Etiqueta: liberdade

Coimbra é um pagode (ou um samba)

director da Câmara Luso Brasileira de Comércio e Indústria Janja, Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique
Castelo de Belmonte (Portugal) Ministro português, bandeira do Brasil

«Portugal precisa de boa imigração e de investimento, do Brasil e dos países de língua portuguesa, da mesma forma que o Brasil e os outros países precisam de uma porta de entrada para um mercado europeu.»
«O primeiro-ministro português sabe isso e vai lutar na União Europeia por um regime especial para os cidadãos dos países de língua portuguesa, tentando aprovar – ou pelo menos permitir – a criação de uma primeira “cidadania da língua” na história universal.»

[José Manuel Diogo, C,C.I. L-B e APBRA200]
[post
«Portugal, um Estado brasileiro na Europa»]

 

Nasce em Coimbra casa para celebrar a língua portuguesa brasileira e falar de temas “desconfortáveis”

Casa da Cidadania da Língua foi inaugurada com a proposta de ser um espaço artístico e literário do idioma português brasileiro, mas também para debater temas como colonização, racismo e xenofobia.

Amanda Lima
“Diário de Notícias”, 13 Outubro 2023

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O coordenador José Manuel Diogo, o autarca José Manuel Silva e o presidente do Senado federal brasileiro, Rodrigo Pacheco, inauguraram o espaço na Alta de Coimbra.

Não há uma língua portuguesa, há línguas em português”, já dizia o escritor José Saramago. Décadas depois de uma das frases que mais resume[m] o idioma, Portugal passa a ter um local que celebra a complexidade e riqueza da língua portuguesa brasileira, mas também dos seus mais de 260 milhões de falantes pelo mundo. Fica na Alta de Coimbra, no prédio histórico da Casa da Escrita.

O local, por si só, já possui uma tradição literária, tendo abrigado variados escritores portugueses. “Esta já foi uma casa de cidadania, de literatura e de luta antifacista[sic] contra a ditadura”, lembrou José Manuel Silva, presidente da Câmara Municipal de Coimbra, durante a inauguração oficial, ocorrida na quinta-feira.

A programação arrancou com actividades de literatura, arte e música representados por artistas de pelo menos três países da lusofonia. A proposta é que todas as actividades desenvolvidas no local tenham a presença de pessoas de todos os países que possuem o português como um dos idiomas oficiais.

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Rute Simões Ribeiro, Simone Paulino, Luiza Romão e Raquel Lima protagonizaram a primeira mesa literária da nova casa

O trabalho de curadoria será realizado por seis pessoas de Portugal e do Brasil, que prometem trazer vozes de Angola, Cabo Verde, Moçambique, entre outros. Para o curador brasileiro André Augusto Diasz, o local simboliza “uma outra forma de conviver, de se relacionar, de viver, em sua dimensão mais ampla, uma cultura forjada na língua portuguesa” brasileira.

Se conviver e se relacionar é uma proposta da Casa da Cidadania da Língua, temas que dizem respeito aos laços históricos que unem os povos não ficam de fora. Segundo José Manuel Diogo, coordenador do espaço, temas “desconfortáveis” serão debatidos. “Vamos falar de racismo, de xenofobia, das consequências da colonização que vemos até hoje. Acreditamos que o conhecimento é o melhor antídoto contra o ódio e aqui vamos produzi-lo ao mais alto nível, não queremos que as pessoas se sintam desconfortáveis com isso”, explica.

No discurso de inauguração, o presidente do Senado Federal do Brasil, Rodrigo Pacheco, disse que a cidadania “não é, nem nunca será, um muro entre os povos”. Acrescentou que a língua portuguesa brasileira “não legitima discriminação ou preconceito, segundo critérios de alfabetização, acentos, ou ajuste à norma culta“.

A primeira mesa literária, mediada pela editora Simone Paulino, já mostrou a que veio, com o título “Dicções de uma escrita feminista”. Três jovens autoras foram convidadas: a brasileira Luiza Romão, a angolana Raquel Lima e a portuguesa Rute Simões Ribeiro. Raquel afirmou que o idioma hoje “apresenta uma hierarquia entre os falantes, dando o exemplo dos estudantes estrangeiros que chegam a Portugal, mesmo em Coimbra, e não são considerados da mesma forma”.

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A Casa da Escrita acolhe agora o espaço de celebração da lusofonia e da riqueza da língua.

Luiza, vencedora do Prémio Jabuti, o mais importante da área no Brasil, afirmou que uma das principais motivações da sua escrita é a inquietação com temas das mulheres, que em outras épocas foram vozes ainda mais silenciadas na literatura. Já Rute, que acaba de vencer o Prémio Hugo Santos, exaltou a inauguração da Casa em Coimbra, cidade em que nasceu e que acredita ser um bom local para as discussões de vozes que nem sempre são ouvidas.

Livros mais acessíveis

Uma das iniciativas da Casa da Cidadania da Língua é ter um selo editorial oficial, que permite a impressão através do método ‘print on demand’, em parceria com gráficas sediadas em Portugal. Na prática, significa que livros de autores e autoras da língua portuguesa brasileira poderão ser impressos em 48 horas com um preço mais acessível.
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❤ Portugal

Dear Portugal (a love letter)

By Carl Munson – 7th December 2023
www.portugalresident.com

Photo: Helder Burato Berto/Usplash

First of all, don’t worry, this is not a ‘Dear João’ break-up letter. It’s quite the opposite. It looks like things are actually getting a bit serious and it might be time to take our relationship to the ‘next level’. At this time, when we as foreigners, immigrants, are approaching about one in 10 of the country’s total population, it seems like a good time to have ‘the talk’.

If we were breaking up, I would be saying “it’s not you, it’s me”. But the thing is, it is you. After a few years now, I can safely say it’s not infatuation. I have fallen for you.

It’s love. Not a mushy, sentimental kind of love, but more the unconditional kind, based on a growing mutual respect and a shared sense of adventure, that you know so well in your own ocean-going soul. And I hope you won’t think me foolish or impetuous as I share with you my hopes for our future together.

First of all, I want to thank you so much for the warmth, kindness and openness that makes you so attractive and special. We turned up here, often speaking your language very badly (if at all) and the first thing you did was laugh. You laughed with us, not at us, and when we made an effort, you continued to smile while sharing your words of encouragement, or should I say encorajamento?

Devagar, se faz favor,” we implore, as you compassionately stoop to our rudimentary level and respond to any effort we might make to earnestly communicate in Portuguese. That knowing twinkle in your eye means so much.

As we know, good relationships are all about ‘give and take’, and whilst road tolls and IVA might look like a lot of taking at times, you have given far more than you have asked for. In return for mostly blue-sky, heart-warming days, grandmotherly, soul-nourishing food and a grandfatherly generosity with your cheerful wines, you seem to ask for so little in return – not even thinking, like we do, in our imported, transactional way.

But this can’t continue. Courtship and honeymoons have their place in any marriage, and it’s time we settled down. Albeit whilst raising each other up in a more reciprocal arrangement, where our obvious debt can be addressed, and repaid in kind, long into our future together.

How can we repay you? Let me count some, if not ‘the’, ways …

Specifically, dear Portuguese neighbours and colleagues, your profound courteousness and goodwill never fail to inspire and comfort us. We know that we will never out-gift you materially or culturally, but at least accept our tokens of Marmite and Peanut Butter, for example, as gestures of our intent to at least slightly balance the scales of hospitality.

To the local community associations, centres of cultural happenings and you valiant Bombeiros firefighters, how can we help? Beyond chucking a few coins or notes into a bucket, buying the annually-issued calendar and turning up for events (especially where there’s food, drink and dancing, i.e., most of them!), what else can we do to show we care and love what you do?

To the dear civil servants, thank you for your forbearance and patience as we see your systems pushed to capacity by our very presence, and long-promised pay rises come to little or naught. Know that, as we sometimes seem stressed in your company, it’s more a fear of the unknown or an inability to be understood than any ill will or bad feeling on our part. Perhaps one day you will let us speak of our experiences with you, and maybe even suggest improvements from our customer point of view, that might be win-win all-round.

For you, dear politicians, it looks like it’s been a tough few years, with a hard crowd to please, and cynicism at an all-time high. Know that many of us are delighted to invest in the country you serve, pay the taxes that make your society so relatively functional, and can be a resource to your aspirations rather than a scapegoat for your failings. Who among you will be the first to reach out and harness the gifts we estrangeiros bring in terms not only of money, but also expertise and insight that might add to Portugal’s entrepreneurial and progressive aims?

Portugal, be my Inês, and I will aspire to be your Pedro (apart from the glove-kissing bit).

Remember the words of your great poet Pessoa who said: “We never love anyone. What we love is the idea we have of someone”, and that’s good enough for me. An idea that became a reality, for which I will be eternally grateful.

“Love is a fire that burns unseen, a wound that aches yet isn’t felt,” uttered your legendary Camões, who so beautifully captured the subtle but powerful patriotism of Portugal that is so endearing to the newcomers, who can share in a national pride that stops short of xenophobia.

And let’s guess that that bright star who burned too fast, Florbela, would never have imagined her words being co-opted by new arrivals that might so aptly express their love for her country:

“The love I feel for you

Is so deep and runs so true

That I even love the longing

That I feel because of you.”

Inspired by your historical greats, dear Portugal, as I stand before you, heart in hand, let me, with great respect, add an ode of my own to their enduring works:

There once was a man from UK

Who came to Portugal to stay

He liked what he saw

And wanted some more

Now ‘amo-te’ is all he can say

Carl Munson

Carl Munson is host of the Good Morning Portugal! show every weekday on YouTube and creator of www.learnaboutportugal.com, where you can learn something new about Portugal every day!


[tradução]

Querido Portugal (uma carta de amor)

Antes de mais, não se preocupem, esta não é uma carta de despedida ao “Querido João”. É exactamente o contrário. Parece que as coisas estão a ficar sérias e talvez seja altura de levar a nossa relação para o “próximo nível”.

Nesta altura, em que nós, estrangeiros, imigrantes, nos aproximamos de cerca de um em cada 10 da população total do país, parece ser uma boa altura para ter “a tal conversa”.

Se nos estivéssemos a separar, eu diria “não és tu, sou eu”. Mas o que se passa é que és tu. Depois de alguns anos, posso dizer com segurança que não é paixão. Apaixonei-me por ti.
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“Outra vez arroz?!”

Imagem de despacho (de Abril 2023) da agência BrasiLusa; portanto, convém traduzir algumas palavras e expressões-chave como, por exemplo, “migrantes de língua portuguesa”.

O artigo abaixo transcrito é de um autor brasileiro e foi publicado num jornal (supostamente) português consoante o original em brasileiro. Por uma questão de coerência, digamos assim, desta vez, excepcionalmente, desactivei o botão de correcção automática do “browser”.

E então o que vem dizer esse tal Maurício aqui à terrinha, por interposto pasquim tuga? Bom, além do habitual chorrilho de ameaças veladas, de fato muito pouco e em atavios menos formais ainda menos.

Diz, por exemplo e logo de entrada, como appetizer, que as «denúncias de xenofobia contra imigrantes do Brasil cresceram 505% em anos recentes». Refere uma única fonte como avalista da enormidade da taxa de crescimento, mas “esquece-se” de uma operação algébrica elementar, consistindo essa na ponderação do aumento concomitante (e simultâneo) do contingente total de brasileiros que residem em Portugal, somando todos os casos, isto é, os indocumentados mais os que têm autorização de residência no país” (400.000, segundo fontes governamentais) mais os que adquiriram dupla nacionalidade e ainda os que estão apenas em trânsito para outro país da UE assim que obtiverem o passaporte português (logo, europeu). Seja qual for o total apurado, juntando todas as parcelas, nos mesmos cinco últimos anos a que se refere a expressão “em anos recentes”, a percentagem de aumento do contingente brasileiro terá certamente triplicado, provavelmente quadruplicado ou até talvez quintuplicado.

Ora, se chegaram cá três ou quatro ou até cinco vezes mais, só no último quinquénio, então nada de mais natural — é uma probabilidade meramente estatística de 100%, basta fazer uma regra de três simples — do que os incidentes ocorram na mesma proporção. Dito de forma ainda mais simples: se as «denúncias de xenofobia contra imigrantes do Brasil cresceram 505% em anos recentes» e se o total de imigrantes do Brasil quintuplicou no mesmo período, então a taxa de crescimento foi de… zero por cento. Caso o número de denúncias esteja correcto (a quantos incidentes se referem os 505%, afinal?) e se, no fim de contas, o dito contingente migratório aumentou “só” 400%, então a progressão da “xenofobia” será em todo o caso muitíssimo inferior; e o mesmo vale se por acaso cá tiverem aterrado “só” três e não quatro vezes mais pessoas de lá.

Tudo depende do enfoque, evidentemente. A manipulação dos números, geralmente apresentados “a seco”, sem qualquer tipo de ponderação ou considerandos, serve por regra interesses particulares e decorre de liminarmente de objectivos políticos. Os quais, no caso, são obviamente os da mais pura e dura vitimização, com vista à obtenção de ainda mais facilidades: “agilização” de processos, incluindo a concessão não presencial da cidadania, através de simples “manifestação de intenções”, ainda maior “desburocratização” (por exemplo, através de “promessa” de contrato de trabalho mas sem contrato de espécie alguma) e toda a sorte de outras benesses, prerrogativas e privilégios reservadas exclusivamente àqueles e àquelas que decidirem presentear-nos com a sua inestimável vizinhança e finos modos.

A realidade é totalmente ao contrário daquilo que se pretende fazer crer, tanto neste artigo como em muitos outros de igualíssimo teor. Todo este matraquear constante das mesmas palavras-chave (preconceito, racismo, xenofobia e “derivados”) não encontra a mais ínfima das sustentações em qualquer plano de análise ou em mera constatação dos factos. Não passam tais aleivosias de alegações, socorrendo-se por sistema de um ou outro caso esporádico — como se os portugueses nunca discutissem uns com os outros sequer — para extrapolar exponencialmente, em tom catastrofista, um statu quo de todo inexistente. À excepção da verborreia de alguns colunistas, uns mais à pressão, outros mais a soldo, nada de especial se passa, os portugueses não são de forma alguma avessos àquilo que os agitadores do bicho papãotuga chamam “brasileiros”. É precisamente ao contrário.

Em Portugal, os brasileiros são não apenas bem tratados — muitíssimo melhor do que outros contingentes, como aliás vamos vendo, ouvindo e lendo nos OCS e nas redes sociais –, como são até idolatrados por largas camadas da população nativa, sujeita, pelo menos desde “Gabriela, Cravo e Canela”, a uma doutrinação cega por tudo aquilo que cheire a Brasil: as telenovelas, o futebol, o samba (25 “escolas”!), dezenas de grupos de bar e “espetáculos” de “artistas”, o “Rock in Rio” de Lisboa, o Carnaval e outros… carnavais. Até mesmo o crioulo de origem portuguesa falado naquelas bandas — o que deu origem à imposição do #AO90 a Portugal e PALOP — é apreciado por muita gente cá da pategónia, a começar pelo próprio PR e pelo outro do Governo, que garantem adorar tal modo de “falá”.

Já no Brasil, desde crianças, a começar pelos bancos das escolas, os brasileiros são imersos num charco infecto de anti-portuguesismo, através de um sistema deseducativo que difunde largamente a lusofobia como sendo a trave-mestra da política de Estado brasileira: o que lá existe de bom é mérito do Brasil, o que não lhes corre bem, ou nada bem, ou mal, ou muito mal, é (e será sempre) culpa de Portugal.

Os reflexos da onda de xenofobia contra brasileiros em Portugal

As denúncias de xenofobia contra imigrantes do Brasil cresceram 505% em anos recentes, segundo balanço da Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial.

Eduardo Maurício
observador.pt, 06.12.23

É crescente a onda de xenofobia contra brasileiros em Portugal. No caso mais recente, a jornalista carioca Grazielle Tavares levou um soco na boca, de um português, dentro da Universidade do Minho, em Braga, na região norte de Portugal. O agressor é um estudante português do curso de pós-graduação em comunicação. A brasileira relatou que, além de violento, ele teria sido xenófobo e misógino. O motivo que desencadeou a violência foi um desentendimento por um atraso para um trabalho de grupo que reunia o agressor, um aluno estrangeiro, Grazielle e outra brasileira.

Segundo a jornalista, após uma ameaça, “ele começou a me xingar. Eu levantei e pedi para ele repetir se fosse homem. Nem terminei a frase e ele me deu um soco no lado direito do rosto, ferindo minha boca. Caí no chão e ele me chutou, diante do corredor cheio de gente e ninguém fez nada. E ele ainda disse: “O que você faz estudando no meu país? Deve pagar a mensalidade com o c.”, como se eu fosse prostituta. E falou para eu voltar para o Brasil”.

Importante destacar que as denúncias de xenofobia contra imigrantes do Brasil cresceram 505% em anos recentes, segundo balanço da Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial portuguesa. E, de acordo com dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, divulgados em 20 de setembro deste ano, os brasileiros são quase 400 mil num país de cerca de 10,4 milhões de habitantes, sem contar os que estão sem documentos e têm dupla cidadania.
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Quatro milhões, quatro cadeiras, quatro perguntas

Por alguma razão o título dos dois primeiros posts (1, 2) sobre este assunto foi “PMF”. Era previsível, se o assunto não fosse entretanto abafado, que a coisa iria provocar celeuma. Como aliás agora se vai vendo e como, caso o mistério continue a descoberto, certamente muito mais se verá ainda.

Nesta actualização da matéria, por assim dizer, começamos por uma gravação da jornalista Sandra Felgueiras — cuja peça emitida pela TVI espoletou a polémica da possível interferência presidencial no caso de utentes brasileiros do SNS — em que acrescenta agora novos dados, alguns dos quais bastante estranhos. Por exemplo, que:

  • não foram duas, foram quatro as cadeiras (duas das quais eléctricas) atribuídas
  • os pais das crianças têm bastantes posses no Brasil
  • o processo de naturalização das gémeas foi completado em tempo record
  • as cadeiras eléctricas daquele tipo nunca foram atribuídas a crianças portuguesas
  • a mãe das gémeas disse, numa entrevista, que recorreu a uma cunha através da nora do PR português
  • a consulta foi marcada contra o parecer dos médicos do Hospital de Santa Maria
  • as crianças regressaram ao Brasil e nunca mais vieram a quaisquer consultas de seguimento
  • as cadeiras eléctricas foram enviadas (pelo pai das crianças) de barco para o Brasil

A seguir a este interessantíssimo “briefing” jornalístico pode ler um artigo da revista “Sábado” em que o “presidente dos afectos”, como o próprio aprecia intitular-se, ameaça — literalmente, claramente — processar quem porventura ousar pôr em dúvida, ainda que apenas como opinião ou alvitre, qualquer procedimento seu em toda esta tramóia. O que diz Marcelo é isto: “vendo a reportagem, ninguém diz que“. E então.. pronto; como “ninguém diz que”, na reportagem, lógico será concluir que isto é o contrário de alguém ter dito, na reportagem, que.

Ora, ameaça velada torna-se ainda mais séria pela natureza do cargo de quem a profere: poderá um Chefe de Estado mover uma acção judicial de algum tipo, cível ou até criminal, no caso de ofensa, calúnia e difamação? Poderá o Presidente da República, o “mais alto magistrado da nação”, despojar-se da dignidade (e virtual intocabilidade) do cargo que exerce e mover uma acção judicial, enquanto simples cidadão, contra seja quem for? Iria ele comparecer numa audiência, em pleno tribunal, assumindo o papel de simples queixoso? Com ou sem escolta pessoal, deslocando-se na viatura presidencial ou indo a pé, pagando a um advogado ou entregando o caso ao gabinete jurídico da sua Casa Civil (ou militar)?

Questões meramente retóricas, na verdade, já que a resposta comum a todas elas — de tão escarrapachadamente evidente — resulta em indício seguro do que, sem bravata, está implícito na sentença antecipada: “Se aparecer alguém [a acusar de favorecimento], vou a tribunal comparar a minha verdade com a da outra pessoa“.

Apesar disso, e do que adiante virá, um artigo do “Diário de Notícias” completa este “update” da situação servindo como contrastante ou contraponto. Apesar de envolver algumas trapalhadas acessórias, o conteúdo da peça mantém o foco naquilo que de facto está em causa: se não houve “cunhas” ou “empenhos”, se ninguém interferiu, então como se compreende que no SNS português haja tudo, e já, e do melhor, para uns, e que não haja nada, e só no dia de S. Nunca à tarde, e só se for baratinho, para outros?

Finjamos esquecer os custos astronómicos do Zolgensma, as cadeiras topo-de-gama, os 14 dias para obter o cartãozinho, as facilidades prontas, as mordomias avulsas. Finjamos também esquecer a orgânica do Estado, do qual o SNS faz parte, os pressupostos do regime, do qual a Constituição deveria ser a estrutura, e até as normas de deontologia médica que vigoram há 2500 anos.

Podemos realmente fingir que tudo isso está esquecido, mas ninguém pode fingir que não está a perceber coisa alguma.

Constituição da República Portuguesa
Parte I – Direitos e deveres fundamentais
Título I – Princípios gerais
Artigo 13.º – (Princípio da igualdade)

1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

 

Marcelo nega cunha e ameaça processar no caso das gémeas brasileiras operadas no Santa Maria

www.sabado.pt, 01.12.23

“Vendo a reportagem, ninguém diz que eu falei ou que falaram comigo”, afirmou o chefe de Estado.

 

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, garantiu, este sábado, não ter interferido na decisão do caso das gémeas brasileiras operadas no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, e ameaça partir para tribunal caso apareça alguém que diga o contrário.

Lula da Silva, Marcelo e Janja (Grã-Cruz da Ordem Infante D. Henrique)”

“Se aparecer alguém [a acusar de favorecimento], vou a tribunal comparar a minha verdade com a da outra pessoa“, afirmou o chefe de Estado.

Em declarações aos jornalistas, o Presidente da República não só negou a “cunha” às duas gémeas como sublinhou o facto de não aparecer ninguém na reportagem emitida, esta sexta-feira, pela TVI, que afirme ter sido contactada pelo próprio.

“Eu não fiz isso. Se tivesse feito tinha-o dito. Vendo a reportagem, ninguém diz que eu falei ou que falaram comigo”, frisou.

Inspecção-Geral em Saúde abre inspecção ao caso das gémeas

[Transcrição integral cacografia brasileira corrigida automaticamente.
“Links” e destaques meus.]

Hospital de Coimbra recusa medicamento a duas crianças com Hemofilia A grave

O Infarmed autorizou o uso de um fármaco inovador nos hospitais em Fevereiro deste ano. Uma especialista em doenças raras, do CHUC, prescreveu-o a dois doentes, de 13 e 14 anos, mas o conselho de administração recusou, justificando a decisão com base num protocolo aprovado a posteriori, que define que só médicos do centro de referência o podem fazer. A médica já não faz parte do centro. Os familiares das crianças sentem-se “discriminados”. O advogado da médica diz que “é o assédio levado ao extremo”. O hospital não respondeu ao DN.

Ana Mafalda Inácio

“Diário de Notícias”, 02 Dezembro 2023

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Andreia diz ser uma optimista em relação à doença do filho, mas custa sentir que ele está a ser “discriminado”.

Aos oito meses do filho, Andreia e o marido, receberam um diagnóstico que os deixou “sem chão”: Hemofilia A grave – ou seja, segundo a literatura médica, deficiência congénita no processo de coagulação do sangue que se manifesta quase exclusivamente nos homens e se caracteriza pela ausência ou carência de um dos factores da coagulação, provocando hemorragias frequentes, especialmente a nível articular e muscular.

O diagnóstico foi feito no Hospital de Viseu, mas desde essa altura que têm caminhado para o Hospital Pediátrico de Coimbra, primeiro mais amiúde, agora de três em três meses para garantirem ao filho cuidados de qualidade. Mas as viagens constantes também têm a ver com o facto de Andreia e o marido quererem que o filho seja acompanhado pela especialista que o observou pela primeira vez em bebé e que continua a fazê-lo aos 13 anos. “É uma médica que faz parte da vida dele, em quem ele tem confiança”, explica ao DN.

D, vamos tratá-lo assim, para salvaguardar a sua identidade, habituou-se à doença, a ter de injectar na veia o Factor VIII de que necessita, duas, três ou quatro vezes por semana, mas também a ter de esconder os braços por baixo da roupa, para tapar as marcas deixadas pelas seringas.

O mesmo acontece com Mário, um nome fictício, pedido pelo irmão mais velho, com quem o DN falou, para o salvaguardar também. Mário tem 14 anos, o irmão 27, ambos padecem de Hemofilia A grave, e ambos foram e são acompanhados pela médica sobre quem aqui falamos, no mesmo hospital pediátrico, que hoje integra o Centro Hospitalar Universitário de Coimbra (CHUC). O mais velho já sentiu na pele a frustração de ter de abdicar de alguns sonhos pela doença, “por não me poder magoar ou fazer feridas, que depois não se conseguem tratar”, o mais novo começa agora a perceber o que isso é, quando anseia jogar futsal, vai aos treinos “e depois não vai aos jogos porque nunca se sabe o que pode acontecer”. Mário tem de injectar Factor VIII três vezes por semana, “já é ele que o faz, mas quando tem dificuldades em picar-se eu e a minha mãe cá estamos para ajudar”.
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“História do Futuro”

«Os senhores poucos, os escravos muitos; os senhores rompendo galas, os escravos despidos e nus; os senhores banqueteando, os escravos perecendo à fome; os senhores nadando em ouro e prata, os escravos carregados de ferros; os senhores tratando-os como brutos, os escravos adorando-os e temendo-os como deuses; os senhores em pé apontando para o açoite, como estátuas da soberba e da tirania, os escravos prostrados com as mãos atadas atrás, como imagens valíssimas da servidão e espectáculos de extrema miséria. Oh Deus! Quantas graças devemos à Fé que nos destes, porque só ela cativa o entendimento para que, à vista destas desigualdades, reconheçamos contudo vossa justiça e providência! Estes homens não são filhos do mesmo Adão e da mesma Eva? Estas almas não foram resgatadas com o sangue do mesmo Cristo? Estes corpos não nascem e morrem com os nossos? Não respiram o mesmo ar? Não os aquenta o mesmo sol? Que estrela é logo aquela que os domina tão triste, tão inimiga, tão cruel?»
[António Vieira, sermão XXIV]

Brasil vai retirar busto de padre António Vieira após lei contra defensores da escravatura

A estátua, oferecida pela Câmara Municipal de Lisboa, foi inaugurada em 2011 no jardim da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Agência Lusa , MJC
cnnportugal.iol.pt, 30.11.23

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A estátua, oferecida pela Câmara Municipal de Lisboa, foi inaugurada em 2011 no jardim da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

O Rio de Janeiro vai retirar um busto do padre António Vieira após a aprovação de uma lei que proíbe o município de instalar ou manter estátuas, monumentos e placas de defensores da escravatura, informou a imprensa local.

Uma lista prévia feita pela vereadora Monica Benicio, uma das autoras do projecto de lei, incluiu na lista de estátuas que terão de ser removidas, além da do padre António Vieira, a do Marechal Luís Alves de Lima e Silva, do Duque de Caxias e do patrono do exército brasileiro, apontado por historiadores como racista e autor de um massacre de negros, detalhou o jornal a Folha de São Paulo.

A lista cita ainda uma estátua do general Humberto de Alencar Castelo Branco, o primeiro dos cinco militares que governaram o Brasil durante a ditadura imposta entre 1964 e 1985 e acusado de violações dos direitos humanos.

O busto em homenagem ao padre António Vieira encontra-se no Rio de Janeiro desde 2011, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), na sequência de uma doação da Câmara Municipal de Lisboa, em retribuição ao busto do escritor Machado de Assis, doado em 2008.

António Vieira, padre jesuíta, teólogo, professor, diplomata e orador eloquente, nasceu em Lisboa em 1608 e morreu no Brasil em 1697. Deixou uma obra documental com 200 sermões e 700 cartas, sendo geralmente conhecido como um dos principais defensores dos direitos dos povos indígenas, especialmente no Brasil, onde, no século XVII, se insurgiu contra a exploração e escravização das tribos indígenas.

A lei foi promulgada na terça-feira à noite pelo vereador Carlo Caiado, depois de a Câmara Municipal do Rio de Janeiro, que tem de regulamentar a iniciativa, ter deixado expirar o prazo de 15 dias para a aprovar ou vetar.

“Agora é lei”, lê-se na nota oficial da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, esclarecendo que a medida entrou em vigor na quarta-feira, apesar da omissão do município e do facto de o presidente de Câmara Municipal, Eduardo Paes, ter evitado comentar o assunto.

“De acordo com a proposta, as homenagens já instaladas em espaço público deverão ser transferidas para ambiente de perfil museológico, fechado ou a céu aberto, e deverão estar acompanhadas de informações que contextualizam e informem sobre a obra e o seu personagem”, lê-se.

estátua do padre António Vieira no Rio de Janeiro (Brasil)

A lei veta a manutenção ou instalação de qualquer tipo de homenagem que faça menção positiva ou elogiosa a pessoas que tenham praticado actos lesivos aos direitos humanos, aos valores democráticos ou ao respeito à liberdade religiosa.

A norma cita especificamente figuras históricas que defenderam a escravatura ou a eugenia ou que praticaram actos de natureza racista.

“Ao dar visibilidade para determinada pessoa, o Poder Público avaliza os seus feitos e enaltece o seu legado. A história brasileira traz inúmeros momentos condenáveis, dentre os quais podem-se destacar o genocídio dos povos nativos e a escravidão de africanos sequestrados”, argumentou o autor do projecto, o ex-vereador Chico Alencar, citado no Diário Carioca.

Na mesma nota, a co-autora do projecto, Monica Benicio, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), declarou: “É preciso fazer uma reparação histórica sobre esse período, principalmente para marcar posição sobre a identidade e a postura que tomamos hoje sobre o Brasil que queremos daqui para frente”.

“Por isso, a aprovação desse projecto é um passo importante para promovermos uma sociedade justa e igualitária. Com o racismo não há o que ser relativizado”, acrescentou.
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