Marcelo mostra os seus “extraordinários” dotes de sutáki brasileiro |
Lula da Silva, Marcelo e Janja (Grã-Cruz da Ordem Infante D. Henrique) |
Abstraiamo-nos das questões protocolares ou diplomáticas envolvidas. Atenhamo-nos apenas aos factores políticos que, não muito subtilmente, enformam mais esta cerimónia.
De facto, vamos assistindo — como é da tradição portuguesa, impassível e sonolentamente — a um estranho frenesi de imposição de insígnias, condecorações e títulos, por parte das autoridades tuguesas, tendo por obsessivo objectivo único “honrar” determinadas “personalidades” brasileiras. Talvez, se atendermos ao facto de ser este um vício já antigo — a peganhenta bajulação ao “gigante” sul-americano é uma idiossincrasia nacional –, possamos admitir alguma espécie de atenuante para tão esquizofrénica mania; porém, nem “no tempo da outra senhora” se viam tão frenéticas quanto frequentes engraxadelas como agora. Urge seja criada quiçá mais uma “entidade reguladora”, mas esta, por absoluta excepção, com algum préstimo; tão utilíssimo serviço público poderia vir a chamar-se, por exemplo, Provedoria Geral de Engraxadoria ou, simplificando, Observatório da Engraxadela.
Foi o doutoramento Honoris Causa de Lula da Silva pela Universidade de Coimbra, em 2011, com a (política e diplomaticamente inexplicável) presença do então PR Cavaco Silva.
Foi o Prémio Camões 2019 para Chico Buarque, com o Governador Geral do 28.º Estado da RFB a “óminágiá u lauriadu” em brasileiro.
Foi a condecoração de Janja, mulher de Lula, “com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, destinada a distinguir serviços relevantes a Portugal ou na expansão da cultura portuguesa“.
E é agora esta outra, ocorrida há poucos dias, a do doutoramento Honoris Causa do cantor brasileiro Gilberto Gil pela Universidade Nova de Lisboa. Como se vê, até porque isso está escarrapachado na notícia, o artista fez um intervalozinho na sua tournée e deu um saltinho à “cápitau” da “terrinha” para receber o títulozinho académico — que, pelo menos no que toca a brasileiros, começa a ser um ritual praxista.
Após esta cerimónia e empochando o título, aliás ao invés dos carolos e das pinturas na testa vulgares em qualquer praxe, o dito artista vai logo de seguida dar mais um “espetáculo”, por mero acaso na mesma Lisboa da generosa Universidade que lhe impôs borla (de certeza) e capelo (se calhar). Da capital do 28.º Estado seguirá para o Porto, a segunda maior cidade provincial, “para o último de três concertos em solo” tuguês.
Da absoluta vacuidade das suas palavras, incluindo os agradecimentos do alto da burra e os desejos de tornar não sei quê “mais suave, mais flexível, mais aberto e afecto às coisas do afecto e do amor“, tiradas que não desmerecem dos discursos de qualquer recém-eleita Miss Universo, pouco ou absolutamente nada haverá a notar ou a anotar.
O mesmo já não se poderá dizer, evidentemente, quanto ao significado político de mais esta enérgica escovadela a que se prestaram — e de cara alegre — tanto o colégio académico de “engraxates” (em Português, engraxadores) como ou principalmente o seu “magnífico”… errrr… coiso.
Provavelmente, ou por pura ignorância ou porque também o Latim “já não se usa”, visto ser “muito complicado”, a nenhum dos “ilustres” brasileiristas daquela universidade alfacinha terá ocorrido sequer dar uma vista de olhos à divisa da instituição: “OMNIS CIVITAS CONTRA SE DIVISA NON STABIT”.
Gilberto Gil recebe título Doutor Honoris Causa pela Universidade NOVA de Lisboa
sicnoticias.pt, 31.10.23
Daniela Tomé
CulturaO compositor e cantor Gilberto Gil está em digressão pela Europa. Esta terça-feira volta a actuar em Lisboa e na quinta-feira dirige-se ao Porto, para o último de três concertos em solo português.
O músico brasileiro Gilberto Gil foi distinguido na tarde desta terça-feira com o título doutor ‘honoris causa’, pela Universidade Nova de Lisboa. Na cerimónia de atribuição do título, Gilberto Gil, de 81 anos, expressou a sua “gratidão profunda a todos da UNL”, e agradeceu o gesto da universidade para com um “cantor do simples, do subtil, quiçá do belo, por vezes acossado e assustado pelos horrores de um mundo traiçoeiro”.
Com 60 anos de carreira, Gilberto Gil foi ministro da Cultura do Brasil e sempre mostrou resistência contra a ditadura do país.
O compositor, que é um dos símbolos da cultura lusófona, afirmou que a política no país melhorou, desde a eleição de Lula da Silva há cerca de um ano.
Gilberto Gil, que conta com mais de 600 canções no seu reportório, está em digressão pela Europa, tendo dado um concerto esta segunda-feira, no Coliseu de Lisboa.
Esta terça-feira volta a actuar em Lisboa e na quinta-feira dirige-se ao Porto, para o último de três concertos em solo português.
O reitor da UNL, João Sáàgua falou, durante a cerimónia, num “dia único” e “muito feliz” para a UNL, e que a atribuição do título Honoris Causa ao cantor brasileiro é uma “expressão de profunda gratidão e reconhecimento pela sua vida e obra“.
“No caso de Gilberto Gil, honramos valores fundamentais que corporiza de dois modos — pela arte (representa para nós valores da energia criativa, alegria sã, harmonia cósmica e compreensão profunda da humanidade) e pela cidadania (representa para nós valores de liberdade, diversidade, igualdade, democracia)”, referiu.
Biografia
Nascido em 1942, em Salvador da Bahia, no Brasil, Gilberto Gil começou a carreira musical na década de 1950 a tocar acordeão, “inspirado por Luiz Gonzaga, pelo som da rádio e pelas procissões à porta de casa no interior da Bahia, até que surge João Gilberto, a bossa nova, e também Dorival Caymmi, com as suas canções imbuídas de praia e do mundo litoral”, como descreveu a promotora IM.par.
Figura central do Tropicalismo, Gilberto Gil também foi ministro da Cultura do Brasil entre 2003 e 2008, durante a administração do presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva, e é membro da Academia Brasileira de Letras desde 2021.
Instado na conferência de imprensa a recordar os tempos em que tutelou a área da Cultura, Gilberto Gil contou que “aquele momento foi uma oportunidade de endereçar ao país, e ao mundo todo, uma série de questões, de quesitos, da proposição cultural permanente que se vai tornando cada vez mais densa, cada vez mais caudalosa, com as grandes massas humanas, os grandes mercados“.
“O Ministério da Cultura foi uma tentativa de amplificar essa compreensão sobre essa extensa vastidão do mundo cultural no Brasil e no mundo, num momento em que nas relações internacionais o factor cultural tem cada vez mais peso, com a desmaterialização obrigatória das funções práticas da vida humana. Um telemóvel é o exemplo extraordinário dessa desmaterialização, a concentração da vida cultural num pequeno aparelhinho. Foi um momento para amplificar esse discurso”, disse.
Sempre que é questionado sobre questões culturais, Gilberto Gil lembra que “a Cultura anda sozinha, anda por si própria: é o resultado de falares, falas, modos de convívio, permanente, e a reverberação desse convívio através das linguagens”.
No entanto, há um papel, “discutível”, que o Estado tem na vida cultural de um país.
“Fomento, incentivo, mapeamentos, para que as populações tenham ideia de como se colocar no plano cultural. Tudo isso é papel do Estado, do governo federal, dos governos estaduais, municipais”, defendeu.
Papel da Cultura num mundo em conflitos
Gilberto Gil foi também questionado sobre o papel na Cultura numa altura em que há no mundo cada vez mais conflitos, entre os quais o que opõe Israel ao movimento islamita Hamas.
Para o músico, “a Arte, especialmente a música, todas as formas de expressão artística são balsâmicos, unguentos de que nos utilizamos para o amaciamento dessa musculatura enrijecida que é a humanidade cada vez mais complexa e cada vez mais volumosa, em termos de população, em termos de operação, a grande operação da vida contemporânea, moderna no mundo inteiro”.
“O papel da Arte, da canção em especial é balsamizar esse corpo todo no sentido de torná-lo mais suave, mais flexível, mais aberto e afecto às coisas do afecto e do amor, esse é o papel da canção, da música“, defendeu.
Gilberto Gil admite que “os aspectos tormentosos da vida humana” obrigam a um “discurso duro e menos harmonioso”, mas o papel da canção “é essa balsamização do corpo, em cada indivíduo e em todos os colectivos da sociedade humana”.
[Transcrição integral. Destaques meus. Cacografia brasileira corrigida automaticamente.]