que deve estar sempre subordinado ao castelhano. Nesse contexto, reivindicar a universalidade da língua e mencionar o Rio de Janeiro é compreensível.»

Permito-me discordar, caro José Tápia, da referência que fez o deputado galego à capital turística do Brasil, misturando o Rio com Coimbra, Luanda e Díli. Ainda que a discordância incida apenas neste único ponto, o qual, na minha opinião, é absolutamente fundamental, parece-me oportuno ao menos tentar esclarecer aquilo em que se baseia a discordância e, de caminho, deixar claro que afinal estamos todos do mesmo lado: como muitíssimo bem resume o José, trata-se da “nossa língua” e, portanto, há que defendê-la, seja do imperialismo castelhano, seja do imperialismo brasileirista.

De facto, a pretensa “universalidade da língua” — de qualquer Língua, aliás, à excepção daquela que em determinada época histórica e contexto geográfico funcione como língua franca — constituiu o “argumento” basilar da imposição da chamada “língua universau” brasileira; foi a essa efabulação que se encostaram os brasileiristas gananciosos daqui e os gananciosos brasileiros de lá para tentar impingir o inenarrável “acordo” a Portugal e aos PALOP. [post “A Língua Galega no Congresso Nacional de Espanha”]

O inacreditável artigalho que abaixo se transcreve, debitado por um neo-imperialista assumido, presta-se a um exercício que, além de tristemente cómico, qualquer pessoa pode executar com a maior das facilidades; trata-se, ao estilo das corrigendas, de substituir mentalmente uma coisa por outra: “onde se lê X leia-se Y”.

  1. Onde se lê “Galiza” leia-se Portugal.
  2. Em certos casos, onde se lê “o Galego é” (ou “a Língua Galega é”) leia-se o Português é (ou a Língua Portuguesa é).
  3. Em certos casos, onde se lê “português” (ou “língua portuguesa”) leia-se brasileiro (ou língua brasileira).
  4. Onde se lê CPLP leia-se CPLB.
  5. Em certos casos, onde se lê “castelhano” leia-se brasileiro.
  6. Em certos casos, onde se lê “Estado espanhol” leia-se Estado brasileiro.

Outro exercício interessante — e com não menos piada — será catar no texto do cavalheiro as diversas formas do verbo “falar”, incluindo adjectivações e formas substantivas: fala, falamos, falada, falantes etc. A este doutorando em “estudos linguísticos” na Universidade da Corunha (mas que extraordinária coincidência) parece ser completamente estranho o conceito de… escrita.

Bem, atendendo a quem é este “investigador”, o fenómeno é de certa forma compreensível: a desortografia da língua brasileira consiste basicamente em, sem ter de aprender o “código” de transcrição fonética, escrever (mais ou menos) como se fala. Talvez o senhor ande nas aulas da “escola” das “línguas minoritárias”; ou então, pior ainda — mas muito mais provável — julgue que, no fundo, no fundo, essa maçada da escrita é um erro, aquilo das línguas ágrafas é que é bom, o Navajo, o Udi, a língua de estalidos de “Os Deuses Devem Estar Loucos”, oh, sim, oh, sim, isto ele não há nada como o paleio.

O que o Brasil ganha com a oficialização da língua galega na União Europeia?

Ajudar no reconhecimento da língua galega é também proteger a língua portuguesa como patrimônio histórico e cultural no lugar em que ela nasceu

“Le Monde Diplomatique – Brasil”, 15.09.23
Victor Hugo da Silva Vasconcellos

Em 19 de setembro de 2023, a União Europeia irá realizar um voto em relação à inclusão do catalão, do basco e do galego em seu regime linguístico. A decisão de oficializar a língua galega na UE está dividindo a região autônoma da Galiza. O motivo reside em uma discussão que já corre por mais de 40 anos sobre o galego ser ou não ser português.

A maioria da população brasileira – assim como a portuguesa – desconhece a situação linguística da Galiza, uma vez que é uma região dentro do Estado espanhol, levando a crer que sua língua seja o castelhano. Isso é uma meia verdade: a Galiza (assim como o País Basco e a Catalunha) é uma região bilíngue, isto é, além da língua de Estado (castelhano) também fala sua língua própria (galego), e ambas são oficiais na Comunidade Autônoma da Galiza. São duas as grandes questões que atravessam a sociedade galega: a) o desaparecimento gradual de sua língua própria; b) se o galego é português ou uma língua autônoma.

Bandeira de Estado da Comunidade Autônoma da Galiza, região da Espanha onde se fala a língua galega (Wikimedia Commons)

A primeira questão é muito séria e vem preocupando a Galiza há décadas. Uma pesquisa feita pelo Instituto Galego de Estatísticas (IGE), em 2018, apontou que apenas 30% da população galega fala galego diariamente. O mais assustador é que a faixa etária que mais fala (75%) é composta por pessoas acima de 60 anos; e a faixa etária que menos fala (25%) é composta por crianças de até 15 anos. Desse modo, o risco de a língua ser totalmente substituída pelo castelhano é real. Isso está ocorrendo, entre outras razões, por conta da imposição da língua castelhana nos meios oficiais de comunicação. Dessa forma, o galego vem perdendo prestígio entre seus falantes, como se fosse uma língua sem utilidade.

O segundo ponto poderia ser de grande utilidade à Galiza e ao Brasil. De onde vem a língua galega? Em resumo, ela tem um passado que se funde com o da língua portuguesa. Sim, elas foram a mesma língua por séculos, falada na Galécia (Reino da Galiza) até o século XII, momento em que o Condado de Portugal se separou do Reino da Galiza e virou o Reino de Portugal. A língua ainda continuou sendo falada nos dois reinos mesmo com a proclamação do português como língua oficial de Portugal por D. Dinis, no século XIII; e da escrita da primeira gramática da língua portuguesa por Fernão de Oliveira, no século XVI. O que ocorreu então com a língua galega?

O Reino da Galiza foi anexado à Coroa de Castela ainda no século XII, perdendo parte da sua autonomia linguística, pois a língua oficial da Coroa era o castelhano (lembrando que o latim foi língua franca na Europa aproximadamente até os séculos XV – XVI). Toda a corte galega era composta também por castelhanos que foram impondo sua língua na administração da Galiza. Até o século XIX, a porcentagem de falantes de galego era muito alta, (em torno de 90%), já que o castelhano era língua administrativa e não do povo. Mesmo sem a oficialização da língua e uma gramática própria, o galego era ensinado pela família, pela transmissão intergeracional da língua (a mesma falada no seu vizinho do sul, Portugal). Em meados do século XIX, o Reino da Galiza deixa de existir, passando a ser uma região autônoma anexada ao Reino da Espanha, mas mantendo sua extensão territorial.

Nas primeiras décadas do século XX, houve a ditadura e a perseguição à língua. Toda a proibição sobre o galego na ditadura de Franco (1939-1975) ainda gera efeitos negativos sobre a língua. Muitos pais não passaram sua língua para seus filhos, ensinando o castelhano por medo do regime autoritário. Com a oficialização da língua nas últimas décadas do século XX, criou-se uma norma e uma gramática oficial para ela.

Afinal, o galego ainda é o português?

Mesmo depois de séculos de separação, os estudos de filologia ainda o consideram como a mesma língua, mas que adotou nome e ortografia diferentes por questões políticas. Os dígrafos comuns em português nh / lh são escritos na ortografia castelhana como ñ / ll, embora tenham o mesmo som, como banho – baño / coelho – coello. Outra característica diferente é que o galego não apresenta a combinação nasal ão / ões, mas sim, ón / óns (não – non / canções – cancións) em sua fonética. (mais…)

A Língua Galega no Congresso Nacional de Espanha

Parlamento da Galiza

«O nosso grande problema na Galiza é a imposição, culturalmente terrorista, de grafar o galego em castelhano; em paralelo a isso, está a concepção imposta polo poder espanhol e os seus sequazes de que a nossa Língua é um idioma menor reduzido a quatro províncias espanholas e que deve estar sempre subordinado ao castelhano. Nesse contexto, reivindicar a universalidade da língua e mencionar o Rio de Janeiro é compreensível.»

Permito-me discordar, caro José Tápia, da referência que fez o deputado galego à capital turística do Brasil, misturando o Rio com Coimbra, Luanda e Díli. Ainda que a discordância incida apenas neste único ponto, o qual, na minha opinião, é absolutamente fundamental, parece-me oportuno ao menos tentar esclarecer aquilo em que se baseia a discordância e, de caminho, deixar claro que afinal estamos todos do mesmo lado: como muitíssimo bem resume o José, trata-se da “nossa língua” e, portanto, há que defendê-la, seja do imperialismo castelhano, seja do imperialismo brasileirista.

De facto, a pretensa “universalidade da língua” — de qualquer Língua, aliás, à excepção daquela que em determinada época histórica e contexto geográfico funcione como língua franca — constituiu o “argumento” basilar da imposição da chamada “língua universau” brasileira; foi a essa efabulação que se encostaram os brasileiristas gananciosos daqui e os gananciosos brasileiros de lá para tentar impingir o inenarrável “acordo” a Portugal e aos PALOP.

Compreende-se, até certo ponto, pelo menos do ponto de vista da estratégia política e se atendermos ao momento em que o deputado discursa, mas a inclusão daquela cidade brasileira — simbolizando, como Luanda, todo o país em que se situa, seria aceitável (ou poderá ainda vir a sê-lo) caso o Brasil assuma, como a Galiza quanto ao Galego, que é o brasileiro e não o Português a Língua nacional daquele país; isto, este simples reconhecimento da realidade factual, implicando a rejeição da pulsão de neo-colonialismo linguístico-cultural que enforma o #AO90 e a “tau língua universau”, poderia (ou poderá) vir a tornar aceitável o estatuto universalista da Língua Portuguesa no concerto das nações: Português em Portugal e PALOP (incluindo o Crioulo de Cabo-Verde), Galego na Galiza e Brasileiro no Brasil.

Mas enfim, exceptuando esta divergência, que não deve nem pode passar por simples questão de pormenor, quanto ao discurso do deputado Néstor Rego parece-me não haver absolutamente mais nada a apontar.

As minhas notas quanto àquela formulação isolada são meras opiniões, bem entendido, mas radicam no que mais interessa: «não serão os respectivos estados, português e brasileiro, quem sim querem exterminar a nossa Língua, e não as pessoas?»

São palavras suas, não minhas.

Exacto. É esse o busílis. Com um problema, porém. Os Estados não são entidades abstractas. Os Estados, isto é, as instituições e organismos que os constituem, são constituídos por pessoas, uma multidão de abotoadores (digamos assim, para não carregar na adjectivação). E essas pessoas, como de resto parece ser uma inerência (ou fatalidade) da natureza humana, preocupam-se em servir-se do Estado e não em servir aquilo e aqueles que o mesmo Estado pretensamente representa.

Parlamento de Espanha

Catalão, basco e galego já se ouvem no Congresso, mas terão de esperar na UE

Protestos da direita não impediram a adopção do uso do catalão, basco e galego nas sessões parlamentares espanholas. Estados-membros da UE pedem mais tempo para votar a oficialização dos idiomas.


“Público”, 19 de Setembro de 2023

A quem pode prejudicar que cada um intervenha na sua língua, se são línguas oficiais reconhecidas?”, perguntou Joseba Andoni Agirretxea Urresti, deputado do Partido Nacional Basco, numa intervenção feita maioritariamente em basco, mas em que também falou castelhano. No mesmo sentido, Gabriel Rufián, porta-voz da ERC (Esquerda Republicana da Catalunha) recusou chamar vitória à aprovação do uso das línguas co-oficiais no Congresso dos Deputados: “Não pode ser uma vitória porque recuso, recuso como cidadão catalão, como independentista catalão, que a minha língua e a minha língua requeiram perdedores.”

Para Rufián, “aqui não há perdedores, quanto muito há ignorantes”, numa referência aos deputados do Vox, que abandonaram o Congresso em protestos contra o uso das três línguas. “Os que se foram embora são os mesmos que antes nos expulsavam das aulas, nos multavam e nos prendiam por falar basco. Agora foram eles a sair. Fizemos alguns progressos”, afirmou, por seu turno, o parlamentar do PNB sobre o partido de ultra-direita, que propõe a ilegalização das formações independentistas e tem raízes no franquismo.

Insistindo que o catalão, o basco e o galego não ameaçam o castelhano, Rufián celebrou a sua diversidade cultural e linguística, que é também a de Espanha. “É uma honra para mim, orgulhoso filho e neto de andaluzes, estar entre os primeiros a fazer um discurso integralmente em catalão nesta tribuna do Congresso”, disse.

Tal como o Vox, o Partido Popular protestou por terem sido permitidas as diferentes línguas durante o debate dedicado precisamente à necessária alteração do Regulamento do Congresso, que oficializará o seu uso, mas os seus deputados não abandonaram a sessão. PP e Vox votaram ambos contra a reforma, aprovada com 179 votos, incluindo o da deputada única da Coligação Canária, que já assegurou o apoio a Alberto NúñezFeijóo no debate de investidura da próxima semana. Contra, votaram 171 parlamentares.

Ao abandonarem o plenário, os deputados de ultra-direita deixaram os auscultadores – distribuídos pela primeira vez no Congresso – no lugar do líder dos socialistas e presidente do Governo em funções, Pedro Sánchez, que se encontra em Nova Iorque para participar na Assembleia Geral da ONU.

A par do seu uso no Congresso, a oficialização das línguas co-oficiais nas instituições europeias é uma das condições colocadas pelo Junts, o partido do ex-presidente catalão Carles Puigdemont, para facilitar a investidura de Sánchez, depois da tentativa de Feijóo, marcada para a próxima semana e condenada ao fracasso.

Prioridade ao catalão

E enquanto decorria o debate em Madrid, em Bruxelas já o ministro dos Negócios Estrangeiros, José Manuel Albares, defendia que o catalão, o basco e o galego passem a ser línguas oficiais na União Europeia. Mas ainda antes do início do Conselho dos Assuntos Gerais vários chefes de Governo argumentaram que “é cedo” para tomar uma decisão sobre o tema, que Espanha queria ter levado a votação no encontro desta terça-feira.

“Precisamos de investigar mais a proposta, tanto em termos legais como financeiros, é demasiado rápido para decidir”, afirmou à chegada ao encontro a ministra sueca dos Assuntos Europeus, Jessika Roswall. “Socungranamic de la cultura catalana”, disse, em catalão, o seu homólogo finlandês, Anders Adlercreutz. “Temos de reconhecer a diversidade linguística da UE, mas também temos de conhecer as consequências das nossas decisões”, defendeu o ministro.

Roswall lembrou que “há muitas línguas minoritárias” na UE – como há países que têm, como Espanha, movimentos nacionalistas, e temem ver alterado o regulamento das línguas oficiais do bloco. “Não estamos a falar de línguas minoritárias, são idiomas falados por milhões de pessoas”, defendeu Albares, notando “a especificidade do regime constitucional linguístico espanhol, que faz dele quase único no seio da UE”.
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“O ananás português e o abacaxi brasileiro” [Nuno Pacheco, “Público”, 06.12.18]

Nas voltas da língua, por entre cá e lá

Duas revistas, a ‘Linguará’ brasileira e a ‘Luzes’ galega, reforçam a importância da diversidade da língua, a despeito das distopias “unificadoras” dos novos tempos.

Nuno Pacheco
publico.pt, 06.12.18

 

Entre tantas, e por vezes tão falsas, declarações de amor eterno à língua portuguesa, há uma verdadeiramente notável. Escreveu-a o poeta brasileiro Manoel de Barros (1916-2014) e foi aliás destacada na contracapa da edição portuguesa da sua ‘Poesia Completa’ (ed. Caminho, 2010). Diz assim: “A única língua que estudei com força foi a portuguesa. Estudei-a com força para poder errá-la ao dente.” Ora este errar não deve ser confundido com desacerto ou engano, porque significa (e quem o lê facilmente o confirma) vaguear, não se fixar, andar de um lugar para outro. E se o fez com mestria o poeta, fê-lo igualmente a língua portuguesa.

Tirando partido dessas errâncias, e do resultado delas, acaba de ser lançada uma revista de nome ‘Linguará’, editada por Carla Paoliello, Maria José Amorim e Priscilla Ballarin, todas elas brasileiras e residentes em Portugal, onde a revista é editada. Quadrimestral, começou na primeira letra do alfabeto, o A, e conta percorrê-las todas, incluindo K, W e Y, colhendo nessa viagem frutos da errância do idioma. Ou, como escrevem em editorial, navegarão “na fonética, morfologia, léxico, sintaxe, acordo, desacordo, o comum, o incomum, as inúmeras transformações da língua portuguesa. O que nos une, o que nos separa. A conexão feita pela via da palavra, igual e diferente, dos países desta mesma língua.” E isso faz-se com poesia, artes plásticas, paisagens (e lá estão, lado a lado, Aveiro ou Alter do Chão, as de cá e as do Brasil, ambas no Pará), palavras diferentes para um mesmo objecto ou coisa. Há um léxico breve, no final, na linha do levantamento que, entre Lisboa e Belém do Pará, haviam feito em livro a portuguesa Anete Costa Ferreira e as brasileiras Rosa Assis e Ana Cerqueira. O livro, lançado em Abril de 2006, chamou-se ‘De Olho na Língua – Palavras de Cá e Lá’. Mas a revista ‘Linguará’ (lançada esta quarta-feira na Livraria-Bar Menina e Moça, ao Cais do Sodré) é também “desmontável”, o que faz com que, tiradas duas das suas páginas, surjam lado a lado o ananás português e o abacaxi brasileiro, o primeiro representado num jarro de cerâmica (de Bordallo Pinheiro) e o segundo numa popular jarra de plástico (da Trol). Além dos nomes do fruto, diferem os do recipiente (jarro, jarra) e as frases que, inscritas no verso, querem dizer a mesma coisa: “Faz crescer água na boca” (cá) e “Dá água na boca” (lá). Se nesta primeira edição o jogo linguístico e vocabular se faz essencialmente entre o Brasil e Portugal, prometem vir a alargar fronteiras aonde quer que a língua viva e se transforme.

Antes de ‘Linguará’, porém, saiu ‘Luzes’, revista que se edita na Galiza e que dedica a sua 59.ª edição às ligações culturais com Portugal. Sob o título “PortuGaliza, saudade de futuro”, a revista dirigida por Manuel Rivas e Xosé Manuel Pereiro inclui um lote interessantíssimo de artigos e é inteiramente escrita em galego, mesmo os textos de portugueses (Rui Reininho ou Francisco Teixeira da Mota). Isto quer dizer que, apesar do movimento reintegracionista (que quer, na sequência da lei Paz Andrade, instituir na Galiza o “português-padrão”), a língua galega ainda se afirma como veículo cultural identitário. A Rede da Galilusofonia, constituída em Braga, em 23 de Novembro, ainda emitiu dois comunicados paralelos, um em português e outro em galego. Mas é uma riqueza que a visão estreita ameaça, ao tentar anular as diferenças para fazer valer a “novilíngua” imposta pelo dito “acordo ortográfico”.

Enquanto as botas cardadas dos “unificadores” marcam passo, a língua vive. E é bom ler, no editorial da ‘Luzes’: “O que máis ten que unirnos é a historia por facer: encher a saudade de porvir. E que este novo espazo, a Portugaliza, sexa unha referencia de navegar valente na Europa varada.” Precisaram de tradutor? Não, nem agora nem antes. Nas peças quinhentistas apresentadas na semana passada na Sá da Costa pelo Teatro Maizum (que faz um trabalho meritório na afirmação do Teatro Clássico), lá estavam representados, como personagens, o “português”, o “galego” e o “castelhano”. Nos respectivos falares e a séculos de distância da distopia “unificadora” do “acordo ortográfico”. Poderia o célebre Luís de Matos fazê-lo desaparecer, num passe de mágica, no ‘Impossível Ao Vivo’ que vai apresentar no Tivoli? Milhões de portugueses, brasileiros, africanos e galegos agradecer-lhe-iam de bom grado.

[Transcrição integral de artigo do jornal “Público”, da autoria de Nuno Pacheco, publicado em 06.12.18. “Links” e destaques meus. Imagens de topo de: BordalloPinheiro.pt e de: “mercado livre” (jarro “marca” Troll), Brasil, “LOL”.]