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Que lhes faça bom proveito

O textículo agora transcrito saiu no “Público” em Maio de 2021, o que para para os actuais padrões de sofreguidão informativa é uma eternidade, mas não apenas vem a propósito dos acontecimentos mais recentes, como também ilustra perfeitamente aquilo que se consolidou já no sistema de ensino em Portugal, ou seja, a chamada “discriminação positiva”: os alunos, em qualquer grau de ensino, do Básico ao Superior — e neste, por motivos óbvios, com particular descaramento –, são altamente privilegiados pelo simples facto de provirem da única ex-colónia portuguesa na América do Sul.

Esta “discriminação positiva”, além de selectiva e, portanto, sendo discriminação na mesma, foi positivamente concedida em exclusivo aos estudantes brasileiros, em função das suas “queixas” sistemáticas e das suas ainda mais sistemáticas “acusações” de preconceito, racismo e xenofobia (1, 2, 3, 4, 5).

“Queixas” e “acusações” essas que não passam de simples vitimização como arma política (1, 2, 3), na minha nada modesta opinião, e digo nada modesta porque foi aqui reiteradamente declarada, escalpelizada e demonstrada com não pequena soma de provas, incluindo fotográficas.

Para ver montagem fotográfica ampliada click AQUI. Imagem original de https://www.pragmatismopolitico.com.br

Curiosamente, não temos notícia de “queixas” semelhantes (nem diferentes) por parte dos milhares de outros estudantes provenientes de qualquer das ex-colónias portuguesas em África e na Ásia, angolanos, moçambicanos, cabo-verdianos, santomenses, guineenses, timorenses, macaenses, goeses. Nada de mais natural, claro: a Língua de todos os países e territórios de onde provêm é a portuguesa.

A língua brasileira afastou-se irremediavelmente — e deliberadamente e ferozmente, porque politicamente — da sua matriz lusitana, ao contrário do que sucedeu com a Língua Portuguesa nos PALOP.

O Brasil declarou a sua independência política em 1822 e a sua autonomia linguística ao mesmo tempo. Em 1955, rasgando o acordo ortográfico firmado 10 anos antes, o Brasil declarou a autodeterminação da língua brasileira.

Não venham agora tentar impor essa língua aos portugueses. Não se armem em vítimas. Experimentem não mentir alarve e abundantemente. “Falar” não é o mesmo que escrever. O “sotaque” não tem nada a ver com coisíssima nenhuma. Gramática é uma coisa, eliminação da Gramática é outra; só existem “variedades linguísticas” se a Gramática for comum. E isso da “gramática mentau” só pode ser mais um exclusivo brasileiro. Não existe “português europeu”, como não existe “português angolano” ou “português macaense”, por exemplo, e muito menos existe “português africano” (outra invenção neocolonialista brasileira); “português brasileiro”, uma expressão de viés político, não apenas não existe como é paradoxo e oximoro, já que ambos os termos se excluem mutuamente.

A vossa língua não é meia coisa nenhuma. É a língua brasileira.

Os brasileiros “têm meia língua portuguesa”? Quando as palavras são motivo de discriminação

O que o Atlântico separa a língua portuguesa une. Ou não? Matias foi alvo de chacota por causa do sotaque; Jullyana foi avisada para fazer um exame em português europeu e a Thalita disseram que os brasileiros só têm “meia língua portuguesa”. A todos pedem (ou exigem?) que falem “português correcto”. Mas, no Dia Mundial da Língua Portuguesa, perguntamos: o que é o português correcto?

“Por favor, façam o exame em português de Portugal, porque eu não entendo nada do que vocês escrevem”: a ordem foi dada antes de um exame do curso de História da Arte, mas não havia sido a primeira vez que Jullyana Rocha se tinha sentido confrangida por não falar português europeu.

Antes, quando foi mudar a morada a uma repartição de Finanças, teve o mesmo problema. “Fui com todos os documentos e expliquei à senhora que precisava de mudar a morada fiscal. Tentei-me explicar umas quatro vezes e ela simplesmente dizia que não entendia o que eu estava a falar. Ainda nem usávamos máscara, por isso não havia nenhum impedimento”, recorda a brasileira de 25 anos, a viver em Portugal desde 2017.

Não é caso único: os relatos de brasileiros a viver em Portugal que dizem ser discriminados por “não falarem português correcto” multiplicam-se nas redes sociais. Na página de Instagram Brasileiras não Se Calam, por exemplo, em que são partilhados relatos de xenofobia, é recorrente encontrar denúncias de discriminação por causa da língua: em situações do quotidiano, nos locais de trabalho, e, diversas vezes, nas faculdades.

Foi lá que Jullyana e os colegas brasileiros foram avisados para realizar o exame em português europeu, e foi esse momento, aliado a muitos outros de discriminação, que a fizeram sair do curso e optar por estudar Marketing remotamente, numa universidade brasileira: “Não quis voltar para o sistema de ensino de aqui.”

Também Matias Guimarães foi alvo de chacota quando chegou atrasado a uma aula. “Quando entrei na sala, o professor começou a fazer uma série de críticas e piadas sobre o meu sotaque, sobre eu ser burro pelo meu sotaque, por não falar direito”, relata. Pelo que tem ouvido, refere, “há pelo menos um professor em todas as faculdades que reclama que os brasileiros não falam da maneira mais correcta”. Mas o que é, afinal, o português correcto? (mais…)

Perfilados pelo dever

Perfilados de Medo

Perfilados de medo, agradecemos
o medo que nos salva da loucura.
Decisão e coragem valem menos
e a vida sem viver é mais segura.

Aventureiros já sem aventura,
perfilados de medo combatemos
irónicos fantasmas à procura
do que não fomos, do que não seremos.

Perfilados de medo, sem mais voz,
o coração nos dentes oprimido,
os loucos, os fantasmas somos nós.

Rebanho pelo medo perseguido,
já vivemos tão juntos e tão sós
que da vida perdemos o sentido…

Alexandre O’neill


«E foi assim, parafraseando O’Neill, “ortografados de medo” (com medo que o português, como idioma, se desmembrasse, medo que contaminou certa intelectualidade e serviu de mote a actos políticos condenáveis), que impuseram a loucura da “unificação”. Agora, no dia 5 de Maio, hão-de tecer-se novas loas à língua, como convém. Ignorando que, se houve porta que Abril não abriu, foi a de reconhecer à língua portuguesa maturidade para integrar as suas diferenças (as suas variantes nacionais) sob uma denominação comum. Podendo e devendo partilhá-las num dicionário global normativo (que infelizmente não existe), embora distinguindo o que seria aplicável em cada país. É esse o futuro por que vale a pena lutar.» [Nuno Pacheco]

Não, não é.

O “futuro por que vale a pena lutar” é o passado por que vale a pena lutar. E esse passado, há que dizê-lo sem medo, que de cobardes estamos todos fartos, é ainda o presente, um presente de hiato entre decência e inteligibilidade, um laivo esplendoroso de clarividência no meio de um assomo de loucura.

Não existe no AO90 uma única palavra portuguesa “imposta” ao Brasil; é, aliás, 100% ao contrário, tudo pela inversa, toda a “nova grafia” é integralmente brasileira; trata-se, portanto, de um “acordo” sem acordo algum, já que uma das partes cede em rigorosamente tudo e a outra parte não cede absolutamente em nada. Pouco importa, face à crueza dos números e perante o roncar da porca da realidade, que uns quantos idiotas inventem de novo o fogo ou, em alternativa, finjam que o Brasil não assinou em 1945 e “desassinou” em 55 aquilo que no AO90 apregoam como sendo “cedências” dos “caras”.

E também não, não foi porque uns quantos medrosos tiveram “medo que o português, como idioma, se desmembrasse”, que meia dúzia de cretinos se lembraram de tentar impingir a todos nós o AO90. Essa patranha, o pretenso “medo” da extinção de uma putativa língua minoritária, essa mentira que ainda hoje circula foi apenas um dos pretextos para tentar disfarçar a vigarice e, do mesmo passo, vender como minimamente credível a tese do “gigantismo” brasileiro: se o Brasil é um país-continente, dizem eles, na sua “lógica” de técnicos oficiais de contas linguísticas, então basta “adotar” a espécie de língua que os brasileiros usam para comunicar entre si, amalgamar numa pasta todas as suas variantes (nordestino, carioca, paulista, amazónico, sulista, etc.) e levar Portugal a  “adotar” uma espécie de escrita fonética brasileira como sendo “comum”.

Consumada esta manobra de engenharia linguística, a coberto da CPLP e a pretexto de uma alucinada “expansão” (neo-colonialista), extinguindo por simples exclusão de partes o Português-padrão, as verdadeiras finalidades do AO90 revelaram-se por fim: está já em curso a liquidação da Língua Portuguesa, a transferência de poderes do Governo português para o brasileiro, a tomada de posse por parte do Palácio do Planalto das nossas instalações diplomáticas e, principalmente, das infraestruturas de Ensino, incluindo campus universitários, instalações e edifícios, organizações e instituições culturais portuguesas em África e na Ásia.

Com carta branca de traidores governamentais e com a solícita colaboração de vendidos “intelectuais” (linguistas e “investigadores” da treta), gente paga à hora e tarefeiros para o trabalho de sapa (intoxicação da opinião pública), uma fraude colossal — em estreia mundial — vai já garantindo, hoje por hoje, um nada despiciendo maná de tachos, além dos já conhecidos e muito mais por conhecer negócios da China.

A imposição selvática do AO90 anulou qualquer possibilidade de entendimento, antecipando em 50 ou 60 anos aquilo que será de todo inevitável, isto é, a “entronização” da língua brasileira como uma entidade imaterial independente. Seria talvez possível empurrar ainda mais para as calendas essa inevitabilidade, caso se acordasse (a sério) na fixação de duas variantes do Português (uma em Portugal e PALOP, a outra no Brasil), mas tal apenas teria alguma hipótese de sucesso caso os “homens de negócios” de ambos os lados fossem arredados das negociações, se em vez de linguistas pagos com tachos e sinecuras houvesse lá gente de saber, na muito difícil condição de a política e os políticos, mercenários, aldrabões e mentirosos profissionais ficarem de fora das académicas discussões.

Nessa absolutamente impossível conformidade talvez pudesse surgir alguma ponta (ou ponte) para um entendimento curial, com nenhuma obrigatoriedade e apenas para efeitos da mais elementar resolução de algumas discrepâncias.

Mas já nem isso é possível. Deixou de existir sequer formulação para designar, descrever ou delimitar, mesmo que grosseira e genericamente, todo e qualquer tipo de “acordo ortográfico” entre Portugal, Brasil, PALOP, Timor, Macau, Goa e diáspora(s).

O Brasil declarou a sua independência política em 1822. Parabéns.

Alguns vendidos portugueses declararam a extinção da Língua Portuguesa através da “adoção” por Portugal da língua brasileira. Malditos sejam.

Os traidores são por definição apátridas. Por definição e pela eternidade que deles já se esqueceu.

Completam-se, no domingo, 47 anos do 25 de Abril. Quase tantos, já, quantos os que durou a ditadura, que na verdade não foram bem 48 mas sim 47 anos, 10 meses e 27 dias, contados entre o golpe militar de 28 de Maio de 1926, que os partidários da ditadura celebravam como “revolução nacional”, e o golpe militar de 25 de Abril de 1974, que mundialmente se tornou célebre como “revolução dos cravos”. Não é mera questão de semântica, nem jogo de palavras: o que esteve em causa foi sempre a liberdade. Reprimida, durante a ditadura; ainda confusa na turbulência da transição; e finalmente consagrada na democracia.

Sinais dos tempos: em 1974, com os tanques na rua, tornou-se célebre uma fotografia onde, ao fundo, se via um grande cartaz de cinema a anunciar O Esquadrão Indomável. Nem de propósito. Em 2021 não há “esquadrão”, mas há Hollywood, com a cerimónia dos Óscares a ser transmitida (quem diria) pela televisão estatal, a RTP. Uma tardia “conquista de Abril”? Nem por sombras. A cerimónia costuma realizar-se em Fevereiro, às vezes em Março, e só devido à pandemia é que foi empurrada para Abril, coincidindo no nosso 25. Já agora, para não ficarem dúvidas, o tal “esquadrão indomável” do cartaz retratado em 1974 também não era um grupo de heróis, mas sim de polícias implacáveis e com métodos nada democráticos. “Quando eles estão em acção é difícil dizer quem são os polícias e os assassinos”, dizia na altura a propaganda do filme, que na versão original se chamava The Seven Ups.

Uma dúzia de anos antes de nos ser devolvida a liberdade, escreveu Alexandre O’Neill (no seu livro Poemas com Endereço, 1962) “Perfilados de medo”, que José Mário Branco viria magistralmente a musicar, gravando-o em 1971 no exílio, em Paris. “Perfilados de medo, agradecemos/ o medo que nos salva da loucura./ Decisão e coragem valem menos/ e a vida sem viver é mais segura.” (Poesias Completas, Ed. Assírio & Alvim, 2000, pág. 191). Pois bem: há casos em que é o medo que nos empurra para a loucura, em vez de nos salvar dela. E um deles, já gasto, cansativo, moribundo, é o da ortografia. Não havia em Portugal uma ortografia oficial até ser fixada em 1911, após o derrube da Monarquia. Foi a I República que nela insistiu, num país onde 76% da população era analfabeta. Mas o “bichinho” das alterações ortográficas não parou: deu mais reviravoltas em 1945 e em 1973, remexendo em acentos e letras, congeminou novas aventuras nos anos 1960, quis revolucionar as regras em 1986, recuou perante as muitas acusações escandalizadas, e finalmente ajustou-as em 1990, para depois, bem mais tarde, vê-las impostas numa coisa chamada “acordo ortográfico” com a inalcançável veleidade de criar uma ortografia comum ao universo da língua portuguesa.

Visto de fora, pode parecer normal. Mas, visto de dentro, o resultado é um pesadelo. Já em 1945, quando Portugal (então uma ditadura ainda com colónias em África) tentou acertar com o Brasil uma ortografia unificada, o gesto pecava por tardio. As divergências entre os dois países no domínio da língua eram já insanáveis. O Brasil concordou em 1945, mas dez anos depois desvinculou-se. As regras ortográficas de 1945 serviam o português de cá, o europeu, mas não serviam o português do Brasil, americano. Tudo quanto se fez depois, além de ser em vão, só serviu para descaracterizar o português de cá e de lá, sem proveito nem préstimo. Enquanto isso, as colónias africanas emanciparam-se após o 25 de Abril, cada qual com a sua bandeira, o seu hino, as suas leis, os seus sistemas e moedas próprias. Por que razão não deviam, também, dar livre curso ao uso feito do português, fixando as respectivas variantes? Por nenhuma razão. Só uma certa loucura lusitana imaginou que, escolhendo a sua própria via em tudo o resto, deviam ficar presos a uma ortografia comum.
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Pangeia

O que se segue é um daqueles textos em que se arrisca passar tudo a “bold” e sublinhados, de uma ponta à outra, muito pouco ou nada restando intocado do original, sem qualquer forma de destaque e não implicando anotações mentais. Este Ray Cunha, do qual, confesso, nunca ouvi falar, dá-lhe com força, vejamos, distribui sem parcimónia alguma pontapés e caneladas a eito, mais uns murros para desenfastiar, em plenas canetas e fuças dos neo-colonialistas brasileiros, seus compatriotas mas pelos quais não parece nutrir grandes simpatias, que impuseram o AO90 a um portugalzinho imaginário.

O “estilo” uma no cravo, outra na ferradura desponta porém no arrazoado de Ray, o que é pena, mas não sejamos mesquinhos, no essencial Ray di-las das boas. Como, aliás, tantos outros brasileiros de tino. Nisso. nada de especial; lá como cá apenas uns clubezitos de maluquinhos decidiram aproveitar o espírito negocial (ou seja, o “jeito para o negócio”) de Lula, Sócrates e Cavaco, a ver se lhes toca alguma coisinha na babugem.

Os laivos de grandiloquência as ressonâncias neo-imperialistas, de que o autor não consegue livrar-se, podem perfeitamente tolerar-se na leitura (o Brasil que fique lá com o seu saudoso II Império, é com eles, amanhem-se) se atendermos à mera, sólida e consequente — além de básica e elementar — constatação: uma coisa é a Língua Portuguesa e outra completamente diferente é a língua brasileira.

O AO90 é algo como espetar no chão duas estacas, uma do lado de cá e a outra do lado de lá do Atlântico, esticar entre elas uma corda e assim tentar bloquear a natural deriva dos continentes, algo que ocorre desde os primordiais tempos da Pangeia. Os continentes afastam-se uns dos outros como as Línguas se distanciam entre si. Tentar perverter (ou deter) o curso natural das coisas não é só tremenda estupidez — é impossível.

E ainda bem.

O português falado e escrito no Brasil tem alegria, sons, cheiros, sol, mar e democracia que nenhum decreto ortográfico de Lula poderá mudar

diariocarioca.com, 25.01.21

RAY CUNHA, DE BRASÍLIA

 

O ex-presidente e ex-presidiário Luiz Inácio Lula da Silva, presidente de honra do PT (Partido dos Trabalhadores), assinou, em 29 de setembro de 2008, na Academia Brasileira de Letras (ABL), no Rio de Janeiro, quatro decretos de promulgação do novo Acordo Ortográfico no âmbito da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em homenagem ao escritor Machado de Assis, que completava cem anos de morto (1839-1908).

“Com esses atos, Machado de Assis será duplamente exaltado: de um lado, a Academia lhe rende a mais expressiva homenagem neste ano em que celebramos o centenário de sua morte. E, de outro, a assinatura pelo presidente Lula dos decretos que promulgam o Acordo Ortográfico dos sete países lusófonos” – declarou, então, o presidente da ABL, Cícero Sandroni.

Segundo Cícero Sandroni, a promulgação do Acordo Ortográfico concretizava uma antiga aspiração de Machado de Assis, manifestada em um de seus discursos, em 1897. “A Academia buscará ser a guardiã de nosso idioma, fundado em suas legítimas fontes – o povo e os escritores, todos os falantes de língua portuguesa” – disse, na altura, o autor de Memórias Póstumas de Brás Cubas.

O argumento para mudanças ortográficas na língua portuguesa é que a alegada unificação da escrita no Brasil e em Portugal tornaria o português língua oficial da Organização das Nações Unidas (ONU). Supondo-se que fosse possível unificar a escrita das duas variações linguísticas, mesmo frases burocráticas, de documentos, são marcadas pela sintaxe, pelo estilo oriundo da cultura de cada um dos dois países.

O fato é que o novo Acordo Ortográfico não unifica o português de Portugal e o português do Brasil, mesmo que se trate de escrita burocrática. Qualquer tradutor na ONU terá que ser bom de ouvido, tanto para o falar lusitano, típico dos países de clima frio, como para o falar brasileiro, tropical, aberto. Isso, sem mencionar a linguagem crioula.

A pergunta que lateja é: A “unificação” da língua portuguesa escrita no Brasil com o português grafado em Portugal tem alguma utilidade? No caso do Brasil, não seria melhor investir maciçamente no ensino básico? E, depois, o Brasil tem mais com que se preocupar.

Enquanto Lula levava seu palanque para a Academia Brasileira de Letras, o Correio Braziliense, maior jornal da capital do país, publicava uma série de reportagens sobre crianças, meninas e meninos, que embarcavam em carros de luxo, no coração de Brasília, para serem estuprados a troco de comida.

A propósito, exploração sexual de crianças e escravidão sexual são comuns na província potencialmente mais rica do planeta, mas onde a miséria humana, a escravidão, o assassinato, campeiam. Enquanto Lula decretava uma escrita comum entre Brasil e Portugal, a tragédia se abatia na escola pública, por meio da qual universitários semialfabetizados, como Lula, se diplomam.

Não demorou, porém, para que se percebesse a que viera o novo Acordo Ortográfico. Foi para beneficiar editoras, principalmente as que integravam a panelinha do Ministério da Educação. A perspectiva era de faturar bilhões.

Creio que seria mais produtivo criar o Instituto Machado de Assis e, por meio dele, difundir mundialmente a língua portuguesa escrita e falada no Brasil. Os grandes escritores deste continente chamado Brasil são tradutores da nossa mestiçagem mulata, cafuza e mameluca, das nossas cores, cheiros e alegria. Quanto à CPLP, pode e deve influenciar a democracia, que vem sendo defendida com unhas e dentes pelo presidente Jair Bolsonaro, e se aperfeiçoar como bloco econômico.

Considerando-se o Brasil isoladamente, passamos à frente de Portugal, como os Estados Unidos superaram a Inglaterra. No nosso caso linguístico, enquanto o português lusitano se esgotou, o português brasileiro é uma língua jovem, enriquecida por idiomas africanos, pelo tupi-guarani, por estrangeirismos e pelo calor, cores, aromas, sabores e contexturas dos trópicos e da Amazônia.

Cada vez mais o Acordo Ortográfico se assemelha mais a uma peça de marketing do governo lulapetista, em um país de esmagadora maioria de alfabetizados funcionais – que leem mas não entendem o que leem –, com pelo menos 20 milhões de pessoas que vivem na Idade da Pedra – não sabem ler e, muitíssimos deles, não têm sequer certidão de nascimento; outros, são escravos mesmo, principalmente nos medievais estados da Amazônia.

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«Crazy poor portuguese» [Clara Ferreira Alves, “Expresso”, 01.09.18]

«De Goa e Bombaim a Malaca, de Macau a Pequim, da Índia aos confins da Pérsia, da China e do Japão, os portugueses deixaram uma herança histórica e cultural que decidiram não honrar e eliminar. A lusofonia tornou-se um conceito brasileiro e africano, um conceito que nenhum resultado teve até hoje, a não ser a consequência de um Acordo Ortográfico inútil e destruidor da raiz latina da língua. Ou seja, tudo o que a lusofonia com esta matriz PALOP fez por Portugal foi pago por Portugal e ignorado por todos os países lusófonos. A política da língua, inexistente, serviu para o costume, a criação de um corpo de funcionários públicos e clientelas dos partidos, que existem sem missão e sem verba.»
Clara Ferreira Alves

CRAZY POOR PORTUGUESE

Clara Ferreira Alves

Abolir filmes asiáticos não nos ajuda, porque quem conheça a Ásia percebe que o futuro está no eixo do Pacífico e que o eixo do Atlântico está a terminar

Quando saiu do elevador deixou um perfume que entonteceu os sitiados. Orquídeas? Jasmim? Flores brancas das que crescem na Ásia por todo o lado. Os sitiados, que iam para andares diferentes do hotel, ficaram em silêncio a aspirar o cheiro do dinheiro. Tudo, naquela mulher, cheirava a dinheiro. A roupa de marca, a jóia discreta, o cabelo negro lacado, os sapatos de verniz e salto alto, mil euros desenhados por aquele senhor com nome francês que tem casa na costa alentejana. E isto sabendo-se que ao anoitecer a chuva cairia com violência, inundando as ruas e escorrendo nos declives e goteiras com o barulho de uma catarata. Aqueles sapatos nunca saíam à rua, eram sapatos de motorista e carro de luxo, de portas abertas à passagem por gente fardada. Por servos. Aqueles sapatos pertenciam a uma mulher chinesa rica. Podia ser de Xangai, Pequim, Singapura ou Hong Kong, podia ser de Banguecoque, era sem dúvida de ascendência chinesa. Conforme as sábias palavras do grande viajante árabe Ibn Batuta, o marroquino nascido em Tânger em 1304, em nenhuma parte do mundo se encontra gente mais rica do que os chineses.

A frase serve de epígrafe à novela de Kevin Kwan que deu origem ao filme “Crazy Rich Asians”, que bate recordes de bilheteira e que a Netflix tentou comprar sem conseguir. O filme parece que não será visto nas salas portuguesas. A distribuidora assim decidiu, por ser um filme habitado por actores asiáticos e que se passa no universo exclusivo dos multimilionários de Singapura. O filme, como o livro, não passa de um best-seller de aeroporto que vale pelo que mostra desta Ásia com dinheiro, muito dinheiro. Mostra uma parte de um mundo que, para os portugueses que deixaram de ser comerciantes, aventureiros e diplomatas, deveria ser mais bem conhecida e deveria despertar mais curiosidade. Abolir filmes asiáticos não nos ajuda, porque quem conheça a Ásia percebe que o futuro está no eixo do Pacífico e que o eixo do Atlântico está a terminar. Ali estão os países que determinarão a prosperidade mundial, e os Estados Unidos perceberam isso. Portugal permanece um dos países mais ignorantes e avessos a um continente onde fomos importantes, onde desembarcámos e comerciámos e missionámos, onde construímos e onde deixámos uma elite, pequena, é certo, que foi a única elite do império português. De Goa e Bombaim a Malaca, de Macau a Pequim, da Índia aos confins da Pérsia, da China e do Japão, os portugueses deixaram uma herança histórica e cultural que decidiram não honrar e eliminar. A lusofonia tornou-se um conceito brasileiro e africano, um conceito que nenhum resultado teve até hoje, a não ser a consequência de um Acordo Ortográfico inútil e destruidor da raiz latina da língua. Ou seja, tudo o que a lusofonia com esta matriz PALOP fez por Portugal foi pago por Portugal e ignorado por todos os países lusófonos. A política da língua, inexistente, serviu para o costume, a criação de um corpo de funcionários públicos e clientelas dos partidos, que existem sem missão e sem verba.

A ignorância da Ásia prejudica-nos. O nosso conhecimento do continente não pode resumir-se à diáspora emigrante de Macau ou a um pacote de turismo de massas numa praia da Tailândia. Ao contrário dos franceses, que mantiveram os laços com a Indochina, Portugal não estudou nem investiu. Nos mercados asiáticos, não se vê uma marca portuguesa, uma só, esqueçam o pastel de nata, que foi culturalmente apropriado, o que demonstra que perdemos a nossa vocação de comerciantes para nos tornarmos o que somos, um país a vender as pratas da família para poder comer. Portugal está a ser comprado pela China, em largas quantidades, e não nos importamos de vender sectores essenciais que determinarão a soberania e nos reduzirão a uma plataforma logística. A actual ministra do Mar anda por aí num enlevo a ver se vende por grosso os portos portugueses aos chineses, contrato que nenhum outro país da Europa, com excepção da Grécia, assinaria. Pelas implicações futuras e pela demonstração da incapacidade para administrar bem o que nos pertence. O que não for vendido à China será vendido a Singapura ou à Tailândia, como aconteceu com as sobras hoteleiras do império Espírito Santo, que se desmoronou em corrupções e humilhações. Será vendido a gente como a do mundo mostrado em “Crazy Rich Asians”, gente que tem uma visão do mundo determinada pelo privilégio e o poder do dinheiro. Conviria percebê-los melhor, visto que não existem filmes, nem existirão, sobre os interiores e corredores da nomenclatura comunista, constituída também por crazy rich asians.

Não existe gente mais rica do que os chineses, ou não existe gente mais ostensivamente rica do que os chineses. A nossa relação com a Ásia devia ser aprendida e cultivada, ou não passaremos, no tempo que aí vem, de novos funcionários. De servos de gente e de culturas que não conhecemos nem estudámos. E abriremos as portas à sua passagem. Portugal tem especialistas da Ásia, excelentes, que nenhum ignorante político português se lembraria de consultar, tão entretidos que andam com a intriga palaciana e a discussão do Orçamento, único tema de um país na indigência. Crazy poor portuguese.

Expresso, Revista E, 01SET,2018

[Transcrição integral de transcrição integral publicada no “blog ” Cadernos da Libânia de artigo, da autoria de Clara Ferreira Alves, publicado no semanário “Expresso” de 01.0918. A desortografia  abrasileirada do original foi automaticamente corrigida pela solução Firefox contra o AO90 através da extensão FoxReplace do “browser”.]

Em Português – 46

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RECEPÇÃO DE CANDIDATURAS | 2 a 31 Janeiro 2018

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Mistura electrizante de comédia de erros e retrato do artista, “A glória e seu cortejo de horrores” é o retrato de toda uma geração: na pele de Mario, vemos a derrocada das ilusões de tantos outros, num mundo cada vez mais rendido às fúteis aparências.

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