COMISSÃO NACIONAL DA LÍNGUA PORTUGUESA
Parecer sobre o Anteprojecto de Bases da Ortografia Unificada da Língua Portuguesa (1988)
elaborado pela Academia das Ciências de Lisboa
A Comissão Nacional da Língua Portuguesa, na sua reunião plenária extraordinária de 22 de Junho de 1989, convocada exclusivamente para a elaboração do parecer solicitado por Sua Excelência a Secretária de Estado da Cultura, através do seu Despacho n.º 23/89, de 15 de Março, analisou o Anteprojecto de Bases da Ortografia Unificada da Língua Portuguesa (1988) apresentado ao Governo pela Academia das Ciências de Lisboa.
A Comissão Nacional da Língua Portuguesa baseou a sua apreciação nos pareceres que lhe foram enviados por diversas instituições e por abalizados linguistas, nos elementos de informação proporcionados por uma sondagem de opinião de professores e alunos de todos os níveis de ensino e num relatório preparado um grupo de trabalho coordenado pelo Professor Óscar Lopes.
A Comissão entende que «a unidade intercontinental do português», passando também pela ortografia, assenta fundamentalmente nos domínios fónico, morfológico, sintáctico, lexical e semântico e que, por isso mesmo, um acordo ortográfico representa um importante instrumento para a preservação dessa unidade, mas não constitui a sua pedra angular, nem vale só por si.
Um projecto de acordo ortográfico só faz sentido e só será exequível e fecundo no quadro de uma política supranacional de difusão e promoção da língua portuguesa no mundo, quer através do seu ensino, quer através da sua valorização cultural, quer através da sua consolidação e expansão como instrumento de comunicação internacional.
Afigura-se perigoso reduzir o desenvolvimento de estratégias comuns no espaço da língua portuguesa e a problemática das relações culturais entre os países de língua portuguesa à mera questão do acordo ortográfico — redução que seria não apenas cultural mente empobrecedora. mas que entregaria todo o problema à inquietante deriva dos interesses económicos ou superficial e imediatamente políticos. Só no quadro da referida política da Língua — política a ser negociada por todos os países lusófonos e cujo cumprimento todos estes se devem formalmente co-responsabilizar — um acordo ortográfico perderá a sua carga simbólica excessivamente dramatizada, se afastarão o risco e a ameaça de atitudes de nacionalismo acrítico e se poderá evitar, como justamente é sublinhado no parecer elaborado por representantes das várias instâncias do Ministério da Educação. que «o acto de defesa de um acordo supranacional» acabe «por se transformar numa prática antinacional».
A Comissão Nacional da Língua Portuguesa reconhece a importância relativa de um acordo ortográfico como instrumento de manutenção da solidariedade do domínio lusofalante, como contribuição para o desenvolvimento controlado das inevitáveis derivas diversificadoras e como instrumento de valorização da língua portuguesa na sua expressão internacional, pois permitirá um melhor aproveitamento das suas potencialidades. Assim, a Comissão Nacional da Língua Portuguesa aprovou por unanimidade uma proposta no sentido de vir a ser elaborado e aprovado um acordo ortográfico que se integre numa política da língua portuguesa — uma política bem definida, institucionalizada e posta em prática em toda a comunidade dos países lusófonos e assente, como ficou dito, numa geral co-responsabilização garantida por um convénio celebrado ao mais alto nível político.
Ora, o Anteprojecto de Bases da Ortografia Unificada da Língua Portuguesa (1988) não corresponde ao entendimento que a Comissão tem sobre a natureza e a função de um acordo ortográfico, no âmbito de uma política geral da Língua portuguesa; embora não apresente propostas tão controversas, inadequadas e incorrectas como o projecto de acordo ortográfico de 1986 e, em vários aspectos, ofereça importantes contributos e problematizações, sofre de numerosas insuficiências e deficiências científicas e técnico-linguísticas que são analisadas no relatório anexo.
Assim, considerando todas as’ ordens de razoes mencionadas — atinentes a uma política da língua e razões de natureza científica —, a Comissão Nacional da Língua Portuguesa decidiu, por doze votos a favor e dois votos de abstenção, emitir parecer desfavorável sobre o Anteprojecto de Bases da Ortografia Unificada da Portuguesa (1988).
Lisboa, 30 de Junho de 1989
O Coordenador da Comissão Nacional da Língua Portuguesa
VITOR MANUEL DE AGUIAR E SILVA
Nota: se porventura tiver curiosidade em ler a parte técnica deste Parecer da CNALP, queira consultar a (extensa) documentação anexa ao Relatório Final sobre a Petição de Vasco Graça Moura et al.