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Calçada à brasileira

“Calçadão” do Rio de Janeiro (Brasil)

A suprema patranha geralmente atrelada ao “acordo”, isto é, que a coisa serviria — entre outras não menores artistices — para elevar a “língua portuguesa” à “dignidade” de “língua oficial da Organização das Nações Unidas”, conta agora com o alto patrocínio do não menos alto magistrado cá da “terrinha”, como ternurentamente chamam os brasileiros a Portugal.
A “variante portuguesa” da língua brasileira foi já totalmente eliminada dos sistemas informáticos em geral e foi em particular exterminada nos motores de busca (Google), em todos os bancos de dados, agregadores de informação ou enciclopédias virtuais (Wikipedia).
Por conseguinte, apenas um perfeito imbecil poderá ter a mais ínfima dúvida sobre qual seria a 7.ª língua oficial da ONU, no improvável caso de americanos, ingleses, russos, espanhóis, franceses, chineses e árabes estarem pelos ajustes: caso vingue o “cambalacho”, será a língua brasileira, pois qual é a dúvida, essa “língua” que Marcelo e outros que tal andam por aí a promover com o rótulo de “portuguesa”.
[O brasileiro será a 7.ª língua oficial da ONU?]

No que respeita à expressão “língua portuguesa”, na mesma frase, é igualmente evidente que se trata de apropriação abusiva da designação para fins de promoção política da língua brasileira.
Foi aliás nesse mesmo pressuposto, isto é, assumindo que a “difusão e expansão” daquela língua — com a patine de um idioma europeu de raiz greco-latina — seria impossível caso fosse utilizada a palavra “brasileira” em vez de “portuguesa”.
O que importa, no caso, é que já não basta aos acordistas e neo-imperialistas tugas substituir a Língua Portuguesa pelo “fálá” brasileiro (a língua brasileira procura ser uma transcrição fonética “simplificada”); já não basta que o #AO90 tenha sido imposto manu militari a Portugal e, como segundo objectivo, aos PALOP, com 100% de imposições brasileiras e 100% de subjugação dos tugas que negociaram a venda da nossa Língua. Não, todo esse imenso cortejo de horrores já não satisfaz os vendilhões, os novos donos disto tudo. Querem ainda mais.
[Brasileiro foi língua líder em exame de acesso a universidades dos EUA em 2023]

Pelo menos, passará a dispor de uma outra perspectiva — sistemática e geralmente silenciada, porque inconveniente — de que não foi apenas de uma forma que o #AO90 chegou ao extremo de abuso, de usurpação, de liquidação sistemática do património imaterial português, de destruição da nossa herança histórica e do nosso mais precioso tesouro identitário.
[Resíduos tóxicos]

OPINIÃO

Um futuro para a língua portuguesa brasileira

Ana Paula Laborinho

 

Na Cimeira da CPLP, realizada em Agosto passado em São Tomé e Príncipe, o presidente Lula da Silva declarou que era tempo de o português brasileiro ser língua oficial das Nações Unidas e os países deveriam, em conjunto, desenvolver esforços nesse sentido. Trata-se de uma ambição há muito enunciada, mas importa considerar que esta declaração do presidente do Brasil se insere numa estratégia mais global que decorre do regresso à cena internacional e ao diálogo multilateral, que tem na língua uma relevante componente.

Há menos de uma semana, o jornalista brasileiro Jamil Chade publicou no portal Vozes uma notícia intitulada Brasil lança ofensiva diplomática para promover o português brasileiro no mundo, informando que, de acordo com fontes do Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores), a partir de 2023, esta estratégia passou a ser “uma das linhas prioritárias do Programa de Diplomacia Cultural do Instituto Guimarães Rosa (congénere do Instituto Camões), e acrescenta que “sendo o português brasileiro uma das línguas mais faladas no hemisfério sul, seu lugar no mundo faz parte do reposicionamento do país no debate internacional, principalmente depois de quatro anos de isolamento”.

Também o discurso do presidente Lula da Silva na abertura da 78.ª Assembleia Geral das Nações Unidas, no passado dia 19 de Setembro, centrado na urgência de combater a desigualdade, a fome e alertando para o agravamento da crise climática, insiste neste regresso à comunidade internacional: “Nosso país está de volta para dar a sua devida contribuição ao enfrentamento dos principais desafios globais. Resgatamos o universalismo da nossa política externa, marcada por diálogo respeitoso com todos.”
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“Whiskas saquetas”, Margarita

Ora, para alguém que está enterrada até acima do pescoço, ao serviço dos interesses brasileiros, na profissão de demolição da Língua Portuguesa, isto é doentio, é grave, é de facto uma patologia mental. [post “Margarita no sofá“]

E cá está ela novamente, desta vez aproveitando a boleia de uma moçambicana “ligeiramente” anti-portuguesa. Aliás, o tom sinistro de indisfarçável lusofobia perpassa pela verborreia de ambas estas mulheres com uma subtileza equivalente ao bocejo do hipopótamo.

De entre o chorrilho de enormidades, para não variar do seu estilo carroceiro, a “presidenta” do IILP esparrama nesta “local” do DN, por entre inúmeras passagens com a escova da bajulação ao Itamaraty, as suas “ideias” para que (ainda) mais fácil e rapidamente o seu querido Brasil tome conta disto tudo, de uma vez por todas. Parece um ‘cadinho aborrecida, porém, dado o facto — para ela, de todo intolerável — que Moçambique (além de Angola, como sabemos) ainda não tenha “adotado” o Brasileiro como língua oficial.

E que e que e que, blábláblá, Whiskas saquetas. Todo o palavreado do artigo, de cabo a rabo, é absolutamente insuportável. Transcrever esta abjecta porcaria já foi sacrifício suficiente, seja pelas alminhas, não vou agora citar ou destacar pedaços da asquerosa prosa, livra, que nojo.

Ora aqui está um caso flagrante em que se aplica o aforismo sobre a melhor forma de pegar num pedaço de esterco pelo lado limpo. Quem for capaz de tal proeza, pois então faça o favor de ler. Não se aprende nada, evidentemente, mas convém munir-se a gente de pelo menos alguns conselhos sensatos, como o de Sun Tzu (543-495 a.C.): “Keep your friends close and your enemies closer”.

A descolonização da língua portuguesa

Margarita Correia
29 Maio 2023

O discurso de Paulina Chiziane aquando da entrega do Prémio Camões desencadeou notícias e ondas de choque nas redes sociais, provando a importância e o impacto dos temas que abordou, que são daqueles que mexem com as pessoas e carecem de análise e discussão. Não pude ouvir o discurso em directo e não o encontrei na Internet; é no que vou lendo e na minha experiência que baseio a reflexão que aqui trago. Ao falar da necessidade de descolonizar a língua portuguesa, a autora deu exemplos da descrição de conceitos ligados à vivência africana recebiam em dicionários de língua. Ainda que o tópico seja relevante e preocupação constante de fazedores de dicionários e boas editoras, a questão da descolonização da língua não se circunscreve a esta espuma linguística e é bem mais funda.

O Brasil foi a primeira colónia a tornar-se independente, em 1822, em condições muito especiais. O processo de descolonização da língua portuguesa tem decorrido no país, mas não estará completamente concluído, segundo alguns – e.g. a norma escrita culta, especialmente a do mundo das apostilas para exames, parece estar desfasada e ainda muito dependente da norma portuguesa. Pela sua dimensão, o Brasil é hoje uma superpotência em termos de produção e edição (literária, científica, pedagógica, noticiosa, etc.), feita na sua própria variedade nacional, a variedade brasileira do português. O Brasil tem os seus próprios dicionários, gramáticas, pensamento linguístico, a sua terminologia, instituições reguladoras, investimentos na área, as suas política e planificação linguísticas mais ou menos claras. Pode fazer melhor? Pode, sim, mas a verdade é que faz muito, não depende dos demais estados de língua portuguesa e não surpreende a preponderância que tem vindo a ganhar no nosso espaço. A situação de Portugal a este nível pode ser explicada pela pequena dimensão do país, o proverbial atraso educativo que tem vindo a ser debelado nas últimas décadas, mas também pela falta de políticas e planificação linguística adequadas, pelos compromissos com a UE (e.g. a bibliometria) e, lastbutnotleast, pela mania de sermos “geneticamente poliglotas” e “falarmos bem estrangeiro”.

Foram os países africanos de língua portuguesa que tomaram a decisão de a adoptar como língua oficial (de estado, administração, ensino) e também de unidade nacional; lideranças de movimentos de libertação e elites desses países fizeram a sua formação em português, muitas em Portugal; a adopção da língua resultou, assim, em factor de discriminação entre os cidadãos desses países que a domina(va)m e os que não. Em Timor-Leste, a língua portuguesa foi entendida também como factor de identidade nacional; a sua adopção em 2002 deixou de fora os jovens que, à data, haviam sido escolarizados em língua indonésia.
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«O carinho da nossa relação»

«Não te empenhes em adquirir riquezas, nem gastes a tua inteligência com isso, pois basta olhares e já não existem; baterão as asas como a águia e voarão pelo céu.»
(BÍBLIA, Provérbios, 23 – 7)

Brasileiros e nós

Há várias maneiras de ver a comunidade brasileira em Portugal e uma delas é o número: 300 mil. Impressiona certamente, até por ser um recorde para Portugal, país por tradição mais habituado a ser de emigrantes do que de imigrantes. Mas a propósito desta visita do presidente Lula da Silva e do reatar das cimeiras luso-brasileiras, dei por mim a pensar em nomes e mais nomes de gente que nasceu no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Curitiba, em Salvador, no Recife ou até em Belém, com quem me fui cruzando nestes últimos anos, com maior ou menor intimidade, e que tanto contribuem para hoje um Portugal mais diverso sim, mas sobretudo mais rico. Vou citar alguns, só para dar exemplos: Álvaro Filho, jornalista que já publicou no DN e senhor de grande cultura e de uma escrita criativa: Ricardo Bernardes, maestro que organiza concertos em que não esquece compositores que de alguma forma uniram os dois lados do Atlântico; Paulo Dalla Nora Macedo, que fez do seu Cícero Bistrot tanto um restaurante de nível em Lisboa como uma galeria de arte e ainda organiza tertúlias que falam do Brasil e de Portugal; Luciano Montenegro Menezes, CEO do WTC Lisboa; Paula Cajaty, que fez de Portugal a casa da sua editora Gato Bravo; e evito de propósito falar de tantos diplomatas que conheci, com quem fui aprendendo sobre esse gigante com mais de 200 milhões de habitantes e quase cem vezes maior do que o antigo colonizador. Alguns até me ajudaram quando preparava uma tese de doutoramento sobre o reconhecimento da independência do Brasil; bem, farei uma excepção nisto dos diplomatas. Não vou referir nomes de anteriores embaixadores, até por respeito com o actual embaixador, Raimundo Carreiro Silva, que hoje publica no DN um artigo sobre as relações entre os dois países, mas sim o de um ex-conselheiro cultural, Carlos Kessel, um apaixonado por Eça de Queiroz, tão conhecedor da obra do escritor do século XIX como dos que a estudam, que foi quem, a partir de Barbados, onde agora é ministro-conselheiro, me alertou da morte de Alfredo Campos Matos no início do ano. Campos Matos era o autor de Dicionário de Eça de Queiroz e certamente dos que mais sabia[m] do romancista e diplomata que na juventude foi repórter deste jornal.

Brazil, Rio de Janeiro, Rua Luís de Camões, Real Gabinete Portuguez de Leitura.

Durante séculos, Portugal foi dando gente ao Brasil. Mais ainda depois da independência. E hoje lá viverá um milhão. Uma das maravilhas do Rio de Janeiro é o Real Gabinete de Leitura, construído pela comunidade portuguesa, clubes como o Vasco da Gama e a Portuguesa foram fundados por emigrantes e Carmen Miranda saiu de cá com dez meses. Hoje é o Brasil que dá gente a Portugal. Daí o português doce da senhora da pastelaria ou do barbeiro. Quem como eu ficou deslumbrado na infância por telenovelas como Roque Santeiro e pelos programas de Jô Soares aprecia a pronúncia de além-mar, tão linda na música popular brasileira.

É importante construir uma boa relação entre Portugal e o Brasil. E equilibrada. Temos de ter noção de que o Brasil é muito mais central para nós do que Portugal para os brasileiros. Mas não deixa de ser um país das oportunidades, um irmão de língua, um parceiro com quem devemos ambicionar sempre mais, até no desenvolvimento das parcerias económicas, pois é um colosso agro-industrial e também tecnológico. Quanto à comunidade brasileira, que se integre, pois só pode ser bem-vinda num país que, voltou esta semana a sublinhar a ONU, há muito que não tem os dois filhos por mulher que permitem substituir as gerações.

Por culpa das disputas políticas portuguesas, e depois também do próprio pelas declarações sobre a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, esta visita de Lula tem estado envolvida em polémica. Tal não irá desaparecer de um momento para o outro, mas é importante que não se perca de vista o essencial: é muito importante para Portugal uma muito boa relação com o Brasil.

[Transcrição integral. Cacografia brasileira corrigida automaticamente.
Destaques e “links” meus”. Inseri imagens.]

(…) o objectivo é promover os interesses geoestratégicos do Brasil, aproveitando as raspas dos negócios (estrangeiros), se possível, isto é, correndo atrás das migalhas que porventura possam sobejar dos milhões traficados entre o “país-continente” e, por exemplo, o petróleo venezuelano, a carne argentina, as minas chilenas e até, se calhar, nunca se sabe do que são capazes os meliantes da “língua universáu”, produtos da Colômbia. Uma versão revista e aumentada da CPLP, por conseguinte, sustentadas ambas as teatralizações pela patranha fundamental, aquilo a que chamam “difusão da língua“; da língua brasileira, bem entendido, porque, dizem os mesmos, “eles são 220 milhões e nós somos só 10 milhões“. O Estado português, que paga a CPLP e as demais despesas das negociatas, incluindo os “pacotes” de “turismo linguístico” (…) [post “Uma questão de milhões”, 12.03.21]

“Temos de aumentar o nosso investimento no Brasil”, apela António Costa

Diogo Ferreira Nunes
“ECO”, 24 Abril 2023

 

António Costa quer que as empresas portuguesas invistam mais no Brasil. O primeiro-ministro exortou os empresários nacionais a apostarem mais neste mercado tendo em conta o potencial que existe. O Presidente do Brasil reforçou que Portugal é a porta de entrada para a Europa e que a língua facilita os contactos empresariais.

“Somos o 18.º investidor no Brasil. Francamente, 18.º não é a nossa posição. Temos de aumentar o nosso investimento no Brasil“, sinalizou António Costa durante a abertura do Fórum Empresarial Portugal Brasil, que decorre em Matosinhos nesta segunda-feira. Perante mais de 120 empresários no auditório do CEiiA, o primeiro-ministro português também convidou os empresários brasileiros a investirem em Portugal.

A aposta nas energias renováveis, o ecossistema “muito dinâmico” de empreendedorismo e o regime “bom para acolher investimento em inovação”, através das zonas livres tecnológicas foram três dos elementos identificados para o Brasil apostar mais em Portugal. O líder do Governo português sinalizou ainda a parceria do CEiiA com a Embraer e a Força Aérea Portuguesa para o desenvolvimento do avião militar KC-390 e também do “Super Tucano”.

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Lula quer empresários portugueses e brasileiros a partilharem empresas

Diogo Ferreira Nunes
“ECO”, 22 Abril 2023

Lula da Silva voltou a assinalar que o Brasil “está de volta” e que está a recuperar o investimento perdido durante os tempos de Jair Bolsonaro e de Michel Temer. Só em infra-estruturas, serão 23 mil milhões de reais de investimento em 2023. No entanto, para captar os empresários, é preciso mais. “Sem estabilidade política, social e jurídica, ninguém vai colocar um centavo no país”, sinalizou.

O chefe de Estado brasileiro também referiu que é necessário tratar da “credibilidade” e uma “relação directa com o país”. Afastadas estão novas privatizações. “Queremos convidar é os empresários a fazerem parcerias.” Lula da Silva referiu ainda que “o Brasil está preparado para voltar a ser um país grande”.

25 de Abril de 2023

A dois dias do fórum económico que vai decorrer no Porto, o chefe de Estado brasileiro anunciou que a agência de promoção de investimentos, a Apex, vai abrir um escritório em Lisboa. O objectivo é “mostrar a seriedade e o carinho da nossa relação”, assegurou Lula da Silva. A Apex é o equivalente no Brasil à agência portuguesa AICEP.

Lula da Silva reforçou a mensagem da recuperação com o Brasil com o facto de ter “14 mil obras paralisadas” na área das infra-estruturas e de “4.000 obras paralisadas” só na área da educação. O Presidente do Brasil notou ainda: “Portugal, para nós, não é um país estrangeiro. É uma extensão da nossa casa. É assim que precisamos de nos relacionar”.

«Soares e Lula da Silva apresentam livro de Sócrates sobre tortura em democracia» [“Jornal de Negócios”, 14.10.2013]

Do lado português, António Costa garantiu que as cimeiras luso-brasileiras “voltarão a ser anuais” e sinalizou os 13 acordos assinados neste sábado. O documento prevê, por exemplo, as equivalências no ensino básico e secundário, o reconhecimento mútuo das cartas de condução entre os dois países e o alargamento da parceria com a Embraer na reparação de material militar brasileiro na aviação.Também foi assinado um memorando no domínio da energia com o objectivo de promover “o desenvolvimento e a implementação da cooperação institucional, técnica e científica, bem como a partilha de conhecimento, e incentivar a realização conjunta de programas, projectos e actividades. Estão previstos “programas e iniciativas de eficiência energética, na integração de electricidade de base renovável na rede, no armazenamento de energia e de combustíveis renováveis, como o hidrogénio e o bio-metano.Na área da geologia e minas, o executivo nacional e o brasileiro dizem querer “promover o desenvolvimento e a implementação da cooperação institucional, técnica e científica, bem como a partilha de conhecimento, e incentivar a realização conjunta de programas, projectos e actividades”. Este compromisso prevê “a constituição de parcerias, partilha de conhecimentos na pesquisa geológica e na exploração mineral e a contribuição para a transição energética sustentável na óptica da verticalização do sector”.

[Ambas as transcrições de textos do “ECO” são integrais. Inseri imagens.
Cacografia brasileira corrigida automaticamente. Destaques e “links” meus.]

Fica assim, portanto, escarrapachada (…) a verdade nua e crua sobre as reais finalidades políticas e empresariais do #AO90. Já ninguém voltará a dizer “não percebi, faz-me um desenho”.
Aí está, enunciada com toda a clareza, a estratégia urdida ao longo das últimas três décadas: a “língua universau” brasileira, funcionando como pretexto “ideológico” para dar cobertura política à CPLB, resulta naquilo que o agora citado pau-mandado formula como sendo «a criação de uma primeira “cidadania da língua” na história universal.»
Tal cidadania (da língua brasileira, repita-se) acarretará as mais óbvias implicações, tanto as já aqui profusa e repetidamente documentadas como aquelas que, embora previsíveis, como foi agora exarado, pelo que podem os adeptos da brasileirofonia ficar descansados, «o ‘premiê’ português sabe disso e vai lutar em Bruxelas por um regime especial de cidadania para os cidadãos dos países de língua» brasileira. [post «Portugal, um Estado brasileiro na Europa», 01.09.22]

Wokultura

EnidBlyton e alterações ‘woke’: ignorância e ilegalidade

Patricia Akester

“Diário de Notícias”, 07 Abril 2023

Como leitora voraz que sempre fui, os livros de EnidBlyton não me passaram ao lado. Devorei os mistérios e aventuras dos Cinco e com eles percorri a sua ilha favorita, andei no colégio de Santa Clara, em Londres, com as gémeas O’Sullivan, frequentei o colégio das Quatro Torres, na Cornualha, acompanhei um clube de pequenos detectives, os Sete, detendo senhas para as suas reuniões secretas, trepei intrepidamente a Árvore Longínqua e ajudei diligentemente a resolver vários mistérios que tendiam a despontar em Peterswood, no condado de Buckinghamshire.

Infelizmente o lobby anti-Blyton não partilha do meu entusiasmo e tem atacado ferozmente a sua obra, apelidando-a de snob, misógina e racista. No seio deste movimento os livros de Blyton foram banidos de numerosas bibliotecas e novas edições têm emergido, uma vez revistas e reeditadas, com nomes, personagens e enredos adulterados com vista a — pasme-se — convertê-las em obras politicamente correctas, isto é, cumpridoras de imperativos «woke». A título de exemplo, a revisão das obras tem abarcado a eliminação de nomes considerados ofensivos, o respeito pela neutralidade de género, a divisão de tarefas domésticas, o cumprimento dos horários escolares e a resolução de mistérios e acção e aventura sob supervisão de um adulto.

Esquecem que os maravilhosos livros de Blyton encerravam aventura, mistério e magia, fornecendo simultaneamente (pormenor que tende a ser afastado) lições, ensinamentos e pedagogia. Os personagens eram recompensados por actos de generosidade, bondade, honestidade, humildade e outras virtudes e punidos quando mentiam, roubavam, tinham acessos de raiva, eram mal-educados, gananciosos, egoístas ou cruéis.

Ignoram que sob um estilo de escrita despretensioso Blyton gerou enredos repletos de complexidade, explorando, por exemplo, as questões de raiz que levavam os adolescentes a incorrer em comportamentos socialmente inaceitáveis. Olvidam que as referências a poder monetário eram raras e que o sucesso dos protagonistas de Blyton advinha da sua habilidade intelectual, da sua capacidade de trabalho, do seu bom carácter e de uma pitada de magia. Desconsideram que Blyton criou personagens femininas cheias de garra, como DarrellRivers ou as gémeas O’Sullivan e que as suas personagens mais célebres e memoráveis são raparigas (e não rapazes) obstinadas, ousadas e rebeldes.

Talvez o politicamente correcto deva adquirir perspectiva. A obra de EnidBlyton é um produto de seu tempo e do seu espaço e há que a reconhecer como tal. O mesmo sucede, por exemplo, com os livros de Joseph Conrad, de AldousHuxley e de Agatha Christie. Se as personagens de Blyton são demasiadamente abastadas que destino devem ter os mordomos e as empregadas que surgem aos pontapés na obra de Agatha Christie? Se as histórias de Blyton têm laivos de racismo como devemos encarar a obra de Shakespeare, designadamente a referência ao mouro que habita Otelo e ao judeu que tem lugar proeminente no Mercador de Veneza?

As alterações em causa retiram à obra a verdade da época e do espaço em que foi escrita, vedando a constatação e a avaliação da evolução histórica, sociológica e literária. O panorama literário é assim empobrecido, podendo o leitor chegar a um ponto em que apenas tem acesso a literatura contemporânea (politicamente correcta, claro está), sendo as restantes obras literárias banidas e/ou censuradas em nome (reparem no paradoxo) de valores liberais — e convertendo-se os livros de outrora em artigos de colecção.

Impõe-se ainda referir que as revisões acima referidas não são lícitas, em muitos países, graças a algo que o Direito de Autor qualifica como os direitos morais do autor. Tais direitos decorrem do reconhecimento da natureza eminentemente pessoal da criação do espírito e do vínculo, imperecível, entre criador e obra.

O nascimento dos direitos morais remonta ao século XIX, salientando-se, em 1814, o facto de um Tribunal francês ter reconhecido que certo autor tinha direito a que o seu manuscrito não fosse alterado, sem a sua autorização, pela editora à qual havia sido submetido (Billecocq v. Glendaz, Tri. civ. Seine, 17/08/1814). Em 1928, os direitos morais foram incorporados na grande Convenção de Berna para a Protecção das Obras Literárias e Artísticas, com reflexos na lei portuguesa que declara, sem hesitação, que o autor goza do direito de assegurar a genuinidade e integridade da sua obradireito esse inalienável, irrenunciável e imprescritível, cuja guarda passa, após a sua morte, para os seus sucessores.

Consequentemente, embora o estudo da obra de Blyton, incluindo no que toca a preconceitos e estereótipos seja bem-vindo sob uma perspectiva académica, alterar a obra traduz-se em mutilação e deformação da mesma, desvirtuando-a e podendo afectar a honra e reputação do seu autor e consistindo, pois, em acto ilícito em muitos pontos do globo.

Em suma, retirar a obra do contexto em que foi redigida e actualizá-la de acordo com uma das linhas vigentes de pensamento é mais uma tentativa de mudar a História, sendo pelos motivos acima apontados fruto de ignorância e de esquecimento e empobrecendo deste modo o quadro cultural mundial.

PatriciaAkester

Fundadora de GPI/IPO, Gabinete de Jurisconsultoria e
Associate de CIPIL, Universityof Cambridge

[Transcrição integral de artigo, da autoria de Patricia Akester,
publicado no “Diário de Notícias” de 07 Abril 2023.
Destaques e “links” meus.]

O “desabar de ilusões”

«Um dia contarei mais em detalhe o meu, digamos, envolvimento com o “Acordo Ortográfico”, quando fui ministro da Cultura, entre 1995 e 2000: seja quanto à sua inutilidade, seja quanto aos seus erros e aberrações. Para já, basta lembrar que nunca ninguém me ouviu falar dele, o que aconteceu por uma razão bem simples: pensei – e nisso tive todo o apoio do primeiro-ministro António Guterres – que a melhor estratégia para liquidar aquele inútil aborto da herança cavaquista-santanista era justamente não falar dele, era metê-lo numa gaveta e votá-lo ao mais completo esquecimento.» [14.07.19]

Manuel Maria Carrilho, ex-professor universitário e ex-Ministro da Cultura, sempre foi um opositor. No entanto, como reconhece o próprio, enquanto podia ter feito alguma coisa — e quem estaria então em melhor posição política para o efeito do que ele mesmo, sendo Ministro da Cultura? — acabou por fazer… absolutamente nada. Limitou-se a esperar, mudo e quedo, na crença — aliás muito comum, à época — de que a simples passagem do tempo bastaria para que o estropício passasse, sem produzir quaisquer efeitos, à secção do arquivo morto, para sempre enterrado e de todo esquecido.

De facto, desde que soaram vagamente os primeiros sinais de alarme (o ameaço de 1986, depois a santanada de 1990 e a “discussão” parlamentar no ano imediato) e até à aprovação da RAR 35/2008, ou seja, durante o larguíssimo hiato de 1986 a 2008, durante 22 longos anos quase ninguém levou a sério semelhante aberração; “toda” a gente limitava-se no início a ignorar o assunto, com um encolher de ombros, na convicção — um hábito, para os padrões da intelligentsia tuga — de que a coisa acabaria por cair no esquecimento, como é costume (e bem, no caso) quanto àquilo que não serve rigorosamente para coisa alguma… à excepção do obsceno enriquecimento de uns quantos.

Ainda que se considere não ter sido Carrilho o único a primar pela inércia, e mesmo condescendendo em que a sua imobilidade resultou do referido erro de cálculo, cabem-lhe as responsabilidades políticas inerentes — que aliás não enjeita — pelo facto de a sua inacção ter contribuído para o avançar da máquina trituradora tardo-imperialista e, consequentemente, para o processo de aniquilação linguística em curso.

Da sua oposição dá mais uma vez conta o ex-político, agora em entrevista ao “Diário de Notícias”. Aparentemente, à excepção do que sucede na parte final da “conversa”, toda a sequência de perguntas e respostas gravita bem longe de quaisquer assuntos ligados à Língua Portuguesa.

Porém, se repararmos melhor, numa segunda leitura e mesmo sem grande minúcia, vemos que o entrevistado responde, através de aparentes generalidades, a uma série de questões que não apenas esclarecem como também tornam (por fim) transparentes as manobras que possibilitaram a entrada em vigor do AO90: o papel fulcral que teve nessa golpada José Sócrates enquanto primeiro-ministro de uma outra maioria PS, o “extremismo do centro” (o “centrão”, Dupond e Dupont), a classe política indígena — dominada por medíocres — a ditadura da indiferença, o imobilismo soporífero e anestésico, Europa, fronteiras e esbatimento da soberania nacional, a forma como democracia representativa e democracia participativa são conceitos que mutuamente se excluem. Alguns respingos:

Mesmo se por interpostas analogias, ficam assim, de novo, perfeitamente claros e evidentes os pressupostos, as premissas e, portanto, os factos que demonstram mas não explicam — porque nada explica a abjecção — a desonra do passado, a miséria do presente e sobretudo, se os portugueses não sacudirem o torpor dos analgésicos, de um futuro sem palavras.

Manuel Maria Carrilho: “António Costa não é um líder, é um gestor, é o patrão do PS”

O antigo ministro da Cultura, ex-embaixador na UNESCO e professor catedrático alerta para a crise da democracia – à beira do fim? -, para o poderoso extremismo do centro e para a indolência da Europa. Avisos e reflexões de uma “democracia no seu momento apocalíptico”, novo livro de Manuel Maria Carrilho que será esta quarta-feira, às 18 horas, apresentado no Palácio Galveias, em Lisboa.

 

Porque está a democracia num momento apocalíptico? Porque sublinha essa ideia de Jacques Derrida de que “(…) o fim aproxima-se, mas o apocalipse é de longa duração”?

Tudo o que se passa hoje, passa-se no quadro de um paradigma que não é suficientemente considerado. Estamos neste impasse sucessivo de crises atrás de crises. Vivemos como se tudo fosse ilimitado, mas tudo tem limites. Esse paradigma foi-se constituindo durante séculos.

E quais são as causas?

Primeiro, o individualismo – hoje o indivíduo é o centro da sociedade -, e, segundo, o financismo, a grande transformação do capitalismo, que pouca gente tem em conta. Penso que o grande impacto da social-democracia tem a ver com o fracasso da terceira via e com não terem percebido o que era o capitalismo. Os outros dois factores são a globalização, um processo histórico em curso, e por fim as novas tecnologias. Todos estes factores reforçam-se uns aos outros e fecham com uma tenaz este paradigma em que todos estamos hoje a viver que é o ilimitado.

A ideia permanente do crescimento?

É um dos pontos centrais. Nunca se falou em crescimento até ao século XX. O crescimento é uma palavra que nasce nos Anos 50. Até aí não se falava de crescimento, as cidades iam crescendo à medida que a população crescia. Este ilimitado que nasce com este crescimento vai esperar o impulso ilimitado que começa com o crescimento do consumo, a seguir o crescimento da dívida, o crescimento dos direitos e o crescimento da vida.

Que desabou em quê?

Por exemplo no desaparecimento das fronteiras. Aliás, acho que um dos grandes problemas da Europa é não ter fronteiras. O que é uma união sem fronteiras? Hoje temos uma classe política muito fraca, muito ignorante, mas acho que muitos políticos, de vez em quando, vêm as coisas e também não lhes dão consequências. Por exemplo, a última grande intervenção de Macron foi sobre o fim da abundância. Ele percebe isto, o ilimitado está a bater na parede, estamos sempre obrigados a prometer crescimento permanente quando, na verdade, ele acabou.

É por isso que a existência da democracia, não apenas como sistema político mas também como sistema social, está em causa?

Questiono o que ela se tornou, mas o que digo é que nunca houve um regime político eterno na História da Humanidade. Damos a democracia como ilimitada, desde que caiu o Muro de Berlim que a democracia é o caminho para a eternidade. Pelo contrário, estamos agora a ver consequências tremendas, como a própria guerra, e o que aconteceu foi que com o fim do Muro de Berlim todas estas transformações se aceleraram.

Até nas ideologias?

As ideologias começam, elas próprias, a iludir-se e há um processo acelerado de erosão ideológica. Fala-se muito da social-democracia, do liberalismo, da democracia cristã, do comunismo, do socialismo, mas o que é isto? São só palavras. É como no futebol, sinalizam adversários e equipas que disputam o poder, mas que não têm conteúdo.

É por isso que fala num extremismo do centro?

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