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‘Todo o mundo e ninguém’

«Portugal precisa de boa imigração e de investimento, do Brasil e dos países de língua portuguesa, da mesma forma que o Brasil e os outros países precisam de uma porta de entrada para um mercado europeu.»
«O primeiro-ministro português sabe isso e vai lutar na União Europeia por um regime especial para os cidadãos dos países de língua portuguesa, tentando aprovar – ou pelo menos permitir – a criação de uma primeira “cidadania da língua” na história universal.» [José Manuel Diogo, “APBRA200”, 27.06.22] [post «Portugal, um Estado brasileiro na Europa»]

Na dita “comunidade” brasileira um país serve como capacho de entrada na Europa e de trampolim para África. A dita “mobilidade” só existe num sentido. A dita “reciprocidade” vale apenas no papel.
Todos os custos para um e todos os benefícios para o outro, eis aquilo em que consistem os sucessivos “acordos” entre Portugal e o Brasil. [post “Três mil e cem por dia”]

Brasileiros vão ter “estatuto de igualdade” digital e poder tratar do documento online: “Uma solução que é boa para todo o mundo”

O processo de digitalização “já está muito adiantado”, afirmou o secretário de Comunidades Brasileiras e Assuntos Consulares e Jurídicos do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, embaixador Leonardo Gorgulho, que se encontra em Lisboa para uma série de reuniões de trabalho

“Expresso”, 29.05.23

Os brasileiros residentes em Portugal vão ter um documento digital que lhes confere o estatuto de igualdade em relação aos portugueses em várias matérias e poderão tratar da documentação ‘online, garantiu hoje fonte oficial.

O processo de digitalização “já está muito adiantado”, afirmou o secretário de Comunidades Brasileiras e Assuntos Consulares e Jurídicos do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, embaixador Leonardo Gorgulho, que se encontra em Lisboa para uma série de reuniões de trabalho.

“Tivemos hoje uma conversa com o SEF [Serviço de Estrangeiros e Fronteiras], apresentamos a eles o documento que estamos desenvolvendo em seu formato que pretendemos seja o final (…), digital, e a receptividade foi muito boa“, referiu o diplomata.

O embaixador falava ao final da manhã no consulado-geral do Brasil na capital portuguesa, admitindo que o documento poderá estar apto naquele formato já no decurso de Junho.

“Eles estão muito satisfeitos e ficaram muito agradecidos de que a gente propicie esse tipo de alternativa“, acrescentou Leonardo Gorgulho, no encontro em que também participou o cônsul-geral do Brasil em Lisboa, Wladimir Valler Filho.

“Uma solução que é boa para todo o mundo. É boa para o cidadão, que vai receber em menos tempo [o cartão], é boa para o consulado, que consegue fazer o serviço e dispensa a vinda da pessoa aqui [ao consulado-geral em Lisboa] e é boa para o SEF, porque é um documento que vai ter as medidas de segurança que eles precisam que tenha”, explicou.

Segundo o responsável do Itamaraty (Ministério dos Negócios Estrangeiros), a ideia do Governo brasileiro é fazer um processo totalmente virtual dentro do e-consular (programa do consulado) com o qual as pessoas já estão familiarizadas.

“Assim como elas entram hoje no consulado para pedir passaporte e certidões entrarão no e-consular para pedir esse certificado, farão todas as etapas lá dentro, enviarão para validação e receberão um ‘e-mail’. Por esse ‘e-mail’ poderão acessar a esse documento”, especificou Leonardo Gorgulho.

O “documento vai ter um formato digital, um ‘keycode’ [código de acesso] e um ‘link’ para verificação da autenticidade. E as autoridades portuguesas através do código e do ‘link’ darão a validade necessária”, continuou.

De acordo com o responsável do Itamaraty, o Governo brasileiro espera que vá agilizar muito o processo, evitar filas e facilitar a vida das pessoas, pois não precisam de esperar agendamento no consulado para tirar o documento “e vão receber sem sair de sua casa o documento“.

No entanto, Leonardo Gorgulho alertou que se trata de “um documento só para Portugal”, acrescentando que isso demonstra a importância que o Governo brasileiro “dá à comunidade brasileira em Portugal”.

Segundo o diplomata do Itamaraty, o documento reflecte também o diálogo e a utilidade das reuniões de coordenação consular e das bilaterais regulares com Portugal ao longo dos últimos meses.

Por fim, mostra que “as soluções para os problemas podem vir de muitas formas”.

Quanto ao tempo para a entrada em vigor do processo, respondeu:”Não sei em que prazo nós vamos começar a emitir [o documento digital], mas vai ser muito em breve, não vai ser coisa de meses“.

“Estamos fazendo testes, porque isso não pode ser uma coisa leviana. Vamos fazer uma base de piloto, num ambiente controlado, mas isso tudo em etapas muito breves e próximas. A nossa ideia é que ao longo de Junho isso esteja apto”, concluiu.

[Transcrição integral. Cacografia brasileira do original corrigida automaticamente. Gráfico de: “ECO“.]

“Valor económico da língua” brasileira

“ranking” de passaportes por países em função do número de destinos

Línguas e Alfabetos: 2. Soletração

https://www.history.co.uk/history-of-ww2/code-breaking

The Enigma Machine | Image: Shutterstock

E N I G M A

O caso da língua gestual será porventura o exemplo mais ilustrativo daquilo que significa a comunicação entre seres humanos, que motivações específicas as explicam, que finalidades concretas pretendem servir e, partindo dessas motivações e finalidades, como e porquê se distinguem umas das outras.

Sempre evitando pisar os terrenos áridos da linguística e ainda que “traduzindo” quanto possível a nomenclatura técnica (de metalinguagem) envolvida, o que aqui se pretende destacar é o carácter espontâneo — e, portanto, livre — de todas as chamadas línguas naturais, do que resulta, por simples exclusão de partes, que a “língua universau” brasileira (#AO90) não passa de uma asquerosa aberração, passe a redundância.

Ainda que utilizemos para o efeito não apenas as línguas naturais como também as “artificiais”, a constatação ainda assim será a mesma: é absurdo sequer pretender tornar igual aquilo que é por natureza diferente.

https://www.magicalquote.com/movie/the-imitation-game/

«Quando as pessoas falam umas com as outras, nunca dizem o que pretendem dizer. Dizem outra coisa, mas pressupõem que os outros sabem o que elas querem dizer.»

A língua que hoje em dia é comummente utilizada no Brasil tem tanto a ver com a Língua Portuguesa como uma máquina de escrever comum em relação à Enigma, a codificadora utilizada pelas tropas alemãs na II Grande Guerra.

As teclas até podem ser iguais em ambas as máquinas, mas a escrita é diferente porque o significado do que se escreveu numa não tem absolutamente nada a ver com o que resulta na outra. Dois códigos, resultados diferentes.

E então, reza a História, para enfrentar aquele imbróglio em particular surgiu Alan Turing; a sua máquina descodificadora resolveu por fim o enigma da… Enigma. Foi por isso mesmo, segundo alguns historiadores, que os Aliados ganharam a guerra e que Adolf Hitler fez pela primeira vez um favor, isto é, deu um tiro na cabeça.

A máquina de Turing foi em simultâneo predecessora dos actuais computadores mas foi também continuadora, visto que utilizava o mesmo alfabeto da codificadora alemã (em teclado QWERTY), o qual, por seu turno, já era resultado de uma invenção patenteada em 1874 — a máquina de escrever. A linguagem cifrada do lado alemão (Enigma) era descodificada pela equipa de Turing através de determinação de ocorrências e consequente cálculo de probabilidades. Num dos muitos filmes sobre aquele período histórico, aventa-se a hipótese de a chave ter resultado do fecho de todas as mensagens: o conhecidíssimo “Heil Hitler”; significava “over&out”, portanto bastaria fazer corresponder cada uma das letras e deduzir as outras pela sua posição relativa… no alfabeto.

Esse mesmo alfabeto que naquela época, como de resto ainda hoje sucede, obedecia à tabela de comunicações que viria ser oficializada pela Organização Internacional de Aviação Civil.

ICAO – Alfabeto Radiotelefónico

https://unitingaviation.com/news/general-interest/youve-heard-alfa-bravo-charlie-but-do-you-know-where-it-came-from/

ICAO – International Civil Aviation Organization

The ICAO phonetic alphabeth as assigned the 26 code words to the 26 letters of the English alphabet in alphabetical order: Alfa, Bravo, Charlie, Delta, Echo, Foxtrot, Golf, Hotel, India, Juliett, Kilo, Lima, Mike, November, Oscar, Papa, Quebec, Romeo, Sierra, Tango, Uniform, Victor, Whiskey, X-ray, Yankee, Zulu. [Google]

Podemos dizer que, este sim, é o alfabeto de comunicações via rádio utilizado tanto pelos tripulantes portugueses como pelos brasileiros, estejam eles a bordo de um avião, de um navio ou até de uma nave espacial. Pois, pudera, a língua de telecomunicações (como sucede na informática ou na Internet) é o Inglês, não é nem o Mandarim nem o Hindi — apesar de a Índia e a China terem “muitos mais milhões” do que USA, UK e Commonwealth somados — e muito menos é o brasileiro, por mais que julguem alguns tugas que aquilo é que é um gigantone que só visto.

São imensas e muitíssimo diversificadas as aplicações do alfabeto fonético internacional, desde as militares (na NATO, por exemplo) às de comunicações via rádio, incluindo as dos Radioamadores, vulgo “macanudos”, e ainda, em algumas zonas fora de zonas “digitais”, nas comunicações por telefone convencional.

Das duas variantes nacionais do alfabeto da ICAO devemos destacar a utilizada em meios e para fins civis.

(mais…)

Línguas e Alfabetos: 1. Gestual

Aveiro Lisboa Faro Aveiro Braga Évora Tavira Ovar Setúbal

O título deste post representa a forma como seria dita a palavra ALFABETOS, via telefone ou rádiotelefonia, pelos trabalhadores do ramo das telecomunicações — em Portugal e nas ex-colónias africanas, depois PALOP — até meados dos anos 90 do século passado. Entretanto as tecnologias da comunicação evoluíram enormemente e, portanto, aquele alfabeto específico entrou em declínio e praticamente desapareceu, o que não quer dizer que esteja de todo extinto.

Uma forma completamente diferente de “soletrar” a mesma palavra ALFABETOS seria utilizando uma das mãos para formar os “gestos” correspondentes no alfabeto da Língua Gestual Portuguesa (LGP).

Sem entrar em grandes pormenores sobre a (ténue) linha de demarcação que separa as línguas verbais das não-verbais, a verdade é que existem muito mais línguas não-verbais do que aquelas que porventura possamos sequer tentar enumerar. Isto, evidentemente, no pressuposto de não atendermos àquilo que distingue os conceitos de língua, em sentido restrito, e de linguagem, em sentido lato.

Se de facto a língua obedece a um código e este implica uma estrutura, obedecendo por conseguinte a regras definidas (umas mais rígidas ou consolidadas do que outras), então linguagem difere de língua na medida em que — apesar de servir a mesma finalidade, ou seja, a comunicação — não está sujeita a normas, regras, códigos, estruturas ou sequer pressupostos. Mas… será exactamente assim?

Por exemplo, o “código da estrada” cumpre todos os requisitos definidores de “língua” (código, regras, prioridades, estrutura) mas não é… uma língua; cumpre uma função comunicativa mas sequer é uma linguagem. Por outro lado — o que demonstra a fluidez de ambos os conceitos –, os sinais e regras de trânsito remetem para… a linguagem jurídica; e esta, pelo menos nos meios académicos e políticos da área e nos meios jurídicos propriamente ditos (tribunais, órgãos criminais), acaba por autonomizar-se de tal forma — em relação à Língua nacional — que acaba por transformar-se numa língua particular, em certa medida autónoma, o “juridiquês”: cidadão que a não domine minimamente não irá entender sequer o que está a dizer o seu advogado de defesa ao meretíssimo juiz, por hipótese em pleno tribunal criminal, quem sabe se num procedimento legal perigoso para a carteira, para a liberdade ou até para a saúde do “arguido”…

E o que vale para o juridiquês vale para, também por exemplo, o futebolês, o politiquês ou qualquer outra das línguas/linguagens que definem — por exemplo — profissão, estatuto, condição social ou modo de vida; logo, um “povo” (comunidade, grupo, estrato) que partilha entre os seus uma língua/linguagem distinta da dos “outros”, ou seja, daqueles que obviamente não se incluem nessa “população” específica.

Não cabe aqui maçar as pessoas com termos técnicos — até por falta de verdadeiros especialistas em cada uma das matérias específicas –, mas apenas traçar um quadro abrangente e o mais simplificado possível das mais diversas formas de comunicação, daí extraindo os factores comuns, identitários e, por conseguinte, definidores do indivíduo enquanto membro de uma comunidade, um povo, uma nação, um país.

Desta contrastação identitária poderão resultar pelo menos algumas conclusões óbvias, a começar pelo facto de a imposição manu militari da “língua universau” brasileira (vulgo, #AO90) não passar de uma aberração, uma manobra puramente política e economicista, um golpe perpetrado por alguns traidores, trânsfugas, vendidos, mercenários tugas.

Para início de conversa, portanto, vejamos o caso mais flagrante: em Portugal existe a Língua Gestual Portuguesa (LGP) enquanto que no Brasil o que há é a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). São coisas completamente diferentes e, evidentemente, jamais passaria pela cabeça aos surdos do Brasil impor aos surdos portugueses a sua e a estes “adotar” a dos brasileiros.

LGP – Língua Gestual Portuguesa
https://jornalismofluc.shorthandstories.com/alfabeto/index.html

A Língua Gestual Portuguesa é uma das três línguas oficiais de Portugal, reconhecida na Constituição Portuguesa da República em 1997 [APS]

LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais
https://www.pinterest.es/pin/95349717104397984/

Libras é a sigla da Língua Brasileira de Sinais, uma língua de modalidade gestual-visual onde é possível se comunicar através de gestos, expressões faciais e corporais. [“Libras“][Imagem de “Pinterest“]

[Nota: agradecimentos a Maria João Nunes pela colaboração
prestada quanto ao alfabeto rádio/telefone PT.]

[continua]

Angola não foi “infetada”

Álcool ″desinfetante″: xinguilamentos da língua portuguesa em Angola (por ocasião do Dia Mundial da Língua Portuguesa)

José Luís Mendonça
www.novojornal.co.ao, 13.05.23

A data do 11 de Novembro de 1975 marcou, no plano político, a descolonização de Angola. E marcou também, no plano da cultura, a descolonização da língua portuguesa. Quarenta e sete anos passados sobre a data da independência, constata-se que a língua portuguesa passou por um processo de transformações exactamente igual ao que se verifica nas outras dimensões da vida nacional. Ao retrocesso na economia, ao retrocesso nas condições de vida das populações corresponde fielmente o mesmo retrocesso na comunicação em língua portuguesa.

A língua é um privilégio concedido pelos deuses à sua maior criação, o Homem. A língua, que, como alguém já desconstruiu, não é nenhum corpo vivo autónomo, mas uma pele imaterial que cobre todo o corpus do pensamento, dá cor à vida em sociedade: cada qual, no seu dia-a-dia a faz e refaz para se comunicar.

Daí que, quando em 1990, foi assinado em Lisboa, o Acordo sobre a Ortografia Unificada da Língua Portuguesa, não poucos insignes escritores, académicos e outros lusitanos se insurgiram contra essa normalíssima adaptação da ortografia do português aos novos tempos e, até, negaram a sua validade.

Angola assinou o AO90, mas, até à data, recusa ratificá-lo. Aquando da celebração do Dia da Língua Portuguesa e da Cultura da CPLP, no ano de 2019, o ministério da Educação da República de Angola tornou público um comunicado em que afirmava que pretende ver reflectidos no AO90, os aspectos da linguística bantu “para que a realidade linguística portuguesa de Angola possa ser retratada nas gramáticas contemporâneas”.

Ora, essa posição, também defendida pela Academia Angolana de Letras, contradiz a pragmática da língua portuguesa em Angola, pautada pela exclusão oficial dos aspectos da linguística bantu. Em Angola, escreve-se Cuanza-Norte, nome de província, mas a moeda nacional escreve-se Kwanza. Se Angola não faz uso do que lhe é peculiar, como pode pretender que os outros países da CPLP o façam?

O artigo 19.º da Constituição angolana estabelece que “1. A língua oficial da República de Angola é o português. 2. O Estado valoriza e promove o estudo, o ensino e a utilização das demais línguas de Angola, bem como das principais línguas de comunicação internacional.”

O que muita gente no pelouro da Educação desconhece é que o Acordo Ortográfico de 1990 na sua Base I, 1.º, restaura o k e o y e introduz o w, fazendo o alfabeto português possuir 26 letras: O Anexo II do Acordo contém o Item 7.1 (»Inserção do alfabeto»), que justifica a introdução dessas três letras e das três razões, destacamos a que nos interessa:

“c) Nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa existem muitas palavras que começam por aquelas letras.”

O que é que isto significa? Que o ministério da Educação, para além de falacioso, é preguiçoso, ao não criar um gabinete com peritos da língua pagos exclusivamente para elaborar estudos nesta área.

Quando o Estado não valoriza, nem promove o estudo, o ensino e a utilização das demais línguas de Angola estará ou não a incorrer numa inconstitucionalidade por omissão? Sendo assim, que fundamento existe para o ministério da Educação não ratificar o AO90, alegando “os aspectos da linguística bantu”?

O que o Estado angolano deve fazer é simplesmente apropriar-se da língua portuguesa e fazer bom uso dela, impondo “os aspectos da linguística bantu” que achar necessários e não estar sempre a lamuriar-se como um bebé rabugento. A isso se chama fazer o trabalho de casa. [destaque no original]

xinguilamento | n. m.

xin·gui·la·men·to

(xinguilar + -mento)

nome masculino

1. [Angola] Acto ou efeito de entrar em transe, de xinguilar.

2. [Angola] Ritual em que se invocam os espíritos.

“xinguilamento”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/xinguilamento [consultado em 16-05-2023].
Xinguilamento linguístico

Mesmo sem a ratificação do AO90, acontece, porém que, devido a um sistema de Ensino obsoleto, a grafia luso-brasileira entrou pela escola adentro, e implantou-se implacavelmente na comunicação social dos angolanos, através das interferências intercontinentais, pela mídia e pelas migrações humanas, sem apelo nem agravo. Entrou em Angola como um modo zungueiro ou informal de dizer e escrever a língua oficial.

Um aspecto muito peculiar do estado de expressão do português é o facto de haver, na esfera da Administração Pública tantos modos de escrever a língua veicular, quantos os níveis de aquisição de (in)competência linguística pelos utentes. A fala também absorve esta fenomenologia do discurso, porém a plurimorfose linguística na oralidade é universal, esmaltada no tempo e perfeitamente inócua.

Em Angola, são facilmente detectáveis seis substractos linguísticos que influenciam a comunicação verbal:

1. O Acordo Ortográfico de 1945, que rege a língua oficial;

2. O Acordo Ortográfico de 1990, que Angola recusa ratificar;

3. A norma do Português do Brasil importada pelos seus falantes e pela pesquisa dos nossos estudantes na internet;

4. A norma do Português de Portugal que nos chega pela mesma via da do Brasil;

5. A recriação popular da língua pela estrutura mental e oral dos angolanos;

6. O fenómeno intercontinental de simplificação com o abuso da crase.

Poder-se-á ainda acrescentar um sétimo substracto que nos chega dos Congos, das nuances da língua francesa, em que a crase não segue as mesmas regras do português.

Esses seis ou sete níveis criam em Angola uma autêntica confusão linguística, a modos de xinguilamento verbal, na comunicação oficial, com diversas gradações e modos individuais de perceber e transmitir o pensamento através da língua oficial.

Quando a escola não preserva a língua, o povo anónimo faz a língua sair para fora da bocarra das normas.

Neste momento, a primeira acção relevante para uniformizar tanto a grafia quanto a sintaxe da língua oficial é a ratificação do Acordo Ortográfico de 1990.[destaque no original] Concomitantemente, sem mais delongas, é urgente reciclar os professores do Ensino de Base, para que adquiram a necessária competência linguística do português, língua oficial e acabar com o xinguilamento existente, pelo menos no espaço da Escola.

[Transcrição integral. Destaques e “links” meus.
Os destaques no original foram mantidos e assinalados como tal.
Imagem de rodapé: “Screenshot” do site da EPL – Escola Portuguesa de Luanda.
Em “grafia luso-brasileira” tracei “luso”.]

Nota: o site da EPL – Escola Portuguesa de Luanda já está totalmente adulterado pela cacografia brasileira; a imagem foi obtida após correcção automática. Esta aberração, evidentemente financiada pelos brasileiristas do Estado tuga, é caso único em Angola. Toda a Administração Pública angolana, Presidência, Governo e demais organismos e entidades do Estado — e também todo o sector empresarial privado, toda a sociedade civil, todas as organizações e serviços — não apenas não aplicam (Angola não ratifica) o #AO90 como continuam a seguir a norma do Acordo Ortográfico de 1945 (que o Brasil recusou unilateralmente em 1955). Veja-se, a título de ilustração, a página governamental dedicada ao Ministério da Educação, cuja titular é licenciada pela Universidade do Minho.

O sabor da língua

Repete-se agora, ipsis verbis, com exactamente os mesmos pressupostos, um extracto do que já funcionou como introdução a um outro texticulo do mesmo autor, em 15.11.21:

«Na verdade, o brasileiro que assina a peça agora reproduzida (em baixo), tenta fazer-se passar por amigalhaço dos “tugas” em geral e principalmente por “cámárádjinha” dos “tugazinhos”, mas o objectivo real do textículo não passa, como sempre, de servir como panfleto propagandístico enaltecendo os putativos méritos da aniquilação não apenas da Língua Portuguesa escrita, via AO90, essa arma de destruição maciça, como também a eliminação da Língua propriamente dita: depois da ortografia, o léxico, a construção frásica, a morfologia, toda a Gramática, qualquer tipo de norma do Português… incluindo a prosódia (ortoépia), a fonética, a própria acústica articulatória.» [post Cefalópodes de colecção”]

Aparentemente, até poderia ser este um dos muitos adversários do AO90 (reais, não fingidos ou oportunistas), de entre aqueles que, no Brasil, não têm quaisquer pruridos em assumir que a língua nacional da República Federativa é o brasileiro e já não o Português. Pura e simples aparência, creio, se atendermos à profusão de alçapões conceptuais em que o indivíduo mergulha com indisfarçável gozo e também à desfaçatez com que articula uma “tese” estranhíssima e confusa — afirmando qualquer coisa e o seu contrário, por vezes na mesma frase — sobre exactamente coisíssima nenhuma.

Se atendermos apenas ao título da sua publicação mais conhecida (devo confessar a minha ignorância na matéria, aliás nem sei se o dito indivíduo alguma vez terá publicado outro livrito), este ao menos assume de caras que a língua brasileira já ultrapassou a fase da autonomização e, por conseguinte, constitui hoje um corpus linguístico totalmente independente, com o seu próprio léxico e a sua própria, característica, específica (ausência de) gramática.

Infelizmente, como se constata amiúde pelo afã com que os “nossos” governantes persistem em “adotar” uma língua estrangeira, ainda não são nem muitos nem muito claros aqueles que já nem tentam disfarçar a neo-colonização política, económica, linguística e cultural em curso.

O sabor do português falado no Brasil

Sérgio Rodrigues

 

O último dia 5 de maio, quando se comemorou o Dia Mundial da Língua Portuguesa, foi a deixa para mais uma série de repetições de um clichê enjoativo de grande sucesso em Portugal: “Os brasileiros falam português com açúcar”.

No departamento dos chavões deslavados, trata-se de um dos benignos. Costuma ser empregado em nossa defesa, por assim dizer, para apontar o que haveria de doce e sedutor numa fala cheia de vogais arreganhadas e gerúndios curvilíneos.

Se as escaramuças entre o português lusitano e o português brasileiro têm feito muita fumaça por lá nos últimos anos, alimentadas por fatores como resistência ao Acordo Ortográfico, imigração em massa e sucesso de youtubers, o “português com açúcar” parece uma tentativa — paternalista, mas não se pode ter tudo — de adoçar amarguras.

Simpático ou não, chavão é. De tanto topar com ele — inclusive usado com cômica solenidade por quem acredita enunciar uma sacada nova e genial —, fui ficando intrigado. Preocupado também: se o português falado por 80% dos lusoparlantes do mundo for tão açucarado, periga nossa língua estar diabética.

Duvido que tão elevada taxa de glicose estivesse nos planos do português Eça de Queirós quando lançou as bases desse lugar-comum na revista satírica “As Farpas”, em 1872, ao mencionar “aquela estranha linguagem, que parece português — com açúcar”.

[imagem]
“Engenho de Açúcar” (c. 1808-15), de Koster, imagem presente no livro ‘Adeus, senhor Portugal’ – Reprodução

Sim, o grande escritor se referia ao português falado no Novo Mundo. O texto traçava uma caricatura do “brasileiro”, tipo ridículo de novo-rico — a princípio o retrato de um português bronco que tinha feito fortuna no Brasil e regressado, mas suficientemente ambíguo para que os brasileiros se vissem incluídos no quadro.

E se viram mesmo. Houve protestos, represálias contra portugueses radicados aqui, quase um incidente diplomático — o circo completo, porque as escaramuças vêm de longe. O artigo de Eça é notícia velha, mas dele ficou, agora com sinal positivo, o “português com açúcar”. Por quê?

Será que o português brasileiro soa meloso a ouvidos lusos? Pode ser, mas a prosa literária portuguesa contemporânea tem tolerância bem maior a floreios poético-sentimentais — por aqui entretemos vícios de outra ordem, mas um certo sabor amargo vem predominando.

Quem sabe o “português com açúcar” seja uma referência histórica? Um dos principais produtos, ao lado do ouro com que a colônia sul-americana enriqueceu Portugal até o início do século 19, fruto do trabalho de escravizados, o açúcar teria de alguma forma deixado resíduos na língua falada na terra dos engenhos.

Se a contribuição dos povos trazidos à força da África, sobretudo os do grupo linguístico banto, foi de fato gigante na formação da nossa língua, o açúcar branquinho não é a associação que os estudiosos da matéria preferem.

A professora baiana Yeda Pessoa de Castro, maior autoridade brasileira em africanismos, deu o sugestivo título de “Camões com Dendê” (Topbooks) ao livro em que condensa os estudos de uma vida inteira.

O azeite de dendê, de origem africana, é levemente adocicado, mas é mais do que isso. Vermelho e denso, pode ser encontrado em uma série de pratos típicos da culinária afrobrasileira — salgados e, quase sempre, apimentados também.

[imagem]
Trabalhador colhe cacho de dendê em plantação no Pará – João Wainer –

Fica então a proposta de atualização do clichê eciano: o português brasileiro não tem só açúcar, mas também dendê, sal, pimenta, alho, urucum, tucupi e cachaça, entre outros ingredientes ainda não devidamente catalogados.

[Transcrição integral. Conservada a cacografia brasileira do original.
Destaques e “links” (a verde) meus.]