Diário das sessões – aprovação RAR 35/2008

Diário das sessões, páginas 20 a 34

I Série – Número: 085 | 17 de Maio de 2008
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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar ao próximo ponto da ordem do dia, que é a apreciação da proposta de resolução n.º 71/X — Aprova o Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, adoptado na V Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), realizada em São Tomé, a 26 e 27 de Julho de 2004.
Para apresentar o diploma, tem a palavra o Sr. Ministro da Cultura.

O Sr. Ministro da Cultura (José António Pinto Ribeiro):

— Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados:

Apesar do curtíssimo tempo de que disponho, permitam-me que saúde esta Câmara, o Parlamento, este órgão de

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soberania onde sempre me habituei a ver a sede do poder do povo nos regimes democráticos e representativos.
É a primeira vez que, como membro do Governo, venho ao Parlamento apresentar e defender uma proposta de resolução a ser tomada por esta Câmara, que cumprimento.
Trata-se de um assunto simples, como, nos considerandos, a proposta de resolução se refere.
Em 1990, foi assinado, por todos os governos dos Estados da CPLP, um acordo internacional relativo à ortografia da língua portuguesa. Este Acordo ficou, no que à sua entrada em vigor se referia, sujeito à ratificação até 1 de Janeiro de 1994 por todos e cada um dos sete Estados contratantes.
Portugal concluiu em Agosto de 1991 este processo de ratificação, a Assembleia da República ratificou o Acordo Ortográfico, o Presidente da República emitiu o decreto de ratificação e ambos foram publicados no Diário da República.
Assim sendo, por que estamos aqui? Porque se verificou que o processo de ratificação não foi igualmente célere em todos os Estados da CPLP e em 1994, na data inicialmente prevista, não estava o acordo ainda ratificado por todos e cada um dos Estados contratantes.
Daí que, em 1998, os governos dos mesmos sete Estados que formavam a CPLP à época tenham assinado o Primeiro Protocolo Modificativo não do Acordo Ortográfico mas de uma regra do Tratado que o contém: a que definia a data da sua entrada em vigor como sendo 1 de Janeiro de 1994 — data essa já então ultrapassada por não ter o Tratado sido ratificado pelos sete Estados. A regra passaria a ser a da entrada em vigor do Acordo Ortográfico logo que ratificado pelos sete Estados, independentemente da data em que o fizessem. E Portugal ratificou imediatamente este Primeiro Protocolo Modificativo.
Percebeu-se, porém, que o processo de ratificação por parte dos Estados da CPLP era, apesar de tudo, especialmente moroso, por razões compreensíveis: alguns deles encontravam-se em guerra, alguns deles tinham processos legislativos e parlamentares não estabilizados. E daí que, em 2002, na Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da CPLP, realizada em Brasília, se tenha deliberado que os tratados celebrados no âmbito da CPLP passassem a entrar em vigor logo que ratificados por quaisquer três membros.
Todos os tratados eram assinados pelos governos membros da CPLP, mas o processo de ratificação, para a entrada em vigor dos tratados, passaria a ser suficiente quando levado a cabo por três.
E colocou-se a questão de saber se devem ou não os tratados anteriores também ser submetidos a esta nova regra de entrada em vigor com apenas três ratificações. Foi decidido que seria visto caso a caso e que, relativamente ao Acordo Ortográfico, o tratado que contenha o Acordo Ortográfico passasse a entrar em vigor logo que ratificado por três Estados-membros. Foi isso que passou a constar do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico e é isso que aqui hoje vos trago.
Aquilo que o Governo propõem hoje à Assembleia da República é apenas que ela aprove uma resolução de ratificação do Segundo Protocolo Modificativo ao Tratado que contém o Acordo ortográfico, já ratificado por esta Câmara e pelo Sr. Presidente da República, de modo a que entre em vigor já, porque ratificado por três Estados, e não apenas em prazo e em data incerta e dependente da ratificação de ainda três Estados, a saber: Guiné-Bissau, Angola e Moçambique.
Quer Portugal decidir que o Acordo Ortográfico entre em vigor já no nosso país ou, pelo contrário, prefere esperar? É apenas isso de que estamos hoje a tratar. É isso que se coloca perante esta Câmara.
Deixem-me que, para não me acusarem de não me referir ao Acordo Ortográfico propriamente dito, uma vez que este já foi ratificado há 17 anos por Portugal, teça algumas considerações breves sobre o mesmo.
O Acordo Ortográfico é um tratado internacional que visa regular e unificar, na medida do possível, a forma de escrever de uma mesma língua, a portuguesa, usada por mais de 220 milhões de pessoas — forma de escrever essa que tem diferenças que tendem a aprofundar-se se não houver um esforço de regulação unificadora.
A unificação só poderá ser feita na base da facilitação, da simplificação do seu uso como língua de circulação, contacto e comunicação. E o Acordo Ortográfico faz isso mesmo: olear os regulamentos da língua portuguesa para facilitar o seu uso entre pessoas com graus de instrução e erudição muito diversos, mas todos com igual direito ao uso da sua língua — a língua portuguesa.
E se se pode perceber que alguns eruditos mais habituados à escrita e com uma relação verdadeiramente sensorial e afectiva mais intensa com as palavras escritas na ortografia, conforme a vigente à norma

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ortográfica europeia, possam estranhar e reagir a essa mudança e, eventual e pontualmente, até ter razão, no sentido de que a solução aqui ou além não tenha sido a mais bem conseguida para o propósito em causa — a de unificar a ortografia e a facilitação da aprendizagem e da comunicação em língua portuguesa —, é preciso compreender que a língua portuguesa é de todos os seus utilizadores.
Por um lado, a norma ortográfica europeia sofreu grandes e profundas alterações no século XX. Apesar de a língua ser de todos os que a usam, alguns de nós, os utilizadores da ortografia na sua norma erudita europeia, não conseguimos que essa norma ortográfica fosse generalizadamente vigente na sua escrita por quem fala e escreve em português e só temos de nos culpar a nós mesmo e a mais ninguém. É porque fomos nós que não fizemos um dicionário da Academia da língua portuguesa no século XVIII! Outrossim, a nossa Academia, os nossos eruditos, os nossos melhores, apenas publicaram um volume relativo à letra a em 1793, que foi republicado, com a correcção ortográfica devida, em 1976. A Academia nunca se adentrou pelas outras letras até ao ano 2000.
E, não o tendo feito, D. João VI, quando foi para o Brasil, não pôde levar consigo, além da tipografia e de tudo aquilo que era necessário para criar e estruturar um Estado autónomo e depois independente, os instrumentos de estabilização da língua, a saber: um dicionário da Academia. Assim, não o pôde mandar imprimir no Brasil e, consequentemente, não houver exemplares do dicionário que pudessem ser consultados por quem deles necessitava.
Gostava ainda de referir que se a língua inglesa não fez acordos ortográficos foi porque disso não necessitou, por razões muito simples e singelas: porque fez a Reforma e, tendo-a feita, traduziu a Bíblia para inglês, que passou a ser lida por cada um em sua casa. Os emigrantes ingleses que foram fundar as colónias para os Estados Unidos lançaram mão desse instrumento para aprender a ler e, como era o Livro sagrado, não alteravam nem sequer uma letra das palavras que o compunham.
Por outro lado, o sistema jurídico inglês foi um sistema exportado na base de sentenças e acórdãos escritos por juízes ingleses em língua inglesa. Foi assim que Lincoln aprendeu Direito, lendo o Blackstone, lendo os volumes de sentenças e acórdãos ingleses.
Finalmente, gostaria de dizer que a língua e a ortografia impõem-se e sobrevivem na base da sua unidade ortográfica essencial e da sua utilização na net e na comunicação escrita por todos os meios: dos sms aos documentos de trabalho das organizações internacionais; da literatura aos escritos académicos; da língua de circulação à vulgar língua e à língua erudita. Se não unificássemos a ortografia portuguesa estaríamos a dar uma machadada profunda na nossa própria língua, na nossa capacidade de universalizarmos, por falta de uma ortografia comum.
Estou certo de que os Srs. Deputados comungam com o Governo desta preocupação e aprovarão o Segundo Protocolo Modificativo para que rapidamente se inicie o processo possível de reunificação ortográfica da língua portuguesa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro da Cultura: Argumenta-se, a favor deste Acordo, que numa língua falada por mais de 200 milhões de pessoas a uniformização ortográfica garante o futuro e que, pelo contrário, a sua falta determinará uma separação inevitável do tempo. Devo dizer-lhe que não me parece.
Confesso-lhe que não sou um opositor dogmático, não sou contra porque sim. Não tenho, nesta matéria, uma oposição motivada por um patriotismo nostálgico, que, em boa verdade, só invoca quem ainda não percebeu que a grandeza da língua só acontece porque, apesar da paternidade que temos, o português é falado por muitos mais em todos os continentes, sem crises de auto-estima. Somos os pais da língua, não somos os donos da língua! No entanto, questão diferente é a de saber se este Acordo é preciso ou até se resolve alguma coisa. E aí, sinceramente, também penso que não.

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Tal qual o inglês, língua uma pouco mais falada do que o português, convenhamos, sendo sabido que se expandiu e mantém sem ortografia definida por acordo, e sem que daí venha mal à Rainha ou ao mundo e também sem que o exemplo que acabou de dar, porventura, nos explique algo.
O inglês europeu escrito é perfeitamente inteligível na América do Norte, apesar de todas as suas diferenças — que também existem.
Tal qual como o castelhano, diga-se, que vive sem acordo e vê na diversidade riqueza. Do mesmo modo, o português que se escreve neste canto europeu é lido e entendido no Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe ou Timor, com a mesma naturalidade com que nos é inteligível o que por lá se escreve. Em todos os casos, é do português que se trata.
Coisa diferente são as diferenças que o vocabulário ou a gramática impõem. Mas a essas não há acordo que nos valha.
Não será pelo Acordo que cá se vai usar o infinitivo menos do que lá se usa o gerúndio; ou que atacador deixará de ser cadarço; que apelido deixará de ser alcunha; que assobio deixará de ser silvo; que biberão deixará de ser mamadeira; que imposto deixará de ser propina; que cueca deixará de ser calcinha; ou que gira deixará de ter muita graça.
Tal como não é por falta de acordo que os autores brasileiros deixarão de ser cá lidos, muito lidos, ou que os nossos melhores deixarão de ser por lá admirados — precisamente por isso, porque são os nossos melhores.
Claro que, pelo caminho, haverá sempre quem se sinta tentado a argumentar com a ameaça, convencido de que também é critério e quem julgue que a língua se negoceia como se fosse petróleo, coisa que, diga-se, nos dava imenso jeito, mas infelizmente não temos ou pelo menos ainda não encontrámos.
Como o José Eduardo Agualusa, escritor angolano, que num artigo de opinião recente dispara assim: «Caso o Acordo Ortográfico não venha a ser aplicado — por resistência de Portugal —, entendo que Angola deveria optar pela ortografia brasileira. Somos um país independente. Não devemos nada a Portugal. O Brasil tem 180 milhões de habitantes e produz muito mais títulos, e a preços mais baratos, do que Portugal. Assim sendo, parece-me óbvio que temos mais vantagem em importar livros do Brasil do que de Portugal.
No futuro, Portugal pode sempre unir-se à Galiza.» Devo dizer que os equívocos de Agualusa quanto à origem da língua que fala são os que menos me importam. E bem que poderia até discutir de como deve a Portugal, mais que não seja, essa língua que utiliza e que até lhe vai servindo para vender um ou outro livro por cá…, não sei se pela Galiza também… Mas confesso que o número de títulos que produz ou o preço a que os venderá são, seguramente, o último dos argumentos capazes de me impressionar, até porque — como contraponto menos mercantilista, é certo! — sempre encontraria melhor exemplo na grandeza maior daquele Fernando Pessoa para quem «a pátria era a língua portuguesa»!… A língua que, em muitos momentos, só não vai mais longe porque, infelizmente, no que mais importa, muito mais do que neste Acordo, há quem, infelizmente, tendo o poder de decidir em Portugal, não tenha visão ou não tenha noção. Como recentemente na Venezuela, quando se pediu auxílio a Portugal para que o português lá fosse ensinado, respondeu-se simplesmente que não há recursos. Aí, sim, onde conta e onde se poderia marcar a diferença não se faz. Ora, esse é também um problema que este Acordo não resolverá.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Portugal.

A Sr.ª Teresa Portugal (PS): — Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.ª Secretária de Estado da Cultura: Começo por dizer que há alguma expectativa em relação a este debate parlamentar que assenta num equívoco. E esse equívoco já foi esclarecido pelo Sr. Ministro da Cultura, que fez bem, por isso, em situar o tema central deste debate no conteúdo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Portanto, o tema central deste debate não versa, de facto, os conteúdos do Acordo Ortográfico mas, sim, os conteúdos do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. É isso que nos traz esta proposta de resolução.

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Também já foi dito a esta Câmara que esse Protocolo Modificativo tem apenas dois artigos: um, que propõe a adesão de Timor Leste; e outro, que substitui uma anterior obrigação de todos os Estados signatários terem que depositar os seus instrumentos de ratificação e agora serem apenas três Estados signatários.
Assim, a consequência da aprovação deste Segundo Protocolo Modificativo será a entrada em vigor do Acordo Ortográfico nos prazos e nas condições propostos pelo Governo, que se compromete a salvaguardar uma transição sem rupturas, de que falarei mais adiante.
Os termos deste Segundo Protocolo assinalam um acto de diplomacia política, que opta por uma solução capaz de operacionalizar a entrada em vigor entre os oito países que o assinaram e que decorre do arrastado processo de ratificação, apenas cumprido, como já foi dito, por quatro dos países em causa.
Claro que, subjacente ao Protocolo — eu diria, até, no centro do Protocolo — continua a estar o acordo ortográfico. Mas sobre o acordo ortográfico já tudo foi dito, porque houve tempo em excesso para todos os pronunciamentos em volta daquilo que já foi chamado uma «demanda ortográfica» e sobre a qual já se usaram palavras como «guerra», «peleja», «combate», porque como toda a gente já percebeu, esta é uma longa demanda que se iniciou no tempo da 1.ª República, com uma versão ainda hoje altamente respeitada.
Há dois olhares sobre o acordo ortográfico: o olhar do património e da ciência da língua e um olhar de natureza política.
A tal arrastada, acesa, apaixonada polémica, que colheu grande participação de artistas, linguista, filólogos, escritores, professores, cidadãos anónimos, que se têm mobilizado até à última semana e que, muito recentemente, apresentaram uma petição na Assembleia da República, expressa o primeiro desses olhares, aquele que se concentra nas questões do foro linguístico e do património da língua.
No outro olhar prevalecem razões de natureza política que, partindo da importância geoestratégica da língua portuguesa no mundo actual, consideram a necessidade de um código ortográfico unificado entre os países de expressão portuguesa.
E sobre a necessidade de um código ortográfico unificado, há um consenso muito alargado, mesmo entre os mais radicais opositores ao acordo ortográfico, como é o caso do Professor Ivo Castro, que chegou mesmo a dizer, em determinado momento, o seguinte: «é intrinsecamente bom que se crie um código de ortografia que valha para todos os territórios onde se escreve português.» ou, a fonte das fontes, o Professor Óscar Lopes, que se pronunciou também nesta linha, dizendo que o acordo era um meio importante de preservar tradições culturais entre os, à época, sete países signatários e que agora são oito.
As razões que propõem a existência de um acordo são, portanto, respeitáveis. Desde logo dizer «acordo» é dizer «entendimento» e neste acordo entenderam-se nada menos do que oito Estados. Fizeram-no, aliás, no exercício da sua soberania e num acto de vontade própria, sem submissões nem constrangimentos. São todos países livres e independentes,…

A Sr.ª Manuela de Melo (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Teresa Portugal (PS): — … não há dominadores nem dominados, uns e outros, em pé de igualdade, decidiram aplicar um código ortográfico unificador à língua que a história se encarregou de salvaguardar como língua oficial comum a estes territórios.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Teresa Portugal (PS): — Aliás, no artigo 2.º da Constituição da República Federativa do Brasil e também nos países ex-colónias portuguesas está expresso como um acto de vontade livre desses países de o Português ser a sua língua oficial.
O que os motivou a esta decisão? O facto de existirem duas grafias diferentes — a de Portugal e a do Brasil.
Entendo que desta decisão pode ter surgido um facto novo: a criação de uma gestão em rede de língua portuguesa que deve ajudar a salvaguardar interesses comuns.
Foi também Óscar Lopes quem percebeu que «entre as 10 línguas mais faladas no mundo, o Português é a única que não tem um código ortográfico comum a todas as variantes nacionais».

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E eu acrescento que, entre as quatro línguas usadas nas relações internacionais (o Inglês, o Francês, o Espanhol, o Português), a única com duas grafias é o Português, o que arrasta consequências na sua utilização em todos os encontros internacionais.
Faz sentido, portanto, pôr a questão: deveria Portugal virar as costas a esta desvantagem internacional que, a continuar, acabaria por afectar o uso do Português relativamente às outras três línguas internacionais? Cuidar da internacionalização da língua portuguesa obriga-nos a estar atentos ao confronto com línguas com poder hegemónico, como é o caso do Inglês e do Espanhol.
Disse um escritor contemporâneo — creio que foi o Fernando Dacosta —, que «a língua não se muda por acordos nem por decretos, vai fluindo por si própria e pelos povos que a fazem.» Afectuosamente, vou citar Sottomayor Cardia, que, por ocasião do anterior debate, em 1991, disse a esta Assembleia: «a escrita não constitui apenas notações. É parte essencial da própria língua, é património e capital simbólico.» Acho que têm razão. É também desta maneira que sinto a minha relação com o património inestimável que é a nossa língua.
Mas não deixo de perguntar: poderá a língua caminhar sozinha neste mundo global e altamente marcado pela evolução tecnológica? Volto ao diploma do Governo e aos compromissos assumidos, porque eles merecem destaque, uma vez que respondem às grandes questões que são colocadas por artistas, por editores e por outros cidadãos: a primeira é a salvaguarda de uma transição sem rupturas, nomeadamente no que se refere ao ensino da língua portuguesa; depois, a não interferência na liberdade de escrita por parte dos criadores — eles também não precisariam que o Acordo ou o Protocolo dissessem isto, mas é importante que o diga!; por último, a criação de medidas de apoio ao sector editorial. Estas medidas acautelam as três áreas mais atingidas pelo Acordo e por isso saudamos essas medidas.
A terminar, formulo dois votos: primeiro, que este Acordo seja indicativo de um tempo novo em matéria de relações culturais com a lusofonia; segundo, que este Acordo sirva a língua portuguesa, que há muitos séculos partiu em «caravellas» — ao tempo escrevia-se com dois ll e depois a reforma ortográfica da 1.ª República encarregou-se de retirar um l — que regressariam com ouro e canela, mas deixariam por lá a língua que haveria de ser partilhada por milhões de cidadãos nos diferentes continentes do planeta Terra.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (N insc.): — Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas: Acho que a história deste Acordo define bem o teor da sua importância.
Adoptado em 1990, nunca foi possível a sua entrada em vigor e agora os dois Protocolos Modificativos demonstram essa mesma dificuldade. Limpámos datas e exigimos cada vez menos. Agora só três Estados têm necessidade de depositar a ratificação deste Acordo.
Não tenho, sobre esta matéria, a visão irrealista, e mesmo superficial, de que este passo é fundamental à promoção e à defesa da língua e da cultura portuguesas no mundo. Mas também não subscrevo as avaliações conspirativas de outros tantos.
Mas considero que as questões são outras e essas, sim, na minha opinião, de grande importância e de grande preocupação.
Em primeiro lugar, as incorrecções científicas e técnicas do Acordo de 1990 e que permitiram decisões erradas, que estão em cima da mesa e que esta Câmara não pode esquecer.
Em segundo lugar, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas, a facilidade com que o poder político produz legislação com tanta importância sobre uma matéria tão especializada, tão secularmente estudada e de forma tão leviana.
Em terceiro lugar, os conceitos retrógrados e conservadoras leituras sobre um organismo vivo que é a língua, com dinâmicas próprias e a que se chama, neste caso, a língua portuguesa.
Ficamos a saber, segundo alguns responsáveis por este diletante processo, que ele constitui uma estratégia de expansão e afirmação da língua na escala mundial.

 

Updated: 17/05/2022 — 19:56