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«Portugal tem de lutar para dar a supremacia ao Brasil» [Marcelo Rebelo de Sousa, 01.05.08]

A finalidade deste “acordo” político é que uma das seis ex-colónias, sul-americana, submeta a sua ex-potência colonizadora, europeia, e as demais ex-colónias africanas desta, a uma forma de neo-imperialismo cultural que se consubstancia na “adoção” ditatorial de uma “ortografia única”: a brasileira. [“post” Anatomia da Fraude]

Concatenando sequencialmente, como óbvias relações de causa e efeito, a invenção da CPLP, o Estatuto de “Igualdade” (2000), a imposição do AO90 (2011) e, por fim, o Acordo de Mo(r)bilidade (2021), ficam ainda mais claros os reais objectivos de toda a trama. Com a intensa, sistemática e longa campanha de desinformação — nesta se incluindo a paradoxal vitimização política dos beneficiados (1, 2, 3) e o silenciamento da oposição através do insulto e da ameaça (1, 2, 3, 4, 5) –, os últimos dados revelam já que pelo menos três desses objectivos foram atingidos: a substituição da Língua portuguesa pelo crioulo brasileiro, a aculturação selvática e o estabelecimento de um Estado brasileiro na Europa. [“post” “Igualdade” pela porta dos fundos”]

Como descomplicar o nosso idioma?

Diplomacia é determinante na união lusófona

 

Arnaldo Niskier

“Folha de S. Paulo” (Brasil), 03.06.23

Doutor em educação, é professor, jornalista e membro da Academia Brasileira de Letras (ABL);
presidente do Centro de Integração Empresa-Escola do Rio de Janeiro (Ciee/RJ)

Temos mais de 300 milhões de pessoas no mundo utilizando, como ferramenta de trabalho, a nossa querida língua portuguesa. A preocupação da Comissão de Lexicografia e Lexicologia da Academia Brasileira de Letras, hoje presidida pelo especialista Evanildo Bechara, tem sido a sua descomplicação. A esse empenho se juntam hoje o recém-eleito Ricardo Cavaliere e a competente imortal Ana Maria Machado.

Há temas que são verdadeiros desafios, como a discussão sobre a conveniência de adoção da linguagem neutra (todos, todas, “todes”), o emprego crescente da educação a distância, a incorporação do verbete “Pelé” ao dicionário oficial e o destino do Acordo Ortográfico de Unificação da Língua Portuguesa — muito criticado em algumas nações lusófonas, como é o caso de Angola.

Onde se fala português

São imprecisos os limites entre a norma culta e a linguagem popular. Ser moderno não é só adotar procedimentos de filmes, revistas, jornais e programas de televisão, como se faz em certas partes do Rio de Janeiro. Há um claro desejo de imitar o inglês, primeira língua de mais de 500 milhões de pessoas.

Felizmente, temos preciosos guardiões do nosso idioma, como os compositores Gilberto Gil, Caetano Veloso, Martinho da Vila, Noca da Portela e o premiado Chico Buarque, que recentemente fez um lindo discurso em Lisboa. Criticou os titubeios do governo federal passado, sobretudo no campo cultural.

Um só português em diferentes versões

É claro que desejamos ampliar os laços que nos ligam à Comunidade dos Povos de Língua Portuguesa (CPLP), como tem se referido continuamente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Sabe-se que só 3% dos 350 mil verbetesregistrados no Vocabulário Ortográfico de Língua Portuguesa são escritos da mesma forma, o que merece uma ampla e contundente revisão. Eis aí um maravilhoso pretexto para a ação decisiva da nossa diplomacia, com o necessário trabalho em favor da sonhada unificação. O Itamaraty, numa nação que nem é tão rica assim, está empenhado em emprestar dinheiro aos povos necessitados. Não seria o caso de uma ação cultural mais expressiva?

Conheça alguns escritores dos países de língua portuguesa

A modalidade da educação a distância (EAD), em grande expansão no mundo, pode ser um precioso instrumento de harmonização de procedimentos. Está na hora de somar esforços nesse sentido.

Quando vem à tona o nome do inesquecível Pelé, pensamos se não é um verbete que uniria as nações lusófonas. O Dicionário Michaelis saltou na frente. Sugerimos acompanhar a bela iniciativa.

Queremos nos deter um pouco mais sobre essa homenagem ao craque. Ouvi de um acadêmico que não concordava com a ideia, “pois com o tempo o nome de Pelé poderia ser esquecido”. Argumento furado, pois a história sempre ligará o nome do atleta do Santos aos títulos conquistados pelo Brasil com a sua ajuda e os gols inesquecíveis do “Rei do Futebol”.

Chico Buarque recebe prêmio Camões pelas mãos de Lula; veja fotos

De toda maneira, este artigo está sendo feito em defesa da língua portuguesa e do seu futuro. A união lusófona é, politicamente, uma ideia altamente defensável e oportuna. A nossa diplomacia tem aí um belo campo de trabalho.

[Transcrição integral, conservando o brasileiro do autor brasileiro publicado num jornal brasileiro,
incluindo as ligações internas do original. Inseri outros “links” (os de cor verde)
a “posts” do Apartado, com extractos apensos. Imagem de topo: recorte do siteTalk2Travel“.]

Seu Marcelo no brásiu falando dji porrtugau, viu, qui légau

As queixas de Pepetela e a boa opção da Forbes

Sendo ano de eleições, 2019 é também boa oportunidade para decidir de vez o destino da aberração que é o acordo ortográfico.

Nuno Pacheco

“Público”, 3 de Janeiro de 2019

Como de costume, o Pai Natal estava bem-disposto. E ocupadíssimo. “Feliz Natal!”, disse ele à criança pelo telefone. “Como te chamas?” A criança disse. E quando se preparava para pedir o presente, ouviu do outro lado da linha: “Criança, ainda acreditas em Donald Trump? É que aos sete anos já é raro acreditar nele, não achas?” A criança não achava nada, queria passar ao tema seguinte. Mas o Pai Natal, com a pressa, nem lhe falou do muro do México.

A história passou-se mais ou menos assim, em finais de 2018, embora com os protagonistas trocados. Mas o que é aqui mais relevante é a importância das crianças de 7 anos – idade da menina Collman Loyd, da Carolina do Sul, a quem Trump perguntou se ainda acreditava no Pai Natal, “raro nessa idade”, ao que a criança respondeu que sim, tanto que lhe ia deixar biscoitos e leite com chocolate para quando passasse lá por casa; o Pai Natal, não Trump.

Mas voltando às crianças de 7 anos, também por cá elas serviram de mote a uma “prenda” que caiu como pedra afiada nos nossos sapatinhos há uns anos. Não sei se se lembram, mas o texto dizia assim: “De facto, como é que uma criança de 6-7 anos pode compreender que em palavras como concepção, excepção, recepção, a consoante não articulada é um p, ao passo que em vocábulos como correcção, direcção, objecção, tal consoante é um c? Só à custa de um enorme esforço de memorização que poderá ser vantajosamente canalizado para outras áreas da aprendizagem da língua.” Isto foi o que se escreveu, e pode ler-se, na Nota Explicativa que acompanhava o “Acordo Ortográfico” de 1990 (AO90), no seu ponto 4.2, alínea c (Diário da República, I Série-A, n.º 193, 23-8-1991). Portanto, antes de Trump, Pais Natais à parte, já o português Malaca Casteleiro tinha dedicado a sua atenção às pobres criancinhas daquela vulnerável faixa etária, salvando-as do horror das consoantes mudas e outros males da complicada grafia portuguesa. O problema é que estes anos de “salvação” redundaram em desastre. Nunca se escreveu tão mal e misturando tantos maus critérios, fingindo seguir uma norma que é em si mesma uma não-norma, pois tem tantas grafias duplas e facultatividades que o erro se tornou banal e integrado na escrita comum. Esse foi, aliás, o móbil inconfessado da lógica acordista: afastar o peso da ortografia padrão e sujeitá-la ao livre-arbítrio. Isto a coberto de uma “simplificação” que na verdade apenas complicou, porque barrou o passo ao caminho natural das variantes da língua falada e escrita: a admissão das diversidades nacionais sob uma mesma designação, a de Língua Portuguesa.

Tudo o que, entretanto, se pôs em marcha para aferir os resultados do dito AO90 continua a marcar passo. Falta o relatório da comissão parlamentar, faltam decisões de outros órgãos institucionais com o dossier entre mãos, faltam posições claras por parte das organizações partidárias. O regresso a uma ortografia estável é o mínimo que pode exigir-se, hoje, diante do incomensurável disparate desta aventura. Que raros políticos dêem a cara pelo “acordo”, com argumentos, diz bem do valor que lhe é atribuído, uma coisa que se tolera (sem se saber bem porquê) e que só se mantém pela inércia. Sendo um ano de eleições, 2019 é também boa oportunidade para decidir de vez o destino da aberração que é o acordo ortográfico.

Recentemente, o escritor angolano Pepetela afirmou ao Jornal de Angola não se sentir confortável com o facto de as suas últimas obras terem sido editadas em Portugal com o AO90, até porque, sendo membro Academia Angolana de Letras (que se manifestou contra este acordo pedindo ao governo angolano que não o aplique), será “uma incongruência”. A sua posição é, aliás, idêntica: “As línguas evoluem, mas eu não apoio essa nova versão.”

Seria útil um pequeno inquérito para saber quantos editores pressionam os autores que publicam a sujeitar-se ao AO90, mesmo contra a vontade inicial destes. Serão muitos, com certeza. Enquanto isso, há que saudar publicações como a Forbes que, surgindo agora em edição portuguesa, ignora o AO90 e é escrita em bom e claro português europeu. Que pode, e deve, subsistir a par do português brasileiro e os das variantes africanas ou orientais que estão a impor-se na fala e na escrita: é essa a riqueza da Língua Portuguesa, não outra.

Voltando ao início: se fosse no Brasil, seria Papai Noel. Lá, “Pai Natal” não existe mesmo.

nuno.pacheco@publico.pt

[Artigo de Nuno Pacheco, “Público”, 3 de Janeiro de 2019. “Links” meus.]

“O mundo da lusofonia tem de assumir que a liderança é do Brasil” (Marcelo Rebelo de Sousa)

CPLP em Cabo Verde Foto: TIAGO PETINGA/LUSA

CPLP em Cabo Verde Foto: TIAGO PETINGA/LUSA

 

CPLP aprova recomendação de “esforços para implementação do Acordo Ortográfico”

A Declaração de Santa Maria, aprovada na XII Cimeira da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em Cabo Verde, inclui uma recomendação para “o desenvolvimento de esforços para a implementação do Acordo Ortográfico”.

No texto aprovado na FXII Cimeira da CPLP, que decorre em Santa Maria, na ilha do Sal, Cabo Verde, lê-se que os Estados-membros “recomendaram o desenvolvimento de esforços para a implementação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, instando à sua ratificação e ao estabelecimento de formas de cooperação efectiva para a elaboração dos Vocabulários Ortográficos Nacionais (VON)”.

Por outro lado, os nove Estados-membros “tomaram nota, com satisfação, da dinâmica desenvolvida pelo Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), assumindo-se, cada vez mais, como uma instituição de carácter multilateral e fórum de planeamento e coordenação de projectos ligados ao fortalecimento da Língua Portuguesa”.

Neste plano, “expressaram o seu reconhecimento pelos significativos avanços dos projectos ‘Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa (VOC)’ e ‘Portal do Professor de Português língua estrangeira/língua não materna (PPPLE)’, sob responsabilidade do IILP”.

Ainda no que respeita ao ILLP, “reconheceram os esforços desenvolvidos” por este instituto “na articulação com os Observadores Associados”.

Criada há 22 anos, a CPLP tem actualmente nove Estados-membros: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.

A XII Cimeira da CPLP, que marca o início da presidência rotativa desta organização por parte de Cabo Verde, começou na terça-feira e termina hoje, com a participação de todos os chefes de Estado, menos o de Timor-Leste, e ainda dos primeiros-ministros português e cabo-verdiano.

Source: CPLP aprova recomendação de ″esforços para implementação do Acordo Ortográfico″

As letras em falta no original do artigo foram automaticamente repostas pela solução Firefox contra o AO90 através da extensão FoxReplace do “browser”.]

«Vencer o pudor» [entrevista de Marcelo Mirisola ao semanário “Expresso”]

«A língua comum é uma pauta sinuosa que tergiversa em sonoridades incomuns, construções extravagantes, por muito que os fãs do Acordo Ortográfico vendam o contrário: “Não ligo para isso”, resume.»

expresso-logoVencer o pudor

Ana Cristina Leonardo
15.08.2016 às 11h00

Brasileiro, 50 anos, mais de uma dúzia de livros, Marcelo Mirisola desperta paixões e ódios. É publicado pela primeira vez em Portugal

A língua é comum e uma parte da história também. Apesar disso, a divulgação da literatura do Brasil em Portugal é precária. Se há, porém, editora que vem paulatinamente oferecendo aos leitores a possibilidade de a conhecer é a Livros Cotovia: Machado de Assis, Milton Hatoum, Sérgio Sant’Anna, Nelson Rodrigues, Bernardo Carvalho… O paulista Marcelo Mirisola é o mais recente. Descendente de italianos, lá para trás ficam um tetravô com sangue português e uma tetravó índia: “O resto é tudo italiano, gente da Sicília e da Calábria. Coisa ruim mesmo!” Encontrámo-lo em Lisboa, Rua Nova da Trindade, uma tarde de calor, uma gata da casa que se passeia entre livros.

São dois os títulos publicados: “O Azul do Filho Morto” e “Bangalô”. Textos ruins. Cruéis. Indigestos. O contrário de textos digest. O autor reconhece: “‘Bangalô’ tem uma atmosfera de desgraça, é terrível, meio demente…” Confirmo. E acrescento: o lirismo que chega a espaços, como rajadas de luz, não lhe amacia a dureza. Com bibliografia que inclui romance, conto, teatro e crónica — agora mesmo saiu no Brasil “A Vida Não Tem Cura” —, o escritor explica-nos que a opção pelos dois romances, respectivamente de 2002 e 2003, foi inteiramente do editor: “Ele apenas me informou do seu interesse em publicar. Por acaso, são dois dos meus melhores livros.” Acordada a publicação, André Jorge foi avisando: “Estes livros serão um fracasso, não vão entender nada aqui em Portugal. Guimarães Rosa, vá lá, você é ilegível.” Mirisola adorou o elogio: “Ele gostou do livro, vai publicar. Para mim, é perfeito. Porque eu não tenho ilusão que vou ganhar dinheiro vendendo livro, nem aqui, nem no Brasil, nem em lugar nenhum. O leitor de literatura é hoje um animal em extinção.”

O leitor-sobrevivente abre os livros e estranha. A língua comum é uma pauta sinuosa que tergiversa em sonoridades incomuns, construções extravagantes, por muito que os fãs do Acordo Ortográfico vendam o contrário: “Não ligo para isso”, resume. E acrescenta: “A recíproca serve para o leitor brasileiro lendo um autor português. O estranhamento é o mesmo.” Leu pouco de Portugal. Miguel Esteves Cardoso, Pessoa, que toda a gente lê, Sá Carneiro. Tentou Mia Couto, Agualusa. Descobriu Carlos de Oliveira, “Uma Abelha na Chuva”, e ficou “besta. Aquilo lá é um monstro. Estou atordoado até hoje”.

Atordoados nos confessamos com “O Azul do Filho Morto” e “Bangalô”. O embate é violento. A linguagem escatológica, a sordidez do protagonista, o grotesco das situações. Resistimos. Depois, abandonamo-nos ao texto, percebemos que nada ali é gratuito. O escritor explica-se: “As palavras estão lá para servir as necessidades das palavras. A mesma coisa com as situações. Não dá, se você quer ser escritor, fugir das situações. Vamos falar sobre compaixão, ódio, crueldade, lirismo. Um escritor não pode abrir mão de nada quando está escrevendo. Eu me convenci que era escritor em ‘O Azul…’, que tem alguns trechos em que eu me disse: não posso escrever isto. E aí pensei: se não escrever, não sou um escritor, que diabo! Tive de passar por cima de alguns pudores, houve situações em que tive de ser mais forte do que meus pudores, ou faço isso ou mudo de actividade… Quer dizer, há escritores que têm uma vocação, uma mão boa para escrever, mas não escrevem o que tem de ser escrito. Não foi fácil. Mas a partir daí eu entendi que os sentimentos de vingança, de revanchismo, de ódio… tudo isso passou a ser ferramenta. Eu não me permito até hoje ficar alheio a nada do que está à minha disposição.”

O radicalismo perante a coisa literária não lhe trouxe muitos amigos. Houve quem dissesse que era o escritor mais odiado do Brasil. Mirisola não desarma: “Os autores brasileiros contemporâneos não assumem a sua condição de classe média. Não assumem esse ponto de vista, fogem disso como diabo da cruz, escrevem do ponto de vista do Pantanal, ou do marginal da favela, ou do cara que vive nos arrabaldes da cidade…” Ele acredita ter encontrado a sua voz: “Tem autores que levam uma vida inteira para achar uma voz imitando a voz dos outros. Eu acho que é fundamental para o artista encontrar a sua expressão, a sua assinatura, a sua diferença no mundo. Acredito que consegui, mas isso cabe também ao leitor dizer.”

Quanto à fama de encrenqueiro, remete-a para a falta de debate e crítica: “No Brasil não há debate, trocam-se afagos, gentilezas. Então, eu sou um ponto fora da curva, uma coisa esquisita. Agora a Frankfurt foram 70 autores. Indagaram o curador porque não tinham me chamado. ‘Ai, não, o Mirisola vai causar confusão.’ Como se eu fosse um cara mal-educado, algum troglodita… Não, eu sei manusear os talheres, sei dar bom-dia, boa-tarde, por favor, muito obrigado… O que acontece é que não existe mais crítica literária, quem avalia são os curadores. Então, se você tem amizade com os curadores, você tem uma grande chance de ser um grande escritor.”

Influências? Nega a de Bukowski que alguns teimam em colar-lhe. Reconhece a de Nelson Rodrigues, Machado de Assis, Junichiro Tanizaki, Luciano de Samósata, já se afastando bastante. Céline tem na mesa. Tolstói é um caso à parte. Fala com paixão de Borges e da Argentina. Sobre a situação política do Brasil, acha que “o assunto passou dos limites, não vejo hora de acabar essa história”. Recorda Ernesto Sabato: os jornais deviam ser publicados uma vez por século: “As notícias são todas as mesmas, o que é que aconteceu: Colombo desembarca na América. O resto é bobagem. Você vai sair, política, você conversa com sua mãe, política. Cansou, não é? E, ao mesmo tempo, essa crise de representatividade…” Lamenta: “O Brasil, o país do futuro e o que aconteceu. Nossa, como é que pode? Uma tristeza, isso daí.”

Pouco optimista sobre os caminhos da literatura, Mirisola está convencido de que “o escritor não tem mais importância nenhuma, a literatura ficou um objecto fetiche. Ela era elitista, mas ela irradiava, agora não irradia, qualquer entretenimento tem mais tentáculos, atinge mais pessoas, influencia mais gente. Quem é que se mata hoje por causa de um Werther?”

[Expresso | Vencer o pudor. Entrevista de Ana Cristina Leonardo.]

 

 

«Marcelo Rebelo de Sousa e o Acordo Ortográfico de 1990» [opinião, “Público”]

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Marcelo Rebelo de Sousa e o Acordo Ortográfico de 1990

Francisco Miguel Valada

18/05/2016 – 07:30

O debate sobre o AO90 nunca foi aberto, por isso é um erro mencionar-se uma reabertura. Aquilo que houve foi uma imposição.

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Há algumas semanas, soube que Marcelo Rebelo de Sousa, pouco depois de ter tomado posse como Presidente da República, decidira reabrir o debate sobre o Acordo Ortográfico de 1990 (AO90). De facto, a confirmar-se tal informação, tratar-se-ia de atitude, além de merecedora de várias ovações de pé, em absoluta harmonia com um artigo publicado no Expresso, dias antes da tomada de posse, no qual Rebelo de Sousa não adoptara o AO90. Entretanto, notícias na comunicação social têm confirmado essa vontade de reavaliar o ponto da situação ortográfica.

Contudo, neste contexto, “reabrir o debate” não será a opção mais feliz, pois existe um prefixo a mais. Salvo iniciativas pontuais (uns colóquios aqui, umas audições ali, umas audiências acolá), o debate sobre o AO90 nunca foi aberto, por isso é um erro mencionar-se uma reabertura. Aquilo que houve foi uma imposição. Aliás, a consequência imediata da escassez de sessões de esclarecimento e da abundância de propaganda é uma maior permeabilidade de leitores de português europeu em relação a opiniões, digamos, peculiares.

Por exemplo, há quem afirme publicamente que “se disser Egito escreve sem ‘p’, mas se disser Egipto escreve com ‘p’ (*)”; há quem divulgue a ideia de a “dupla grafia” ser “recorrente na história da língua portuguesa” e apresente exemplos tão sui generis como “regime”/“regímen”, “areia”/“arena”, “imprimido”/“impresso” ou “olho”/“óculo” (*); há igualmente quem escreva “agora ‘facto’ é igual a fato (de roupa)” (*). Convém ter bastante cautela com estas opiniões e só um debate esclarecedor dará a possibilidade de explicar o que está em causa — além de permitir aos autores destas opiniões virem a terreiro defender-se ou retractar-se.

Convém igualmente que haja, por fim, um órgão de soberania a pôr os pontos nos ii em relação a esta matéria e a tomar uma atitude responsável, sendo muito provavelmente o Presidente da República o mais indicado, porque se sente obrigado a praticar algo que não prega. Isto é, adopta uma grafia para inglês ver. Depois da confidência de Cavaco Silva (com a agravante de ter culpas no cartório) – “Todos os meus discursos saem com o acordo ortográfico mas eu, quando estou a escrever em casa, tenho alguma dificuldade e mantenho aquilo que aprendi na escola” (*) –, temos agora Rebelo de Sousa a afirmar: “o Presidente da República, nos documentos oficiais, tem de seguir o Acordo Ortográfico. Mas o cidadão Marcelo Rebelo de Sousa escrevia tal como escrevem os moçambicanos, que não é de acordo com o Acordo Ortográfico” (*).

Em peça da RTP (*), é perceptível que esta afirmação de Rebelo de Sousa provocou o riso de um dos interlocutores. Não percebi a piada. Isto é, o riso foi perceptível, mas a piada não foi: porque existe uma relação entre perceptível e perceber, porque perceptível é aquilo que pode ser percebido e percebido é o que se percebeu e perceber é ter a percepção de algo. O mesmo acontece com o que pode ser recebido, pois pode receber-se e receber é dar recepção. O mesmo acontece com concebido, conceber e concepção. Por isso existe aquele ‘p’, de -pç-, em concepção, percepção e recepção(*).

Por isso e não só. Aquele ‘p’ também permite que se evite a vulgarização de desastres, como a recente tradução portuguesa “a recessão de luz sobre os painéis solaresdo original francês “la réception de la lumière sur les panneaux solaires” (*). Vindo ‘perceptível’ a talhe de foice, recordemos um factor importante: com o AO90, no Brasil, ‘perceptível’ mantém-se; com o AO90, em Portugal, ‘perceptível’ passa a ‘percetível’. Há quem lhe chame “unificação ortográfica” (*) ou “ortografia comum” (*).

Como é sabido, a Assembleia da República não tem percebido – ou não tem querido perceber: nesta matéria, como noutras, a doutrina diverge –as provas apresentadas sobre a supremacia dos defeitos do AO90 em relação às suas hipotéticas virtudes e as gritantes diferenças entre a quimera de um acordo ortográfico em abstracto e o desastre AO90 em concreto. Aliás, os actos e omissões deste órgão de soberania em relação a esta matéria podem ser apresentados como um excelente exemplo de assimetria entre a vontade do eleitor e a atitude do eleito.

O Governo, pela voz do primeiro-ministro, não toma “a iniciativa de desfazer o acordo ortográfico” (*) e, garante o ministro dos Negócios Estrangeiros, “aguarda serenamente” a ratificação do AO90 pelos restantes membros da CPLP. Isto é, “aguarda serenamente” que outros tomem iniciativas, em vez de se preocupar com as vítimas portuguesas que o desastre vai produzindo. Por exemplo, no Diário da República de 4/5/2016, o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, da Universidade de Lisboa, nos “parâmetros preferenciais” para a contratação de um professor associado, determina o seguinte: “Ser titular do grau de Doutor em Estratégia ou História dos Fatos Sociais” (*). Exactamente: História dos Fatos.

Aguardando serenamente que outros ratifiquem aquilo que, atempadamente, membros da comunidade científica portuguesa recomendaram que não fosse ratificado por Portugal (*), o ministro dos Negócios Estrangeiros vai permitindo que, no Diário da República, além de continuarem a adoptar grafias inadmissíveis em português europeu, também deturpem a língua inglesa. Um excelente exemplo aparece na edição de 6/5/2016, com “questões relacionadas com fatores [sic] humanos” traduzido da seguinte forma: “human fator issues” (*). Fator issues? Efectivamente: fator issues. Esperemos que nenhum inglês veja.

[…]

(*) Versão ligeiramente modificada de texto originalmente publicado no portal da comunidade portuguesa na Bélgica www.luso.eu, onde podem ser encontradas (tal como no ‘site’ do PÚBLICO) as notas de rodapé e as referências.

[Transcrição parcial de artigo da edição em papel do jornal “Público” de 18.05.16.]