TRATADO DE AMIZADE, COOPERAÇÃO E CONSULTA ENTRE A REPÚBLICA PORTUGUESA E A REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
O Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil, adiante denominadas «Partes Contratantes»:
Representados pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal e pelo Ministro de Estado das Relações Exteriores do Brasil, reunidos em Porto Seguro, aos 22 de Abril de 2000;
Considerando que nesse dia se comemora o 5.º centenário do facto histórico do descobrimento do Brasil;
Conscientes do amplo campo de convergência de objectivos e da necessidade de reafirmar, consolidar e desenvolver os particulares e fortes laços que unem os dois povos, fruto de uma história partilhada por mais de três séculos e que exprimem uma profunda comunidade de interesses morais, políticos, culturais, sociais e económicos;
Reconhecendo a importância de instrumentos similares que precederam o presente Tratado;
acordam no seguinte:
TÍTULO I
Princípios fundamentais
1
Fundamentos e objectivos do Tratado
Artigo 1.º
As Partes Contratantes, tendo em mente a secular amizade que existe entre os dois países, concordam em que suas relações terão por base os seguintes princípios e objectivos:
1) O desenvolvimento económico, social e cultural alicerçado no respeito dos direitos e liberdades fundamentais, enunciados na Declaração Universal dos Direitos do Homem, no princípio da organização democrática da sociedade e do Estado, e na busca de uma maior e mais ampla justiça social;
2) O estreitamento dos vínculos entre os dois povos com vista à garantia da paz e do progresso nas relações internacionais, à luz dos objectivos e princípios consagrados na Carta das Nações Unidas;
3) A consolidação da comunidade dos países de língua portuguesa, em que Portugal e Brasil se integram, instrumento fundamental na prossecução de interesses comuns;
4) A participação de Portugal e do Brasil em processos de integração regional, como a União Europeia e o Mercosul, almejando permitir a aproximação entre a Europa e a América Latina para a intensificação das suas relações.
Artigo 2.º
1 — O presente Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta define os princípios gerais que hão-de reger as relações entre os dois países, à luz dos princípios e objectivos atrás enunciados.
2 — No quadro por ele traçado, outros instrumentos jurídicos bilaterais, já concluídos ou a concluir, são ou poderão ser chamados a desenvolver ou regulamentar áreas sectoriais determinadas.
2
Cooperação política e estruturas básicas de consulta e cooperação
Artigo 3.º
Em ordem a consolidar os laços de amizade e de cooperação entre as Partes Contratantes, serão intensificadas a consulta e a cooperação política sobre questões bilaterais e multilaterais de interesse comum.
Artigo 4.º
A consulta e a cooperação política entre as Partes Contratantes terão como instrumento:
a) Visitas regulares dos Presidentes dos dois países;
b) Cimeiras anuais dos dois Governos, presididas pelos chefes dos respectivos Executivos;
c) Reuniões dos responsáveis pela política externa de ambos os países, a realizar, em cada ano, alternadamente, em Portugal e no Brasil, bem como, sempre que recomendável, no quadro de organizações internacionais, de carácter universal ou regional, em que os dois Estados participem;
d) Visitas recíprocas dos membros dos poderes constituídos de ambos os países, para além das referidas nas alíneas anteriores, com especial incidência naquelas que contribuam para o reforço da cooperação interparlamentar;
e) Reuniões de consulta política entre altos funcionários do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal e do Ministério das Relações Exteriores do Brasil;f) Reuniões da Comissão Permanente criada por este Tratado ao abrigo do artigo 69.º
Artigo 5.º
A consulta e a cooperação nos domínios cultural e científico, económico e financeiro e em outros domínios específicos processar-se-ão através dos mecanismos para tanto previstos no presente Tratado e nos acordos sectoriais relativos a essas áreas.
TÍTULO II
Dos portugueses no Brasil e dos brasileiros em Portugal
1
Entrada e permanência de portugueses no Brasil e de brasileiros em Portugal
Artigo 6. º
Os titulares de passaportes diplomáticos, especiais, oficiais ou de serviço, válidos de Portugal ou do Brasil, poderão entrar no território da outra Parte Contratante ou dela sair sem necessidade de qualquer visto.
Artigo 7.º
1 — Os titulares de passaportes comuns válidos de Portugal ou do Brasil que desejem entrar no território da outra Parte Contratante para fins culturais, empresariais, jornalísticos ou turísticos, por período de até 90 dias, são isentos de visto.
2 — O prazo referido no n.º 1 poderá ser prorrogado segundo a legislação imigratória de cada um dos países, por um período máximo de 90 dias.
Artigo 8.º
A isenção de vistos estabelecida no artigo anterior não exime os seus beneficiários da observância das leis e regulamentos em vigor, concernentes à entrada e permanência de estrangeiros no país de ingresso.
Artigo 9.º
É vedado aos beneficiários do regime de isenção de vistos estabelecido no artigo 6.º o exercício de actividades profissionais cuja remuneração provenha de fonte pagadora situada no país de ingresso.
Artigo 10.º
As Partes Contratantes trocarão exemplares dos seus passaportes em caso de mudança dos referidos modelos.
Artigo 11. º
Em regime de reciprocidade, são isentos de toda e qualquer taxa de residência os nacionais de uma das Partes Contratantes residentes no território da outra Parte Contratante.
2
Estatuto de igualdade entre portugueses e brasileiros
Artigo 12.º
Os portugueses no Brasil e os brasileiros em Portugal, beneficiários do estatuto de igualdade, gozarão dos mesmos direitos e estarão sujeitos aos mesmos deveres dos nacionais desses Estados, nos termos e condições dos artigos seguintes.
Artigo 13.º
1 — A titularidade do estatuto de igualdade por portugueses no Brasil e por brasileiros em Portugal não implicará em perda das respectivas nacionalidades.
2 — Com ressalva do disposto no n.º 3 do artigo 17.º, os portugueses e brasileiros referidos no n.º 1 continuarão no exercício de todos os direitos e deveres inerentes às respectivas nacionalidades, com exclusão aqueles que ofenderem a soberania nacional e a ordem pública do Estado de residência.
Artigo 14.º
Exceptuam-se do regime de equiparação previsto no artigo 12.º os direitos expressamente reservados pela Constituição de cada uma das Partes Contratantes aos seus nacionais.
Artigo 15.º
O estatuto de igualdade será atribuído mediante decisão do Ministério da Administração Interna, em Portugal, e do Ministério da Justiça, no Brasil, aos brasileiros e portugueses que o requeiram, desde que civilmente capazes e com residência habitual no país em que ele é requerido.
Artigo 16.º
O estatuto de igualdade extinguir-se-á com a perda, pelo beneficiário, da sua nacionalidade ou com a cessação da autorização de permanência no território do Estado de residência.
Artigo 17.º
1 — O gozo de direitos políticos por portugueses no Brasil e por brasileiros em Portugal só será reconhecido aos que tiverem três anos de residência habitual e depende de requerimento à autoridade competente.
2 — A igualdade quanto aos direitos políticos não abrange as pessoas que, no Estado da nacionalidade, houverem sido privadas de direitos equivalentes.
3 — O gozo de direitos políticos no Estado de residência importa na suspensão do exercício dos mesmos direitos no Estado da nacionalidade.
Artigo 18.º
Os portugueses e brasileiros beneficiários do estatuto de igualdade ficam submetidos à lei penal do Estado de residência nas mesmas condições em que os respectivos nacionais e não estão sujeitos à extradição, salvo se requerida pelo Governo do Estado da nacionalidade.
Artigo 19.º
Não poderão prestar serviço militar no Estado de residência os portugueses e brasileiros nas condições do artigo 12.º A lei interna de cada Estado regulará, para esse efeito, a situação dos respectivos nacionais.
Artigo 20.º
O português ou brasileiro, beneficiário do estatuto de igualdade, que se ausentar do território do Estado de residência terá direito à protecção diplomática apenas do Estado da nacionalidade.
Artigo 21.º
Os Governos de Portugal e do Brasil comunicarão reciprocamente, por via diplomática, a aquisição e perda do estatuto de igualdade regulado no presente Tratado.
Artigo 22.º
Aos portugueses no Brasil e aos brasileiros em Portugal, beneficiários do estatuto de igualdade, serão fornecidos, para uso interno, documentos de identidade de modelos iguais aos dos respectivos nacionais, com a menção da nacionalidade do portador e referência ao presente Tratado.
TÍTULO III
Cooperação cultural, científica e tecnológica
1
Princípios gerais
Artigo 23.º
1 — Cada Parte Contratante favorecerá a criação e a manutenção, em seu território, de centros e institutos destinados ao estudo, pesquisa e difusão da cultura literária, artística, científica e da tecnologia da outra Parte.
2 — Os centros e institutos referidos compreenderão, designadamente, bibliotecas, núcleos de bibliografia e documentação, cinematecas, videotecas e outros meios de informação.
Artigo 24.º
1 — Cada Parte Contratante esforçar-se-á por promover no território da outra o conhecimento do seu património cultural, nomeadamente através de livros, periódicos e outras publicações, meios áudio-visuais e electrónicos, conferências, concertos, exposições, exibições cinematográficas e teatrais e manifestações artísticas semelhantes e programas radiofónicos e de televisão.
2 — À Parte promotora das actividades mencionadas no número ou parágrafo anterior caberá o encargo das despesas delas decorrentes, devendo a Parte em cujo território se realizem as manifestações assegurar toda a assistência e a concessão das facilidades ao seu alcance.
3 — A todo o material que fizer parte das referidas manifestações será concedida, para efeito de desembaraço alfandegário, isenção de direitos e demais imposições.
Artigo 25.º
Com o fim de promover a realização de conferências, estágios, cursos ou pesquisas no território da outra Parte, cada Parte Contratante favorecerá e estimulará o intercâmbio de professores, estudantes, escritores, artistas, cientistas, pesquisadores, técnicos e demais representantes de outras actividades culturais.
Artigo 26.º
1 — Cada Parte Contratante atribuirá anualmente bolsas de estudo a nacionais da outra Parte possuidores de diploma universitário, profissionais liberais, técnicos, cientistas, pesquisadores, escritores e artistas, a fim de aperfeiçoarem os seus conhecimentos ou realizarem pesquisas no campo das suas especialidades.
2 — As bolsas de estudo deverão ser utilizadas no território da Parte que as tiver concedido.
Artigo 27.º
1 — Cada Parte Contratante promoverá, através de instituições públicas ou privadas, especialmente institutos científicos, sociedades de escritores e artistas, câmaras e institutos de livros, o envio regular das suas publicações e demais meios de difusão cultural com destino às instituições referidas no n.º 2 do artigo 23.º
2 — Cada Parte Contratante estimulará a edição, a co-edição e a importação das obras literárias, artísticas, científicas e técnicas de autores nacionais da outra Parte.
3 — As Partes Contratantes estimularão entendimentos entre as instituições representativas da indústria do livro, com vista à realização de acordos sobre a tradução de obras estrangeiras para a língua portuguesa e sua edição.
4 — As Partes Contratantes organizarão, através dos seus serviços competentes, a distribuição coordenada das reedições de obras clássicas e das edições de obras originais feitas em seu território, em número suficiente para a divulgação regular das respectivas culturas entre instituições e pessoas interessadas da outra Parte.
Artigo 28.º
1 — As Partes Contratantes comprometem-se a estimular a cooperação nos campos da ciência e da tecnologia.
2 — Essa cooperação poderá assumir, nomeadamente, a forma de intercâmbio de informações e de documentação científica, técnica e tecnológica; de intercâmbio de professores, estudantes, cientistas, pesquisadores, peritos e técnicos; de organização de visitas e viagens de estudo de delegações científicas e tecnológicas; de estudo, preparação e realização conjunta ou coordenada de programas ou projectos de pesquisa científica e de desenvolvimento tecnológico; de apoio à realização, no território de uma das Partes, de exposições de carácter científico, tecnológico e industrial, organizadas pela outra Parte Contratante.
Artigo 29.º
Os conhecimentos tecnológicos adquiridos em conjunto, em virtude da cooperação nos campos da ciência e da tecnologia, concretizados em produtos ou processos que representem invenções, serão considerados propriedade comum e poderão ser patenteados em qualquer das Partes Contratantes, conforme a legislação aplicável.
Artigo 30.º
As Partes Contratantes propõem-se levar a cabo a microfilmagem ou a inclusão em outros suportes electrónicos de documentos de interesse para a memória nacional do Brasil e de Portugal existentes nos respectivos arquivos e examinarão em conjunto, quando solicitadas, a possibilidade de participação nesse projecto de países de tradição cultural comum.
Artigo 31.º
1 — Cada Parte Contratante, com o objectivo de desenvolver o intercâmbio entre os dois países no domínio da cinematografia e outros meios audiovisuais, favorecerá a co-produção de filmes, vídeos e outros meios audiovisuais, nos termos dos parágrafos seguintes.
2 — Os filmes cinematográficos de longa ou curta metragem realizados em regime de co-produção serão considerados nacionais pelas autoridades competentes dos dois países e gozarão dos benefícios e vantagens que a legislação de cada Parte Contratante assegurar às respectivas produções.
3 — Serão definidas em acordo complementar as condições em que se considera co-produção, para os efeitos do parágrafo anterior, a produção conjunta de filmes cinematográficos, por organizações ou empresas dos dois países, bem como os procedimentos a observar na apresentação e realização dos respectivos projectos.
4 — Outras co-produções audiovisuais poderão ser consideradas nacionais pelas autoridades competentes dos dois países e gozar dos benefícios e vantagens que a legislação de cada Parte Contratante assegurar às respectivas produções, em termos a definir em acordo complementar.
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Cooperação no domínio da língua portuguesa
Artigo 32.º
As Partes Contratantes, reconhecendo o seu interesse comum na defesa, no enriquecimento e na difusão da língua portuguesa, promoverão, bilateral ou multilateralmente, em especial no quadro da comunidade dos países de língua portuguesa, a criação de centros conjuntos para a pesquisa da língua comum e colaboração na sua divulgação internacional, e nesse sentido apoiarão as actividades do Instituto Internacional de Língua Portuguesa, bem como iniciativas privadas similares.
3
Cooperação no domínio do ensino e da pesquisa
Artigo 33 .º
As Partes Contratantes favorecerão e estimularão a cooperação entre as respectivas universidades, instituições de ensino superior, museus, bibliotecas, arquivos, cinematecas, instituições científicas e tecnológicas e demais entidades culturais.
Artigo 34 .º
Cada Parte Contratante promoverá a criação, nas respectivas universidades, de cátedras dedicadas ao estudo da história, literatura e demais áreas culturais da outra
Parte.
Artigo 35 .º
Cada Parte Contratante promoverá a inclusão nos seus programas nacionais, nos vários graus e ramos de ensino, do estudo da literatura, da história, da geografia e das demais áreas culturais da outra Parte.
Artigo 36 .º
As Parte Contratantes procurarão coordenar as actividades dos leitorados do Brasil e de Portugal em outros países.
Artigo 37 .º
Nos termos a definir por acordo complementar, poderão os estudantes brasileiros ou portugueses, inscritos em uma universidade de uma das Partes Contratantes, ser admitidos a realizar uma parte do seu currículo académico em uma universidade da outra Parte Contratante.
Artigo 38 .º
Também em acordo complementar será definido o regime de concessão de equivalências de estudos nacionais das Partes Contratantes que tenham tido aproveitamento escolar em estabelecimentos de um desses países, para o efeito de transferência e de prosseguimento de estudos nos estabelecimentos da outra Parte Contratante.
4
Reconhecimento de graus e títulos académicos e de títulos de especialização
Artigo 39.º