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10 de Junho, Dia de Portugal, de Camões e da Língua Portuguesa

Eis aqui, quási cume da cabeça
De Europa toda, o Reino Lusitano,
Onde a terra se acaba e o mar começa
E onde Febo repousa no Oceano.
Este quis o Céu justo que floreça
Nas armas contra o torpe Mauritano,
Deitando-o de si fora; e lá na ardente
África estar quieto o não consente.

Esta é a ditosa pátria minha amada,
À qual se o Céu me dá que eu sem perigo
Torne, com esta empresa já acabada,
Acabe-se esta luz ali comigo.
Esta foi Lusitânia, derivada
De Luso ou Lisa, que de Baco antigo
Filhos foram, parece, ou companheiros,
E nela antão os íncolas primeiros.

Desta o pastor nasceu que no seu nome
Se vê que de homem forte os feitos teve;
Cuja fama ninguém virá que dome,
Pois a grande de Roma não se atreve.
Esta, o Velho que os filhos próprios come,
Por decreto do Céu, ligeiro e leve,
Veio a fazer no mundo tanta parte,
Criando-a Reino ilustre; e foi destarte:

Um Rei, por nome Afonso, foi na Espanha,
Que fez aos Sarracenos tanta guerra,
Que, por armas sanguinas, força e manha,
A muitos fez perder a vida e a terra.
Voando deste Rei a fama estranha
Do Herculano Calpe à Cáspia Serra,
Muitos, pera na guerra esclarecer-se,
Vinham a ele e à morte oferecer-se.

Luís Vaz de Camões, “Os Lusíadas” (Canto III – estâncias 20 a 23)

Eu el-rei faço saber aos que este alvará virem que eu hei por bem e me praz dar licença a Luiz de Camões para que possa fazer imprimir, nesta cidade de Lisboa, uma obra em oitava rima chamada Os Lusiadas, que contém dez cantos perfeitos, na qual por ordem poética em versos se declaram os principais feitos dos portugueses nas partes da Índia depois que se descobriu a navegação para elas por mandado de el-rei D. Manuel, meu visavô, que santa glória haja, e isto com privilégio para que em tempo de dez annos, que se começarão do dia que se a dita obra acabar de imprimir em diante, se não possa imprimir nem vender em meus reinos e senhorios nem trazer a eles de fora, nem levar às ditas partes da Índia para se vender sem licença do dito Luiz de Camões ou da pessoa que para isso seu poder tiver, sob pena de quem o contrário fizer pagar cinquenta cruzados e perder os volumes que imprimir, ou vender, a metade para o dito Luiz de Camões, e a outra metade para quem os acusar. E antes de se a dita obra vender lhe será posto o preço na meza do despacho dos meus Desembargadores do paço, o qual se declará e porá impresso na primeira folha da dita obra para ser a todos notorio, e antes de se imprimir será vista e examinada na meza do conselho geral do santo oficio da Inquisição, para com sua licença se haver de imprimir, e se o dito Luiz de Camões tiver acrescentados mais alguns cantos, também se imprimirão havendo para isso licença do santo oficio, como acima é dito. E este meu alvará se imprimirá outrosim no princípio da dita obra, o qual hei por bem que valha e tenha força e vigor, como se fosse carta feita em meu nome, por mim assinada, e passada por minha Chancelaria, sem embargo da ordenação do segundo livro, titulo XX, que diz que as cousas cujo efeito houver de durar mais que um anno, passem por cartas, e passando por alvarás não valham. Gaspar de Seixas o fiz em Lisboa a 24 dias do mês de Setembro de MDLXXI.»

Os Lusíadas/Alvará Régio da Edição de 1572

Vi por mandado da santa & geral inquisição estes dez Cantos dos Lusiadas de Luis de Camões, dos valerosos feitos em armas que os Portugueses fizerão em Asia & Europa, e não achey nelles cousa algűa escandalosa nem contrária â fe & bõs custumes, somente me pareceo que era necessario aduertir os Lectores que o Autor pera encarecer a difficuldade da nauegação & entrada dos Portugueses na India, usa de hűa fição dos Deoses dos Gentios. E ainda que sancto Augustinho nas sas Retractações se retracte de ter chamado nos liuros que compos de Ordine, aas Musas Deosas. Toda via como isto he Poesia & fingimento, & o Autor como poeta, não pretende mais que ornar o estilo Poetico não tiuemos por inconueniente yr esta fabula dos Deoses na obra, conhecendoa por tal, & ficando sempre salua a verdade de nossa sancta fe, que todos os Deoses dos Gentios sam Demonios. E por isso me pareceo o liuro digno de se imprimir, & o Autor mostra nelle muito engenho & muita erudição nas sciencias humanas. Em fe do qual assiney aqui.Frei Bertholameu Ferreira.

Os Lusíadas/Parecer do censor do Santo Ofício na edição de 1572

Nota: procurei, confesso que de forma algo desesperada, um vídeo em que se pudesse ouvir uma leitura decente de alguma estância ou canto de “Os Lusíadas”. Miseravelmente, aliás como é costume quando se procura alguma coisa em Português na internet, só esbarrei em vídeos feitos por brasileiros, logo, falados em brasileiro. Este post vai assim mesmo, portanto, sem vídeo. Era só o que mais faltava, estar agora a levar com brasileiradas no Dia da Língua Portuguesa; já bastam os outros 364.

[Imagem de topo de: “Get Lisbon“.]

Pedro Álvares, o grandessíssimo cabral


[gráfico de: “Our World in Data“]

Se, por acaso e por algum motivo, alguém precisar de ilustrar ou demonstrar o conceito de vitimização como arma política (1, 2, 3), o artigo transcrito em baixo serve na perfeição para o efeito.

De teor semelhante há imenso material por aí, aliás, em tudo quanto é pasquim de propaganda ou canal de TV idem, não só textos como também discursos e outros tipos de perdigotagem, todos eles seguindo sempre o mesmo guião de imenso, pretensamente comovente coitadismo militante: a “mensagem” consiste basicamente em “demonstrar” que ainda hoje, e desde 22 de Abril do ano da graça de 1500, o português é o único culpado por tudo aquilo que de mau, péssimo ou horrível sucede no Brasil. Pior ainda, o maldito “colonizador” de bigode, padeiro e burro todos os dias não apenas é culpado pela “colonização”, isto é, por brutalmente ter desvirginado o paraíso onde “os brasileiros” viviam celestialmente, como é também culpado, o “portuga”, por tudo (e mais alguma coisa) que de péssimo ali se passou mesmo após a independência do país (1822): foi e é por culpa do “portuga” a ditadura militar (1964-1985), a destruição da floresta amazónica, o bolsonarismo “fascizante” para a esquerda e o lulismo “comunistóide” para a direita, os golpes avulsos e as golpadas sortidas, as favelas miseráveis, a pobreza esmagadora, a ignorância endémica, o regime dos “córóné” nos lugarejos e o dos gangs nas cidades. Em resumo: nós, portugueses, pela simples razão de o sermos, fomos, somos e seremos até ao fim dos tempos os responsáveis por tudo aquilo que os brasileiros não sabem, não podem e não querem fazer, como seja, por exemplo, começar por enfrentar os seus próprios problemas; já resolvê-los, a esses mesmos problemas, bem, se calhar isso será pretensão em demasia, mas haja esperança, pode ser que um dia, algures no futuro, ou se lhes cure a obsessão ou a nós toque, por milagre, deixarmos de ser uma manada de 10 milhões de bodes expiatórios.

De tão bizarro statu quo de queixinhas pela «herança do colonialismo português» é exemplo este artigo do caderno “P3”, se bem que, no caso, se refira “apenas” a um dos diversos tipos de criminalidade em que o Brasil é uma das grandes potências mundiais: os «crimes decorrentes de racismo religioso».

Porém, evidentemente, não existe em todo o imenso “país-continente” uma única alminha a quem possa ser assacada qualquer responsabilidade em qualquer desses crimes. Nada de nada. São todos uns anjinhos inocentes, até porque os “culpados” são, como sempre, mais uma vez, os tugas; pela mui transparente razão de que «o processo de colonização, que teve por base a conversão forçada dos colonizados ao cristianismo, esteve assente e foi fomentado “pelo racismo e pelo preconceito”». O que, pois então não se está mesmo a ver, fundamenta-se nesta coisa evidentérrima: «toda a causa do racismo, seja de pele mesmo ou religioso, tem origem no processo colonial»

O tema pretensamente religioso não passa de pretexto, evidentemente, de tal forma claro é o viés político do arrazoado. Daí as referências sistemáticas à situação político-partidária brasileira, buscando estabelecer uma relação directa entre os conflitos de grupos de crentes de determinado rito e grupos de crentes em determinada retórica; ou seja, o «número de ataques sofridos pelos crentes no seio de uma sociedade fortemente polarizada, em que a religião é não raramente utilizada como arma política».

Como não poderia deixar de ser, os ditos ataques resultam do pecado original, que é evidentemente (e exclusivamente) português: «a raiz da intolerância religiosa que afecta as religiões afro-brasileiras “há 500 anos” tem origem na colonização do Brasil por Portugal» e o demónio português é culpado pela intolerância, pela violência, pelo preconceito, visto que foi ele, o mafarrico tuga, quem foi perturbar a Pax Brasiliensis com «africanos escravizados durante o período da colonização portuguesa», de que resultaram imensos «ataques de intolerância», “derivado ao” «preconceito da sociedade». “Conclusão”: «São cinco séculos dessa perseguição».

E esse “derivado ao” implicou uma série de aborrecimentos nada agradáveis: «São frequentes os casos de intimidação, de destruição de propriedade e os ataques à integridade física». Dos quais alguns casos realmente sérios: «ataques violentos perpetrados por crentes de facções radicais cristãs».

Portanto, foi Portugal que transformou o Brasil num dos países mais violentos do mundo e toda aquela violência jamais teria existido se porventura o Pedro Álvares, esse grandessíssimo cabral, não tivesse mandado largar ferro numa enseada qualquer ao largo daquilo que deveria masé ser a Índia mas que afinal não era, olha, que chatice, se calhar foi engano.

O colonialismo português ainda “persegue” as religiões afro-brasileiras | Colonialismo

“A raiz da intolerância religiosa que afecta as religiões afro-brasileiras há 500 anos tem origem na colonização do Brasil”, diz o fotógrafo Gui Christ. M’Kumba retrata quem ainda resiste à opressão.

A que se associa, em Portugal, a palavra “macumba”? Embora a Infopédia a cole, primeiramente, à designação genérica dos cultos religiosos afro-brasileiros, uma terceira entrada, essa de sentido lato, associa o termo a “magia negra”, “feitiçaria”, “feitiço”. Este facto não é um pormenor e ganha um maior peso no Brasil, onde 2% da população se assume praticante de religiões de matriz africana – percentagem que corresponde a cerca de 4,2 milhões de pessoas.

Por detrás da simples definição da palavra “macumba” há uma série de camadas que toca os fenómenos da violência associada à intolerância religiosa e ao crescimento das facções mais radicais do cristianismo no Brasil – sem deixar de fora a herança cultural do colonialismo português, de cariz profundamente católico.

[fotografia]

[legenda da foto] A sacerdotisa umbandistaSidnéia, do templo Nossa Senhora do Livramento, realiza um ritual de limpeza numa jovem que perdeu a sua mãe para a covid-19. Para a religiosa, o equilíbrio mental é fundamental para a vida das pessoas – e esse pode ser afectado pelos crimes decorrentes de racismo religioso.

O projecto M’Kumba, que o fotógrafo brasileiro Gui Christ vem desenvolvendo desde 2020 para a revistaNationalGeographic, e que continua em curso, foca-se nas práticas religiosas de matriz africana no Brasil, dando a conhecer os elementos humanos e ritualísticos que as compõem e chamando a atenção para o crescente número de ataques sofridos pelos crentes no seio de uma sociedade fortemente polarizada, em que a religião é não raramente utilizada como arma política.

“Aqui, no Brasil, as religiões de matriz africana são chamadas ‘macumba’”, explica o brasileiro, em entrevista ao P3, por videoconferência, a partir de São Paulo. “É um termo muito pejorativo. É o equivalente a dizer ‘magia negra’.” A palavra “kumba“, em quicombo, uma das línguas faladas na região centro-africana, significa “curandeiro”, “homem sábio”, “senhor da palavra”, elucida Christ; o “M”, por sua vez, refere-se ao colectivo. Assim, o significado literal de “macumba” estará próximo de colectivo de curandeiros, de homens sábios ou de senhores da palavra.

Os ataques aos terreiros

Nas imagens de Christ surgem sacerdotes e crentes que “fazem oferendas a divindades afro-brasileiras”, sumariza. “Fotografei pessoas das novas gerações que sentem orgulho na sua religiosidade, realizando os seus rituais.” Os trajes e os objectos representados remetem para tributos aos vários ‘deuses yorubás’, como o orixá dos mares Yemanjá ou o senhor das chagas Obaluae, entre outras. ‘M’kumba’ é um trabalho onde revelo quem são os actuais kumba.”

As pessoas que praticam estas religiões, levadas para o Brasil por africanos escravizados durante o período da colonização portuguesa, têm sido alvo de ataques violentos, sobretudo nos últimos três anos. De acordo com o relatório do Disque 100, serviço de informações sobre direitos de grupos vulneráveis e de denúncias de violações de direitos humanos que pertence ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do Brasil, as situações de intolerância religiosa têm vindo a aumentar – entre 2019 e 2021, o número de casos mais do que duplicou no país, afectando, sobretudo, os praticantes de religiões de matriz africana. Em 2021, no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde se concentra o maior número de denúncias, foram os praticantes dessas religiões os mais afectados por episódios de intolerância.

“As pessoas acham que a violência religiosa consiste apenas em proibir uma pessoa de frequentar um templo”, refere Gui Christ. “Mas muita gente perde o emprego, há pessoas a sofrerem ataques violentos perpetrados por crentes de facções radicais cristãs.” São inúmeros os casos de ataques a terreiros de umbanda e candomblé, locais de culto das religiões de matriz africana, que são alvo de notícia no Brasil. São frequentes os casos de intimidação, de destruição de propriedade e os ataques à integridade física de quem detém e frequenta os terreiros.
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Língua vazia

Population (2020): 12,400,232 | Metro: 22,001,281 (Greater São Paulo) [Wikipedia]

«A única solução para o infeliz acordo seria rasgá-lo. Mas ‘repensar’ também serve, desde que isso sirva para cobrir de vergonha a parolada nativa que abraçou o acordo sem parar para pensar.» [João Pereira Coutinho, 28.01.17]

«Como foi possível levar a sério o acordo ortográfico?»
«O problema do acordo é termos tido vários governos que, reverentes e analfabetos, foram ratificando, modificando e legislando como se o acordo fosse mesmo para levar a sério.»
[João Pereira Coutinho, 08.05.16]

 

Mau, mau, mau. A julgar pelo palavreado desconexo que alardeia neste seu artigo, o mais recente dos que foi escrevendo sobre o AO90, parece-me legítimo formular a seguinte singela pergunta: o que terá acontecido para que João Pereira Coutinho tenha subitamente desatado a confundir o AO90 com os “linguistas” de serviço que o fizeram? Ter-lhe-á dado, a JPC, assim de repente, quando por acaso estava (ou está) no Brasil em serviço, alguma camoeca? Mas afinal o que diabo tem o AO90 a ver com as calças?

Se, de facto, foi um lapso momentâneo, um simples hiato ou decerto acidental pancada fortuita com a testa em alguma portada baixinha, bom, vejamos, então já é outro falar e nesse caso talvez valha a pena relembrar a propósito o bê-á-bá.

Por uma questão de higiene mental e para que resulte claro da leitura que de facto JPC não terá dado uma inoportuna cabeçada, acrescentei na transcrição emendas entre parêntesis rectos ([…]), nos casos em que me pareceu que o texto original foi adaptado pelo editor brasileiro do jornal brasileiro para brasileiro (conseguir) ler a prosa redigida no Português vernáculo*** do original. Como sabemos, os brasileiros que sabem ler têm uma relação extremamente conflituosa com as línguas estrangeiras, a começar pela portuguesa, e por isso mesmo não apenas traduzem todo e qualquer texto em Português como vão ao ponto de legendar em brasileiro, nos canais de TV, tudo o que um tuga diz na estranhíssima língua cuja designação, “língua portuguesa” (ou “português”), foi segundo eles roubada aos brasileiros, os únicos detentores da patente da “língua univerrssau“.

Enfim, adiante, vamos ao artigo propriamente dito. A ver se tiramos a limpo o que afinal se terá passado na ligeiramente vertiginosa carola do escriba para que tenha debitado tamanha concentração de “distracções” e tal sortido de “variações”.

O pressuposto inicial em que o escriba se estriba, executando um estranhíssimo número de malabarismo argumentativo — aliás, um pouco trapalhão — sem qualquer mérito ou a merecer o menor crédito, é inventar de raiz uma estranha e indistinta figura genérica de malvados aos quais chama, em tom de insulto e chacota, “os puristas da língua”. Não se refere com certeza aos que rasgam as vestes por causa de estrangeirismos, barbarismos, francesismos e, principalmente, anglicismos. Não. Com esses não se chateará JPC porque esses mesmos não chatearão JPC; é-lhe indiferente, e bem, que tais fanáticos domésticos não parem nos sinais de STOP (“to stop” é um verbo em Inglês, que horror), que não apreciem nem “mousse” nem “suflé” (olha, “soufflé”, é Francês, que nojo, iach!) ou que tenham raiva a “olés”, a “faenas, a “chicuelinas” (espanholadas tauromáquicas por junto, t’arrenego). Pois nada disso interessa. O epíteto assenta inteirinho e em exclusivo, segundo a estranha formulação do autor, nos lombos dos acordistas portugueses, os patuscos que pretendem esgalhar uma “língua unificada” e tudo.

Mas que raio de confusão, caro JPC! Não é isso o que pretendem patuscos nem o que procuram vendidos nem o que privilegiam traidores; de todo; ou, melhor dizendo, isso tanto se lhes dá como se lhes deu, essa tanga da língua “univerrsáu” serve exclusivamente para fingir que a CPLB não é uma máquina brasileira de fazer negócios e que o principal objectivo desta não é o saque metódico das riquezas naturais das ex-colónias portuguesas em África.

Convém não confundir a narrativa para enganar saloios e deslumbrados com a geral ânsia de enriquecer rapidamente dos inventores da dita narrativa e seus lacaios. Não passam, como nunca passaram, de paus-mandados do seu patronato tuga-zuca — os ladrões podres de ricos da “santa aliança” atlântica (abençoada pela própria Igreja Católica), empresários políticos e políticos empresários com ligações nada discretas a irmandades não muito secretas com evidentes ligações aos meandros do poder político.

Bom, findemos, que isto ele é viscosidade a virar com pinças, portanto já basta o que basta, fiquemo-nos pelo essencial.

Pareceu-me da leitura do artigo que a JPC baralharam-se-lhe um pouco as ideias mas devo com certeza ter entendido mal. Ou então não entendi de todo.

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Português, uma língua vadia

João Pereira Coutinho

“Gazeta do Povo”, 12.04.22

 

São Paulo, 11 horas da manhã. Entro no táxi, indico o endereço ao motorista, o carro inicia a viagem. Conversamos. Política, pandemia, trânsito na cidade. A certa altura, ele pergunta: “De onde você é?” Respondo, um pouco surpreso: “Portugal”. Ele sorri e depois elogia: “Você fala muito bem a nossa língua”.

Agradeço, honrado: quem diria que, vindo de Portugal, eu saberia falar essa língua chamada português? Aliás, até acrescento: “Língua difícil, mas eu vou chegar lá”. Ele, compreensivo, consola a minha insegurança: “Imagina! Já está bom assim”.

Seria fácil olhar para o motorista e deplorar a ignorância dele. Será que ele nunca estabeleceu uma ligação entre “Portugal” e “língua portuguesa”? Pergunta absurda. Talvez o ignorante seja eu. Talvez o meu português seja mesmo diferente do dele. Talvez ele fale “português” e o meu português seja uma melodia parecida, familiar, quase igual. Quase.

Não sabem os puristas da língua, esses que sonham com um idioma unificado e até fizeram um Acordo Ortográfico, que o português nasceu antes de Portugal e que continuará a evoluir fora do país?

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«Todes pelo mim»

Eis a “maravilhosa língua unificada” em todo o seu “esplendor”. O recorte acima, da página web do centro de promoção e divulgação da língua brasileira da Universidade do Porto, é apenas mais uma amostra a juntar à abjecta colecção que aqui vou coligindo — um pouco a trouxe-mouxe, porque não é fácil seleccionar os exemplos mais repugnantes, tal é o nojo que fede de todo o lado — e que servem como ilustrações, em sentido literal, da campanha de brasileirização em curso. Mesmo para aquelas pessoas a quem incomoda ligeiramente ler mais do que duas linhas de texto seguidas, não será assim muito difícil fazer o que dantes se dizia a cábulas, preguiçosos e analfabetos: quem não sabe ler vê os bonecos.

Desta vez, não apenas o dito recorte é um “espetáculo” como também o é o artigalho abaixo, da autoria de certa “profe” brasileira; com a respectiva chapa de identificação ao pescoço, esta senhora — aliás muito bem apessoada, note-se — faz o favor de nos revelar mais uma pequena amostra daquilo que é o “ensino” da língua brasileira e como se inicia o processo de fabrico dos futuros “fêssorr” a despachar aos contentores por via marítima para “ensinar” os indígenas tugas.

A aberração a que chamam “língua universau” ou “língua unificada”, a ver se enganam algum patego cá da “terrinha”, o que aliás vai resultando em pleno, tal é a concentração de cretinos “puxa-saquistas” de que em Portugal se faz gala, tem vindo a apossar-se — perante a passividade colaboracionista dos políticos e contando com a geral bovinidade deslumbrada de uma ou outra camada de cambada — principalmente dos sectores editorial (estudantil, precisamente), jornalístico, traduteiro, universitário e académico (distintos tugúrios de vaidosos patológicos).

Nesta conformidade de cerco e destruição das partes até aniquilar o todo, utilizando exactamente a mesma estratégia, os acordistas e seus serventes preparam já o assalto ao sector nacional mais estruturante e identitário: o Ensino, pois claro.

Quando os alunos desta “profe” utilizam a língua brasileira em contexto de sala de aula («Vo faze um jornal pra escola») tiram involuntariamente uma espécie de fotografia do futuro; as crianças portuguesas já estão a ser industrialmente embrutecidas com tudo quanto é palhaçada brasileira falada em brasileiro, os nossos jovens, estudantes ou nem por isso, já estão a ser metodicamente enculturados, literatura (técnica ou não) no original brasileiro (com terminologia específica) impingidas ou “traduzidas” por “tradutores” brasileiros, material pedagógico de todo o tipo; mesmo quanto aos adultos, aqueles que em princípio deveriam ter algum juízo e pensar pela sua própria cabeça (ou usá-la para algo mais do que segurar o cabelo), o assédio estupidificante — ou, usando sinónimos para o efeito, a lavagem ao cérebro — manifesta-se já maciça e obsessivamente, com “jornalismo” brasileiro, legendagens e dobragens (“dublagens”, na língua deles), telenovelas escarradas, futebolistas às carradas, canais de TV (existem dois canais brasileiros pagos nos operadores por cabo portugueses), “igrejas” brasileiras (seitas brasileiras, para ser exacto) e até umas “escolas de samba” e outros carnavais igualmente demenciais.

Muito instrutivo, de facto. Desensinar tornou-se já na técnica “pedagógica” de eleição. Para o efeito, nada mais eficaz do que importar o crioulo do Brasil e diplomar os seus treinadores sambistas.

Todes pelo mim

www.assiscity.com
“Assiscity” (Brasil), 22.03.22

*Por Michele Orsi*

 

Era a hora mais esperada do meu dia, a pausa para um café. Que momento! Posso garantir a você, ninguém é infeliz tomando um bom cafezinho passado na hora, para nós professores, então, é hora sagrada. Esse era o meu momento, só meu, olhos fechados, apreciando e saboreando meus 10 longos minutos de paz. De repente:

– Oi, professora.

Michelle Orsi, empresária e professora de língua portuguesa Foto: Divulgação

Fingi que não era comigo. Melhor não abrir os olhos, o excesso de trabalho pode estar me pregando uma peça. Vou ficar aqui, feito estátua, olhos cerrados, não respira.

– Profe, você pode “mim” ajudar?

Confesso que, nessa hora, eu queria ser um personagem da saga Harry Potter, só para aparatar em outra dimensão. Continuar fingindo que não estava ali? Não iria funcionar, o melhor era ajudar mesmo, afinal, depois do “mim ajudar” aquela alminha precisava de mim urgentemente.

Encarei o problema. Nem abri os olhos direito e a enxurrada de palavras, sem sentido, começaram.

– Professora, eu preciso de ajuda. Vo faze um jornal pra escola e minha primeira notícia vai ser sobre a nova língua portuguesa – a linguagem neutra. Você mim ajuda?

Minha vontade era de falar NÃO, sair dali e fingir não ter ouvido tanta besteira – para não dizer um palavrão. Mas, algo naquele diálogo despertou minha atenção, muito mais do que o “mim” antes do verbo – “linguagem neutra”. Reverberava no meu ouvido.

Comecei tentando lembrar o abençoado que o correto é “me ajudar”, que MIM não conjuga verbo, que ele não era um índio da época dos jesuítas, sim, porque hoje, até os índios falam corretamente. Foi quando percebi que falávamos dialetos diferentes.

– Tendi, mas a senhora pode ajudar mim fazer?

Tive tempo de dar apenas três piscadelas…

– Profe, eu quero mostra pros alunes a importância da linguagem neutra pra acolhe a todes amigues aqui na escola, mais não sei como explica essa nova mudança no português, mim ajuda?

Meu cérebro ainda estava corrigindo as gafes verbais daquela frase toda, quando a próxima surgiu:

– Meu título vai ser – BEM-VINDESTODES!

Antes de perder um pouco do bom senso que ainda me restava, tentei explicar que a linguagem neutra NÃO existe na nossa língua e é pouco provável de existir, já que, para ser implementada, deve-se mexer em toda a estrutura linguística aqui e em Portugal, afinal somos línguas irmãs e todas as alterações feitas aqui devem estar em comum acordo com lá, o tal do acordo ortográfico. Logo, não vão mudar uma língua inteira, centenária, por conta de uma aberração verbal que mais exclui do que agrega. Sim, EXCLUI. Aliás, antes de querer obrigar uma sociedade toda a mudar sua forma de falar e escrever é preciso APRENDER o próprio idioma corretamente, o que está longe disso acontecer.

Como exemplo, citei a palavra SOCIEDADE que é um substantivo feminino terminado em e; já motorista, que também é um substantivo feminino, termina em A, para mudar o gênero basta acrescentar o artigo – o, assim, você terá o motorista – masculino, NÃO EXISTE motoriste, porque não existe nenhum artigo neutro. Portanto, não é colocando E, x ou @, no final das palavras, que incluirá alguém ao idioma.

E, assim, foi nosso pequeno tempo de conversa. Tentei mostrar o que fazer com os surdos, já que, em libras não há a possibilidade de acréscimo inventado de vogais “neutras” – “Ai, profe, não tem surdo na escola.”. E os cegos? “Cego nem lê, profe.”. Falta de conhecimento em braile é comum também. Autistas? “Ah, autistas já lê, nehprofe, vai ficar até mais fácil pra eles?!“. E lá estava eu, piscando três vezes de novo…
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‘Para Angola, rapidamente e em força’


«A CPLP tem mantido esta tradição de ser uma organização em que tudo se decide por consenso». A “notícia” despeja assim a frase, a seco, citando as circunspectas declarações de  um tipo qualquer, um tal Téte, acordista como todos os índios da tribo Lusofon; tocou a este Téte chegar-se à frente e bolçar uma das mentiras favoritas dos brasileiros adoptivos; repetem eles, veneradores, atentos e obrigados, o exacto inverso daquilo que foi decidido na cimeira de Chefes de Estado da CPLP, em Brasília (pois claro), no desgraçado ano de 2002.

Ou seja, não a voo de pássaro mas a voo de F16, que é ligeiramente mais rápido, resumamos a golpada que se iniciou precisamente naquela mesma Cimeira de Brasília: a partir de 2002 deixou de ser necessário que todos os oito Estados da CPLP subscrevam seja o que for, bastando o autógrafo de três deles (nem metade!) para que um “tratado”ou  “acordo” entre em vigor… em todos os oito. Foi com base nesse expediente espertalhão (e nojento) que o II Protocolo Modificativo (que vertia em articulado a golpada) foi aprovado, tendo este dado origem em Portugal à RAR 35/2008 (aprovada pelos zombies de São Bento) e tendo esta accionado os mecanismos governamentais (RCM 8/2011) para a entrada em vigor do AO90, de forma “automática” e inerente.

Belíssimo esquema, não? Ah, pois sim, pois sim, o cambalacho (como se diz em brasileiro) é algo à altura de Al Capone, por exemplo, e, não desmerecendo, truque de prestidigitação mental digno de um Alves dos Reis, esse honestíssimo gatuno.

Outra frase lapidar igualmente escarrapachada na notícia é, por engraçada coincidência, do seguinte teor: «o mandato de Angola da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) será marcado pela criação do pilar económico e empresarial

Extraordinária ordinarice.

Disfarçar era dantes; os homens-de-negócios que vão “fazendo pela vidinha”, os garbosos marialvas da língua universáu por aí andam, ataviados de políticos ou carreando lantejoulas de artistas feéricos, cavalgando a trote o jerico da “expansão do idioma” brasileiro, essa fina escumalha exibe-se hoje em dia com cagança. Agora ele é muito mais de caras, imensa lata, nada de fingimentos, que já não carece: pretendem enriquecer estupidamente à conta da lusocoisa e portanto vale mesmo tudo menos tirar olhos (mas nunca fiando).

Evidentemente, a expressão “criação do pilar económico e empresarial” significa literalmente, parafraseando a célebre máxima de Oliveira Salazar, se bem que a propósito de outras guerras, “para Angola, rapidamente e em força”. Garantida a neo-colónia inversa como porta dos fundos para entrar na Europa e garantido o assinar de cruz por parte de dois micro-estados ad-hoc (Cabo Verde 2005, São Tomé 2006), só faltava invadir Angola e saquear as suas riquezas naturais.

O próximo encontro de homens-de-negócios do II Império brasileiro tocou não por acaso àquela ex-colónia portuguesa. A Cimeira de Chefinhos 2021 não surge “ao calhas” em Luanda. Os sinais eram mais do que evidentes e já aqui mesmo, neste modesto apartado de correio, tinham sido assinalados alguns deles, nomeadamente tomando a pista do que se vai passando em Macau — um entreposto para a China e feitoria para Angola. Basta unir as pontas da meada ou ligar os pontos do desenho (sim, porque há muita gente a quem é preciso fazer um desenho para que entendam minimamente o óbvio ululante); poderá suceder que por fim aos mais cépticos se descomponha o sorrisinho cínico e o seu insuportável convencimento nos meandros do paternalismo.

Talvez ajude na não muito complexa desmontagem da tramóia atender ao desfecho de Téte, salvo seja: «relativamente ao Acordo Ortográfico, ainda não ratificado por Angola, Téte António disse que é um trabalho “em progresso”

Em política, isto é, nos negócios (estrangeiros ou domésticos), brandir a espada de Dâmocles — metáfora para a expressão típica da polícia de trânsito “das duas, uma, o xidadão ou paga a multajinha ou então paga a multajinha” — continua com a mesma eficácia que tinha há 2.300 anos: sim, com certeza, mas há aqui estas facturazinhas que é necessário liquidar…

Bem, está claro ou ainda não?

Não? Pronto, haja pachorra, então ficam mais três “djicaiss”: não é gelo mas em bruto parece, diz que nem tudo o que brilha é, usa-se para besuntar batoteiros.

“Não existem fricções” entre estados-membros da CPLP, afirma chefe da diplomacia angolana

expressodasilhas.cv, 10.07.21

 

Entrevistado pela Lusa em vésperas da cimeira da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), o chefe da diplomacia angolana desvalorizou controvérsias recentes e destacou a aproximação entre os nove países integrantes (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste e Guiné Equatorial), que se farão representar ao mais alto nível em Luanda nos dias 16 e 17 de Julho.

Questionado sobre a ausência do Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, encarada como um sinal do alegado esfriar das relações entre os dois países por conta da situação da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) em Angola, Téte António garantiu que “não existe fricções entre os Estados-membros da CPLP”.

“Este é um caso que aconteceu numa Igreja e não tem nada a ver com as relações entre a República de Angola e o Brasil. As agendas dos chefes de Estado não são agendas fáceis e há sempre uma compreensão cada vez que acontece que um ou outro não possa estar presente, mas não existem fricções entre os Estados-membros da CPLP. Pelo contrário, a CPLP tem mantido esta tradição de ser uma organização em que tudo se decide por consenso”, argumentou.

De acordo com Téte António, a aproximação existente entre os Estados-membros da CPLP é algo “raro” de encontrar noutras organizações.

A mesma resposta foi dada em relação à participação da Guiné-Bissau, face a informações recentes sobre um alegado mal-estar diplomático entre os dois países, depois das críticas que o presidente guineense Umaro Sissoco Embaló dirigiu, no ano passado, ao seu homólogo angolano, João Lourenço, que acusou de interferir em assuntos internos da Guiné-Bissau e de perseguir a família do anterior chefe de Estado, José Eduardo dos Santos.

O diplomata destacou, por outro lado, que o mandato de Angola da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) será marcado pela criação do pilar económico e empresarial, para o qual contam com o apoio de todos os Estados-membros.

“A República de Angola gostaria de ver um quarto pilar acrescentado às nossas prioridades actuais, que é o pilar económico e empresarial”, declarou Teté António.

O ministro das Relações Exteriores de Angola frisou que Angola vai continuar a defender os conteúdos e prioridades já existentes na organização, que completa agora 25 anos de existência.

Segundo Téte António, cada presidência é chamada a dar a sua pequena contribuição à vida da organização e à dinâmica que esta vai conhecendo, e, nesse sentido, Angola “conta com o apoio de todos para que se tenha este novo pilar, que constitui, na verdade, parte de um processo de crescimento da organização”.
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