Já havia antecedentes. Isto não é “só” um conflito entre os advogados portugueses e os brasileiros. Muito menos se trata, como é evidente, apesar de haver alguma relação com a mudança do bastonário português, de simples “turras” entre os bastonários da Ordem dos de cá e a Ordem dos de lá.
Por mais que os brasileiros se escudem em manobras de vitimização e alardeiem a sua prepotência — que presumem ser de inspiração divina e de direito natural, dado “eles serem mais de 220 milhões e nós sermos só 10 milhões” –, mais tarde ou mais cedo os portugueses em geral e as suas estruturas profissionais em particular chegarão à mesma conclusão, aliás a única possível: não existe igualdade alguma entre duas partes quando uma delas é 22 vezes maior do que a outra. Ora, como decorre da premissa básica e é condição inerente essa gigantesca desproporção, se a igualdade está per se arredada da equação, então muito mais excluída está sequer a noção de “reciprocidade“.
Os diversos “acordos” entre Portugal e Brasil que se sucederam em catadupa ao pretexto comum a todos eles, o #AO90 da “língua universau” brasileira, tiveram por única finalidade aportar benefícios acrescidos aos brasileiros; e, por consequência, até pela sua própria natureza (bajulação, subjugação, vassalagem aos neo-bwana), zero benefícios para a parte portuguesa.
E ainda estamos para ver, seguramente não há-de faltar muito, que outras Ordens de profissionais altamente qualificados (por exemplo, a Ordem dos Médicos ou a Ordem dos Arquitectos) finalmente acordem para a realidade: os acordos parcelares — com ainda mais benesses garantidas à parte brasileira nos convénios “generalistas” (Estatuto de Igualdade e Acordo de Mobilidade) — acabam não apenas por ser inúteis como até se tornam prejudiciais para as respectivas classes profissionais portuguesas.
Bastonário dos Advogados brasileiro ataca Ordem portuguesa: “Mentalidade colonial já foi derrotada”
Ordem dos Advogados do Brasil diz ter sido apanhada de surpresa com rescisão unilateral de acordo de reciprocidade. E irá tomar “todas as medidas para defender os direitos” destes profissionais.
O bastonário dos Advogados brasileiro, Beto Simonetti, acusa o seu homólogo português de “mentalidade colonial”, na sequência do fim do acordo de reciprocidade que permitia aos advogados daquele país trabalharem em território nacional e vice-versa, em condições mais favoráveis do que o habitual.
Em comunicado emitido nesta terça-feira ao final do dia, o bastonário diz-se surpreendido pela decisão da Ordem dos Advogados de Portugal de romper unilateralmente o convénio que vigorava desde 2009, numa altura em que as duas partes negociavam há meses o seu aperfeiçoamento, “uma vez que a realidade demográfica, social, legislativa e jurídica dos dois países evoluiu” na última década e meia.
“Durante toda a negociação, a Ordem dos Advogados do Brasil opôs-se a qualquer mudança que validasse textos imbuídos de discriminação e preconceito contra advogadas e advogados brasileiros”, assinala Beto Simonetti. Afinal, acrescenta, “a mentalidade colonial já foi derrotada e só encontra lugar nos livros de História, não mais no dia-a-dia das duas nações”.
Recordando que a cooperação entre os dois países tem resultado em inúmeros benefícios para ambas as partes, o mesmo responsável diz que tomará “todas as medidas cabíveis para defender os direitos dos profissionais brasileiros aptos a advogar em Portugal ou que façam jus a qualquer benefício decorrente do convénio”.
Ainda assim, Beto Simonetti afiança que procurará retomar o diálogo sobre a questão, respeitando a autonomia da Ordem dos Advogados portuguesa e tendo em conta que ela “enfrenta dificuldades decorrentes de pressões governamentais.”
Dos cerca de 34 mil profissionais inscritos em Portugal, 5122 são brasileiros, segundo dados da Ordem dos Advogados. Já a justiça brasileira conta com quase 2000 advogados de nacionalidade portuguesa.
O regime de reciprocidade permite a inscrição de advogados brasileiros com dispensa da realização de estágio e da obrigatoriedade de realizar prova de agregação. Os profissionais devem ainda apresentar mais de uma dezena de documentos necessários para a inscrição e pagar uma taxa de 300 euros.
Representantes das duas organizações discutiam o assunto desde Fevereiro, com os portugueses a justificarem revisão do acordo com a necessidade de “cada país garantir a qualidade e elevada capacidade técnica dos profissionais que exercem a advocacia”. Esta quarta-feira a Ordem sediada em Lisboa revelou ter vindo a receber “inúmeras queixas” contra a actuação de advogados brasileiros, incluindo de outros países da União Europeia onde passaram a exercer ao abrigo do acordo com Portugal, por falta de conhecimento das regras do sistema romano-germânico.
“A legislação brasileira é completamente diferente, tem uma natureza quase norte-americana“, observa a bastonária portuguesa, Fernanda Almeida Pinheiro. Que considera inqualificáveis as acusações de colonialismo e xenofobia lançadas pelo seu homólogo. Mais: garante que Beto Simonetti esteve mesmo para assinar, no final do mês passado, uma nova versão do documento que previa que deste lado e do lado de lá do Atlântico estes profissionais passassem a ter de se submeter a três exames, de processo civil, processo penal e deontologia. Caso chumbassem, teriam de fazer um estágio de ano e meio com um advogado. “O bastonário tinha concordado com tudo isto”, assegura. “Ligou-nos à meia-noite do dia da assinatura do acordo a dizer que não poderia vir porque estava num congresso. Nunca nos informou de que não concordava com o seu conteúdo”.
Quando ainda era bastonário, o antecessor de Fernanda Pinheiro, Menezes Leitão, mostrou-se favorável ao convénio, com algumas ressalvas: “Tem sido benéfico para ambos os países, tendo surgido apenas algumas dificuldades devido à falta de formação dos profissionais sobre as regras específicas de cada um dos ordenamentos” jurídicos. O principal desafio, observava, estava na necessidade de formação à chegada, “porque depois os brasileiros integram-se sem dificuldade”.
Reconhecia, no entanto, limitações quando à capacidade de acolhimento, que não visavam especificamente advogados oriundos do Brasil: “Portugal tem o triplo da média de advogados da União Europeia, pelo que quem pretende exercer advocacia em Portugal tem de ter consciência dessa situação e das dificuldades que a mesma acarreta.”
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