Associação Portuguesa de Linguística
Faculdade de Letras de Lisboa
Alameda da Universidade
1600-214 – Lisboa Portugal
Ex.ma Senhora
Dr.ª Simonetta Luz Afonso
Presidente do Instituto Camões
É com grande agrado e sentido de responsabilidade que a Associação Portuguesa de Linguística responde à consulta da iniciativa de V. Ex.ª sobre as consequências da entrada em vigor do Acordo Ortográfico de 1990.
Por razões de política linguística, a Associação Portuguesa de Linguística considera que:
1. Não tendo o Acordo Ortográfico de 1990, contrariamente ao que acontecera com as propostas de 1986 e de 1988, sido objecto de análise técnica rigorosa por parte da comunidade científica, parece-nos prudente suspender quaisquer actos que tornem irreversível a sua aprovação pelo Governo Português, nomeadamente, os que conduzam à ratificação dos dois Protocolos Modificativos de 1998 e de 2004.
2. Na verdade, a adesão ao Protocolo Modificativo de 2004 criaria uma situação de não uniformização da ortografia da língua portuguesa entre Portugal e Angola e Moçambique, países cujo número de falantes do português como língua materna e como língua segunda tem crescido notavelmente, e nas relações com os quais a questão ortográfica nunca se colocou.
3. Esta quebra da união actualmente existente entre Portugal e todos os novos países de língua oficial portuguesa teria como ganho uma eventual união ortográfica entre Portugal, o Brasil e Cabo Verde. Ora dados históricos mostram que, mesmo quando o Governo brasileiro tornou lei acordos ortográficos negociados pela Academia Brasileira das Letras e pela Academia de Ciências de Lisboa, os mesmos continuaram a não ser adoptados no Brasil, devido a forte reacção de sectores intelectuais e políticos, que os consideraram submissão ao antigo colonizador.
4. Recentemente, importantes instrumentos de normalização linguística foram publicados sob a égide da Academia Brasileira das Letras (dicionário Houaiss) e da Academia de Ciências de Lisboa (dicionário Malaca Casteleiro), adoptando cada um a actual ortografia. É duvidoso que, neste novo contexto, as duas academias demonstrem o empenho que as caracterizou em 1986, 1988 e 1990 na defesa de uma união ortográfica que tornaria obsoletos tais dicionários e não se antevê que outras instituições ou personalidades poderão estar dispostas a tomar a seu cargo tal defesa.
Às razões acima aduzidas para aconselharem a suspensão do processo visando a entrada em vigor deste Acordo, acrescem razões não menos importantes de natureza científica. Assim:
1. O Acordo Ortográfico de 1990 não visa “impor uma unificação ortográfica absoluta” (p. 1341), antes se assumindo como um texto que “representa uma versão menos forte do que as que foram conseguidas em 1945 e 1986.” (p. 1342). Ou seja, o presente acordo tem como filosofia de base uma versão fraca de unificação ortográfica, defendida, já em 1987, na obra Demanda da Ortografia Portuguesa1. Com efeito, afirmava-se nessa obra:
Dadas as características fónicas que distinguem actualmente as variantes europeia e brasileira do português e o peso da diferente tradição gráfica em cada um dos países, é irrealista defender a versão forte de unificação proposta pelo Acordo de 45. A nosso ver, um Acordo Ortográfico deve reflectir uma versão fraca de unificação que legitime grafias divergentes, justificadas pelo critério fónico.
(Castro, Duarte e Leiria, 1987: 7)
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1 Castro, I., I. Duarte e I. Leiria (1987). A Demanda da Ortografia Portuguesa. Comentário do Acordo Ortográfico de 1986 e subsídios para a questão que se lhe seguiu. Lisboa: Edições João Sá da Costa.