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Diário de Aveiro. Fundado em 19 de Junho de 1985

 

Diário de Coimbra Fundado em 24 de Maio de 1930

 

Acordo Ortográfico

Maria João Gaspar de Oliveira

“Diário de Coimbra”, 04.03.17.

 

Sabe-se que os índices de leitura, em Portugal, ainda são muito baixos, pelo que se verifica uma grande falta de vocabulário, sobretudo nos adolescentes que, para comunicar, utilizam pouco mais de 300 palavras (há 20 anos, tinham cerca de mil…). Esta situação é preocupante, sobretudo porque há uma relação estreita entre o vocabulário e o pensamento. A linguagem organiza, ordena, produz o próprio pensamento. Nós pensamos com palavras, obviamente. E, não ter palavras para dizer a realidade, é como não ter conhecimento dela. Não podemos sequer dizer que conhecemos, seja o que for, se não tivermos palavras para traduzir tal conhecimento. Sem elas, o intelecto vai-se tornando cada vez mais pobre, e a liberdade do pensamento fica, seriamente, comprometida. Sem capacidade de argumentação, sem acesso à autonomia do pensar, tornamo-nos presas fáceis de qualquer ditadura fonética, política, etc….

Para cúmulo, o “acordo” ortográfico, fiel servidor de interesses políticos e económicos, impõe uma ortografia fonética das palavras em detrimento da ortografia etimológica, pelo que, não pode, de modo algum, contribuir para a evolução da Língua Portuguesa, uma língua que tem, no mundo, mais de 240 milhões de falantes.

Este “acordo” provoca também uma enorme confusão entre palavras distintas (retractar, por exemplo, significa, agora, tirar o retrato…), regras que se contradizem e outras que provocam dúvidas, eliminação de acentos gráficos fundamentais, alterações na maiúscula inicial, reformulação do uso do hífen que nem ao diabo lembra, caos linguístico instalado nas escolas e por todo o país, onde já coexistem três grafias, pelo menos (a do Português correCto, a do AO90 e as multigrafias pessoais…), normas ortográficas provisórias que os alunos têm de aprender, novas regras gramaticais, inviabilização do vocabulário formado por via erudita, devido ao afastamento da etimologia, etc., etc.

Como diz Fernando Paulo Baptista, não será fácil para um inglês ou francês, relacionar “actuality”, ou “actualité” com “atualidade”… “Multiplique-se o exemplo e será possível descobrir que, afinal, o futuro está no passado, ou seja, na etimologia, naquilo que nos une, portanto”, acrescentou.

Além disso, este “acordo” incoerente, sem fundamento científico, e que é fruto da prepotência do poder político, não é um Acordo, visto que a grande maioria dos especialistas em Língua Portuguesa se opõe, assim como a maioria dos falantes do português de Portugal. A ortografia “unificada” (uma “unificação” que admite múltiplas grafias…), não vai ser usada por todos os países lusófonos, incluindo Angola, que é o segundo país com maior número de falantes da nossa língua.

Perante tal insulto à Língua Portuguesa, a revogação deste “acordo” é, absolutamente, necessária e urgente.

Maria João Gaspar de Oliveira

[Transcrição do texto enviada por Rui Valente.]