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«Portugal tem de lutar para dar a supremacia ao Brasil» [Marcelo Rebelo de Sousa, 01.05.08]

A finalidade deste “acordo” político é que uma das seis ex-colónias, sul-americana, submeta a sua ex-potência colonizadora, europeia, e as demais ex-colónias africanas desta, a uma forma de neo-imperialismo cultural que se consubstancia na “adoção” ditatorial de uma “ortografia única”: a brasileira. [“post” Anatomia da Fraude]

Concatenando sequencialmente, como óbvias relações de causa e efeito, a invenção da CPLP, o Estatuto de “Igualdade” (2000), a imposição do AO90 (2011) e, por fim, o Acordo de Mo(r)bilidade (2021), ficam ainda mais claros os reais objectivos de toda a trama. Com a intensa, sistemática e longa campanha de desinformação — nesta se incluindo a paradoxal vitimização política dos beneficiados (1, 2, 3) e o silenciamento da oposição através do insulto e da ameaça (1, 2, 3, 4, 5) –, os últimos dados revelam já que pelo menos três desses objectivos foram atingidos: a substituição da Língua portuguesa pelo crioulo brasileiro, a aculturação selvática e o estabelecimento de um Estado brasileiro na Europa. [“post” “Igualdade” pela porta dos fundos”]

Como descomplicar o nosso idioma?

Diplomacia é determinante na união lusófona

 

Arnaldo Niskier

“Folha de S. Paulo” (Brasil), 03.06.23

Doutor em educação, é professor, jornalista e membro da Academia Brasileira de Letras (ABL);
presidente do Centro de Integração Empresa-Escola do Rio de Janeiro (Ciee/RJ)

Temos mais de 300 milhões de pessoas no mundo utilizando, como ferramenta de trabalho, a nossa querida língua portuguesa. A preocupação da Comissão de Lexicografia e Lexicologia da Academia Brasileira de Letras, hoje presidida pelo especialista Evanildo Bechara, tem sido a sua descomplicação. A esse empenho se juntam hoje o recém-eleito Ricardo Cavaliere e a competente imortal Ana Maria Machado.

Há temas que são verdadeiros desafios, como a discussão sobre a conveniência de adoção da linguagem neutra (todos, todas, “todes”), o emprego crescente da educação a distância, a incorporação do verbete “Pelé” ao dicionário oficial e o destino do Acordo Ortográfico de Unificação da Língua Portuguesa — muito criticado em algumas nações lusófonas, como é o caso de Angola.

Onde se fala português

São imprecisos os limites entre a norma culta e a linguagem popular. Ser moderno não é só adotar procedimentos de filmes, revistas, jornais e programas de televisão, como se faz em certas partes do Rio de Janeiro. Há um claro desejo de imitar o inglês, primeira língua de mais de 500 milhões de pessoas.

Felizmente, temos preciosos guardiões do nosso idioma, como os compositores Gilberto Gil, Caetano Veloso, Martinho da Vila, Noca da Portela e o premiado Chico Buarque, que recentemente fez um lindo discurso em Lisboa. Criticou os titubeios do governo federal passado, sobretudo no campo cultural.

Um só português em diferentes versões

É claro que desejamos ampliar os laços que nos ligam à Comunidade dos Povos de Língua Portuguesa (CPLP), como tem se referido continuamente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Sabe-se que só 3% dos 350 mil verbetesregistrados no Vocabulário Ortográfico de Língua Portuguesa são escritos da mesma forma, o que merece uma ampla e contundente revisão. Eis aí um maravilhoso pretexto para a ação decisiva da nossa diplomacia, com o necessário trabalho em favor da sonhada unificação. O Itamaraty, numa nação que nem é tão rica assim, está empenhado em emprestar dinheiro aos povos necessitados. Não seria o caso de uma ação cultural mais expressiva?

Conheça alguns escritores dos países de língua portuguesa

A modalidade da educação a distância (EAD), em grande expansão no mundo, pode ser um precioso instrumento de harmonização de procedimentos. Está na hora de somar esforços nesse sentido.

Quando vem à tona o nome do inesquecível Pelé, pensamos se não é um verbete que uniria as nações lusófonas. O Dicionário Michaelis saltou na frente. Sugerimos acompanhar a bela iniciativa.

Queremos nos deter um pouco mais sobre essa homenagem ao craque. Ouvi de um acadêmico que não concordava com a ideia, “pois com o tempo o nome de Pelé poderia ser esquecido”. Argumento furado, pois a história sempre ligará o nome do atleta do Santos aos títulos conquistados pelo Brasil com a sua ajuda e os gols inesquecíveis do “Rei do Futebol”.

Chico Buarque recebe prêmio Camões pelas mãos de Lula; veja fotos

De toda maneira, este artigo está sendo feito em defesa da língua portuguesa e do seu futuro. A união lusófona é, politicamente, uma ideia altamente defensável e oportuna. A nossa diplomacia tem aí um belo campo de trabalho.

[Transcrição integral, conservando o brasileiro do autor brasileiro publicado num jornal brasileiro,
incluindo as ligações internas do original. Inseri outros “links” (os de cor verde)
a “posts” do Apartado, com extractos apensos. Imagem de topo: recorte do siteTalk2Travel“.]

Línguas e Alfabetos: 2. Soletração

https://www.history.co.uk/history-of-ww2/code-breaking

The Enigma Machine | Image: Shutterstock

E N I G M A

O caso da língua gestual será porventura o exemplo mais ilustrativo daquilo que significa a comunicação entre seres humanos, que motivações específicas as explicam, que finalidades concretas pretendem servir e, partindo dessas motivações e finalidades, como e porquê se distinguem umas das outras.

Sempre evitando pisar os terrenos áridos da linguística e ainda que “traduzindo” quanto possível a nomenclatura técnica (de metalinguagem) envolvida, o que aqui se pretende destacar é o carácter espontâneo — e, portanto, livre — de todas as chamadas línguas naturais, do que resulta, por simples exclusão de partes, que a “língua universau” brasileira (#AO90) não passa de uma asquerosa aberração, passe a redundância.

Ainda que utilizemos para o efeito não apenas as línguas naturais como também as “artificiais”, a constatação ainda assim será a mesma: é absurdo sequer pretender tornar igual aquilo que é por natureza diferente.

https://www.magicalquote.com/movie/the-imitation-game/

«Quando as pessoas falam umas com as outras, nunca dizem o que pretendem dizer. Dizem outra coisa, mas pressupõem que os outros sabem o que elas querem dizer.»

A língua que hoje em dia é comummente utilizada no Brasil tem tanto a ver com a Língua Portuguesa como uma máquina de escrever comum em relação à Enigma, a codificadora utilizada pelas tropas alemãs na II Grande Guerra.

As teclas até podem ser iguais em ambas as máquinas, mas a escrita é diferente porque o significado do que se escreveu numa não tem absolutamente nada a ver com o que resulta na outra. Dois códigos, resultados diferentes.

E então, reza a História, para enfrentar aquele imbróglio em particular surgiu Alan Turing; a sua máquina descodificadora resolveu por fim o enigma da… Enigma. Foi por isso mesmo, segundo alguns historiadores, que os Aliados ganharam a guerra e que Adolf Hitler fez pela primeira vez um favor, isto é, deu um tiro na cabeça.

A máquina de Turing foi em simultâneo predecessora dos actuais computadores mas foi também continuadora, visto que utilizava o mesmo alfabeto da codificadora alemã (em teclado QWERTY), o qual, por seu turno, já era resultado de uma invenção patenteada em 1874 — a máquina de escrever. A linguagem cifrada do lado alemão (Enigma) era descodificada pela equipa de Turing através de determinação de ocorrências e consequente cálculo de probabilidades. Num dos muitos filmes sobre aquele período histórico, aventa-se a hipótese de a chave ter resultado do fecho de todas as mensagens: o conhecidíssimo “Heil Hitler”; significava “over&out”, portanto bastaria fazer corresponder cada uma das letras e deduzir as outras pela sua posição relativa… no alfabeto.

Esse mesmo alfabeto que naquela época, como de resto ainda hoje sucede, obedecia à tabela de comunicações que viria ser oficializada pela Organização Internacional de Aviação Civil.

ICAO – Alfabeto Radiotelefónico

https://unitingaviation.com/news/general-interest/youve-heard-alfa-bravo-charlie-but-do-you-know-where-it-came-from/

ICAO – International Civil Aviation Organization

The ICAO phonetic alphabeth as assigned the 26 code words to the 26 letters of the English alphabet in alphabetical order: Alfa, Bravo, Charlie, Delta, Echo, Foxtrot, Golf, Hotel, India, Juliett, Kilo, Lima, Mike, November, Oscar, Papa, Quebec, Romeo, Sierra, Tango, Uniform, Victor, Whiskey, X-ray, Yankee, Zulu. [Google]

Podemos dizer que, este sim, é o alfabeto de comunicações via rádio utilizado tanto pelos tripulantes portugueses como pelos brasileiros, estejam eles a bordo de um avião, de um navio ou até de uma nave espacial. Pois, pudera, a língua de telecomunicações (como sucede na informática ou na Internet) é o Inglês, não é nem o Mandarim nem o Hindi — apesar de a Índia e a China terem “muitos mais milhões” do que USA, UK e Commonwealth somados — e muito menos é o brasileiro, por mais que julguem alguns tugas que aquilo é que é um gigantone que só visto.

São imensas e muitíssimo diversificadas as aplicações do alfabeto fonético internacional, desde as militares (na NATO, por exemplo) às de comunicações via rádio, incluindo as dos Radioamadores, vulgo “macanudos”, e ainda, em algumas zonas fora de zonas “digitais”, nas comunicações por telefone convencional.

Das duas variantes nacionais do alfabeto da ICAO devemos destacar a utilizada em meios e para fins civis.

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«Defending a country’s identity» [Cátia Cassiano, “Updated Words”]

Defending a country’s identity

Cátia Cassiano
“UpdatedWords” (Australia), 9 May , 2023

Defending a Country’s Identity it’s the duty of its citizens and its governments who are elected to defend and represent their country abroad. That identity is shown by the country’s culture, its traditions, its food, and the language is how those identity traits are communicated to others. Without a language, there is no culture, and without culture, there is no country.

Languages are complex beings I would say. They can be spoken in different parts of the world and they develop their own intricacies that represent that part of the world. They form variants and they share the same core rules and vocabulary, but they create their own, which is a product of a different evolution and cultural influence. This is a reality for many languages like English, Spanish, Portuguese, and others. Most countries understand this and respect those differences since they only enrich the language itself by creating diversity and culture. Unfortunately, the Portuguese government does not and that is hurting the country’s language, culture, and identity.

Incompetenty, disrespect, and contempt

In 2009, the then-Portuguese Government approved the New Orthographic Agreement of the Portuguese Language 1990 (AO90). According to them, it was aimed to “unify” the language and simplify things. There was no consultation on the matter and linguists were appalled by such an idea. The problem is that the government is imposing a change to the variant spoken in Portugal, which does not reflect the country’s culture or natural evolution. Some say they imposed the Brazilian variant on the Portuguese, the reason for such claims is that the majority of changes favour the Brazilian variant over the European variant. This is rather unnatural for the Portuguese and that is the reason causing such revolt. But let’s make it clear, this is not a war between Portuguese and Brazilians, both Portuguese and Brazilians are against it. This is a fight against a bunch of politicians who know nothing about languages and their evolution and use them as a tool for their corrupt endeavours.

The government is democratically elected to protect, defend, represent, and run the country. The Portuguese Government has done none of the above. They never represented the country or its interests, they certainly did not defend it and as per running the country, you just look at the economy and make your own conclusions. In my view, they are incompetent to run the country, they disrespect its customs and culture and they treat its citizens with contempt and that is why people have revolted against them.

The citizens’ revolt

Portuguese citizens from all walks of life spoke out about this appalling change. Those who create it don’t even know how to apply it and if you look at the Diary of the Republic, which is the official document where all government proceedings and Laws are registered, you will find a mix of rules, which make it even more confusing to read and understand. The children are learning a language they don’t identify with and this is the reality of a country with centuries of history and culture.

A group of Citizens joined forces and signed a Citizens’ Legislative Initiative (Iniciativa Legistativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico – ILCAO) with thousands of signatures proposing the annulment of this absurd. It wasn’t passed. But we won’t give up. Ms. Isabel Ferreira, the author of the blog “O Lugar da Língua Portuguesa” (The Portuguese Language Place), has written an Appeal to the Portuguese President, Marcelo Rebelo de Sousa, explaining why this absurd must be abolished. Again, we all stepped in and sign up. I was one of those who have proudly participated in both initiatives and I will continue to do so until we have justice. If you want to join us, please, follow the link and send Ms. Ferreira an email with your name and profession. You must be a Portuguese Citizen. Let’s fight for what’s right, let’s fight for this culture, these people, and their language.

Cátia Cassiano

[Transcrição integral. Destaques meus. Acrescentei imagens e “links” (a verde),
sendo de minha autoria os extractos e/ou comentários apensos.]

[tradução automática]

Defender a identidade de um país

Cátia Cassiano
“UpdatedWords” (Australia), 9 May , 2023

Defender a identidade de um país é um dever dos cidadãos e dos governos eleitos defender e representar o seu país no estrangeiro. Essa identidade manifesta-se na cultura do país, nas suas tradições, na sua gastronomia, e a língua é a forma como esses traços de identidade são comunicados aos outros. Sem língua, não há cultura e, sem cultura, não há país.

As línguas são seres complexos, diria eu. Podem ser faladas em diferentes partes do mundo e desenvolvem as suas próprias complexidades que representam essa parte do mundo. Formam variantes e partilham as mesmas regras e o mesmo vocabulário, mas criam o seu próprio, que é o produto de uma evolução e de uma influência cultural diferentes. Esta é uma realidade para muitas línguas como o inglês, o espanhol, o português e outras. A maioria dos países compreende este facto e respeita essas diferenças, uma vez que elas apenas enriquecem a própria língua, criando diversidade e cultura. Infelizmente, o governo português não o faz e isso está a prejudicar a língua, a cultura e a identidade do país.

Incompetência, desrespeito e desprezo

Em 2009, o então Governo português aprovou o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 (AO90). Segundo eles, o objectivo era “unificar” a língua e simplificar as coisas. Não houve qualquer consulta sobre o assunto e os linguistas ficaram chocados com tal ideia. O problema é que o governo está a impor uma mudança na variante falada em Portugal, que não reflecte a cultura nem a evolução natural do país. Há quem diga que impuseram a variante brasileira aos portugueses, a razão para tais afirmações é que a maioria das mudanças favorece a variante brasileira em detrimento da variante europeia. Isto não é natural para os portugueses e é essa a razão da revolta. Mas vamos deixar claro, esta não é uma guerra entre portugueses e brasileiros, tanto portugueses como brasileiros estão contra. Trata-se de uma luta contra um bando de políticos que não sabem nada sobre as línguas e a sua evolução e que as usam como um instrumento para os seus projectos corruptos. (mais…)

Av. da Liberdade, 185 – Lisboa – Portugal

É quase impossível fazer um “apanhado” da visita daquele senhor. Aliás, acompanhar a agenda da dita visita complica-se enormemente porque o dito senhor persiste em debitar inúmeras piadas e assim a coisa arrisca-se a descambar numa espécie de “apanhado”… para os “Apanhados”.

Logo a seguir à chegada, ainda no aeroporto onde desembarcou (do FAB1, ou lá como se chama o Air Force One sertanejo), teve direito a fanfarra, depois parece que foi descansar — enquanto a esposa foi às compras às lojas típicas do artesanato português (“tipo” Prada, Armani, Gucci, Louis Vuitton) — e do seu quarto no hotel Tivoli seguiu para uma conferência de imprensa.

Das inúmeras coisas extraordinárias que proferiu perante os jornalistas — com directos em todos os canais “informativos” –, a resposta que mais espanto provocou foi aquela a que… não respondeu.

O que os adeptos do clube adversário notaram — milhares de “tweets”, “posts” nas várias redes anti-sociais, artigos na imprensa portuguesa, brasileira e internacional — foi o súbito mutismo do senhor quando questionado sobre as suas declarações na Rússia e na China implicando Portugal, enquanto país membro da União Europeia, num suposto “complot” contra os “democratas” chineses e russos liderado pelo demónio americano.

Poucos dos que não são fanáticos nem do LEC (Lula Esporte Clube) nem do FCB (Clube Esportivo Bolsonarense) notaram sequer a solicitude do outro senhor, o das “selfes”, apressando-se — num sussurro de pé-de-orelha — a traduzir a pergunta para brasileiro. Mesmo assim, ao que parece, o presidente vitalício do LEC continuou a não entender e portanto respondeu o mesmo, ou seja, nada.
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Wokultura

EnidBlyton e alterações ‘woke’: ignorância e ilegalidade

Patricia Akester

“Diário de Notícias”, 07 Abril 2023

Como leitora voraz que sempre fui, os livros de EnidBlyton não me passaram ao lado. Devorei os mistérios e aventuras dos Cinco e com eles percorri a sua ilha favorita, andei no colégio de Santa Clara, em Londres, com as gémeas O’Sullivan, frequentei o colégio das Quatro Torres, na Cornualha, acompanhei um clube de pequenos detectives, os Sete, detendo senhas para as suas reuniões secretas, trepei intrepidamente a Árvore Longínqua e ajudei diligentemente a resolver vários mistérios que tendiam a despontar em Peterswood, no condado de Buckinghamshire.

Infelizmente o lobby anti-Blyton não partilha do meu entusiasmo e tem atacado ferozmente a sua obra, apelidando-a de snob, misógina e racista. No seio deste movimento os livros de Blyton foram banidos de numerosas bibliotecas e novas edições têm emergido, uma vez revistas e reeditadas, com nomes, personagens e enredos adulterados com vista a — pasme-se — convertê-las em obras politicamente correctas, isto é, cumpridoras de imperativos «woke». A título de exemplo, a revisão das obras tem abarcado a eliminação de nomes considerados ofensivos, o respeito pela neutralidade de género, a divisão de tarefas domésticas, o cumprimento dos horários escolares e a resolução de mistérios e acção e aventura sob supervisão de um adulto.

Esquecem que os maravilhosos livros de Blyton encerravam aventura, mistério e magia, fornecendo simultaneamente (pormenor que tende a ser afastado) lições, ensinamentos e pedagogia. Os personagens eram recompensados por actos de generosidade, bondade, honestidade, humildade e outras virtudes e punidos quando mentiam, roubavam, tinham acessos de raiva, eram mal-educados, gananciosos, egoístas ou cruéis.

Ignoram que sob um estilo de escrita despretensioso Blyton gerou enredos repletos de complexidade, explorando, por exemplo, as questões de raiz que levavam os adolescentes a incorrer em comportamentos socialmente inaceitáveis. Olvidam que as referências a poder monetário eram raras e que o sucesso dos protagonistas de Blyton advinha da sua habilidade intelectual, da sua capacidade de trabalho, do seu bom carácter e de uma pitada de magia. Desconsideram que Blyton criou personagens femininas cheias de garra, como DarrellRivers ou as gémeas O’Sullivan e que as suas personagens mais célebres e memoráveis são raparigas (e não rapazes) obstinadas, ousadas e rebeldes.

Talvez o politicamente correcto deva adquirir perspectiva. A obra de EnidBlyton é um produto de seu tempo e do seu espaço e há que a reconhecer como tal. O mesmo sucede, por exemplo, com os livros de Joseph Conrad, de AldousHuxley e de Agatha Christie. Se as personagens de Blyton são demasiadamente abastadas que destino devem ter os mordomos e as empregadas que surgem aos pontapés na obra de Agatha Christie? Se as histórias de Blyton têm laivos de racismo como devemos encarar a obra de Shakespeare, designadamente a referência ao mouro que habita Otelo e ao judeu que tem lugar proeminente no Mercador de Veneza?

As alterações em causa retiram à obra a verdade da época e do espaço em que foi escrita, vedando a constatação e a avaliação da evolução histórica, sociológica e literária. O panorama literário é assim empobrecido, podendo o leitor chegar a um ponto em que apenas tem acesso a literatura contemporânea (politicamente correcta, claro está), sendo as restantes obras literárias banidas e/ou censuradas em nome (reparem no paradoxo) de valores liberais — e convertendo-se os livros de outrora em artigos de colecção.

Impõe-se ainda referir que as revisões acima referidas não são lícitas, em muitos países, graças a algo que o Direito de Autor qualifica como os direitos morais do autor. Tais direitos decorrem do reconhecimento da natureza eminentemente pessoal da criação do espírito e do vínculo, imperecível, entre criador e obra.

O nascimento dos direitos morais remonta ao século XIX, salientando-se, em 1814, o facto de um Tribunal francês ter reconhecido que certo autor tinha direito a que o seu manuscrito não fosse alterado, sem a sua autorização, pela editora à qual havia sido submetido (Billecocq v. Glendaz, Tri. civ. Seine, 17/08/1814). Em 1928, os direitos morais foram incorporados na grande Convenção de Berna para a Protecção das Obras Literárias e Artísticas, com reflexos na lei portuguesa que declara, sem hesitação, que o autor goza do direito de assegurar a genuinidade e integridade da sua obradireito esse inalienável, irrenunciável e imprescritível, cuja guarda passa, após a sua morte, para os seus sucessores.

Consequentemente, embora o estudo da obra de Blyton, incluindo no que toca a preconceitos e estereótipos seja bem-vindo sob uma perspectiva académica, alterar a obra traduz-se em mutilação e deformação da mesma, desvirtuando-a e podendo afectar a honra e reputação do seu autor e consistindo, pois, em acto ilícito em muitos pontos do globo.

Em suma, retirar a obra do contexto em que foi redigida e actualizá-la de acordo com uma das linhas vigentes de pensamento é mais uma tentativa de mudar a História, sendo pelos motivos acima apontados fruto de ignorância e de esquecimento e empobrecendo deste modo o quadro cultural mundial.

PatriciaAkester

Fundadora de GPI/IPO, Gabinete de Jurisconsultoria e
Associate de CIPIL, Universityof Cambridge

[Transcrição integral de artigo, da autoria de Patricia Akester,
publicado no “Diário de Notícias” de 07 Abril 2023.
Destaques e “links” meus.]