O PEV apresentou no Parlamento um Projecto de Resolução com vista, no limite, à suspensão do “acordo ortográfico” de 1990. A notícia está ali em baixo, é do Pravda (“verdade”, em Russo), e a gravação vídeo da sessão parlamentar respectiva está aqui em cima.
Como seria de todo expectável, a argumentação aduzida nesta “recomendação ao Governo” refere, além da habitual resenha histórica sobre o AO90, as palavras-chave da ordem e os lugares-comuns da oratória ritual sobre o tema, isto é, as “lacunas”, as “facultatividades”, as “ambiguidades” do AO90, etc. Este tipo de preâmbulo é de certa forma natural, em especial quando o parlamentar documento é redigido e lido por alguém que, por excepção no caso do “acordo”, não teve nem tem qualquer espécie de ligação aos “negócios” envolvidos ou às “conversações” secretas nos Passos Perdidos; de quem não suspeita sequer de coisa nenhuma no que respeita à imensa penumbra (ou, melhor dizendo, à total escuridão) que envolveu o processo de “adoção” da cacografia brasileira através de uma simples Resolução parlamentar, em 2008; de quem está ali de boa-fé, em suma.
Evidentemente, depois dos considerandos o PEV explanou — com basta soma de razões — o que é e para que serve (serviria, se por milagre fosse aprovado) o seu Projecto de Resolução. A deputada a quem tocou essa explanação terá com certeza dado o seu melhor mas, como de resto era muito mais do que previsível, o Projecto foi derrotado por larga maioria — como sempre sucede num regime como o vigente em Portugal, a democracia parlamentar.
Tal tipo de regime político implica necessariamente o primado não da democracia propriamente dita mas do poder absoluto — teoricamente legitimado pelo voto popular universal — entregue ao sistema partidário e, dentro deste, à cobertura política da acção governamental por parte de um partido político ou de uma coligação ad-hoc suficiente para garantir uma maioria parlamentar.
Ora, em tal conformidade é totalmente inviável a apresentação em sede de Parlamento de qualquer iniciativa política que por algum motivo não agrade ao partido do Governo ou escape ao controlo dos partidos maioritários em coligação. Do que resulta a total e absoluta irrelevância dos deputados, que para o efeito (aprovação ou rejeição de iniciativas e diplomas) cumprem apenas o papel de corpo presente: o seu sentido de voto foi previamente determinado pelos respectivos directórios partidários. Portanto, a votação pelos deputados desta iniciativa do PEV — ou de qualquer outra entregue em mão a São Bento — foi totalmente inútil, como é invariavelmente inútil, tratando-se, na prática, de um simples ritual regimental sem o menor vestígio de democraticidade e sem qualquer espécie de relevância ou efectividade; se os votos dos deputados não são dos deputados (são do respectivo “chefe”) e se o resultado dessa “votação” já estava previamente determinado, então será legítimo (e justo) que um qualquer cidadão pergunte a si mesmo para que raio servem as votações na Assembleia da República; com efeito, em vez da cena teatral com 230 actores, cinco ou seis chamadas telefónicas para as sedes partidárias bastaria para aprovar ou chumbar qualquer iniciativa legislativa ou diploma legal.
Não houve portanto nesta sessão qualquer tipo de votação, a não ser a ritual e inútil, assim como também não houve qualquer espécie de “discussão” sobre o Projecto de Resolução em causa, debitando as diversas bancadas parlamentares um discurso impermeável a um único argumento que não seja da sua própria lavra; sequer dão-se à maçada de ouvir as intervenções alheias (tagarelam, de costas para a oradora, em amenas cavaqueiras); à semelhança de outras iniciativas parlamentares, inclusivamente sobre o AO90 (do PCP e da ILCAO), os diversos partidos limitaram-se a ler o seu texto pré-formatado e a ignorar qualquer outro; no caso do Centrão (PSD e PS), em especial destaque (pela negativa), repetindo as mesmíssimas bojardas, o chorrilho de mentiras e aldrabices que usam há já 30 anos para enganar o povo — o mesmíssimo povo que votou neles e assim autorizou (para gáudio de alguns) que eles se marimbem sistematicamente na memória, na propriedade imaterial colectiva, na História, na Cultura, no património identitário de quem os elegeu.
Projecto de Os Verdes no qual Recomendam a Avaliação Científica do Acordo Ortográfico de 1990
Este Projecto de Resolução será discutido e votado, em Plenário da Assembleia da República, amanhã sexta-feira, dia 15 de Janeiro, a partir das 10H00.
PROJECTO DE RESOLUÇÃO Nº 533/XIV/1ª. – AVALIAÇÃO DO ACORDO ORTOGRÁFICO DE 1990
Nos anos 80, um grupo de especialistas da Língua Portuguesa reuniu-se e criou uma série de regras ortográficas modificativas, alegadamente para “unificação e simplificação da escrita do Português”.
Em 1990 foram assinados dois documentos: o Projeto de Ortografia Unificada da Língua Portuguesa e a Introdução ao Projecto de Ortografia Unificada da Língua Portuguesa, que viriam dar origem ao Acordo Ortográfico de 1990 (AO90).
Este Acordo foi assinado por Portugal, Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, tendo Timor-Leste aderido em 2004, após ter reconquistado a independência.
O Acordo Ortográfico de 1990 foi aprovado, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91, de 23 de agosto, e foi ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 43/91, 23 de agosto.
Entretanto, surgiram protocolos modificativos.
O Primeiro Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa foi aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 8/2000, de 28 de janeiro, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 1/2000, 28 de Janeiro, excluindo do seu artigo 3.º a data da entrada em vigor, mas mantendo o requisito do depósito dos instrumentos de ratificação de todos os Estados contraentes.
O Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa é aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008, de 29 de Julho, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 52/2008, de 29 de Julho, que, para além de permitir a adesão de Timor-Leste, veio introduzir diversas alterações ao texto como, por exemplo, permitir a possibilidade de o Acordo Ortográfico entrar em vigor mesmo sem ter sido ratificado por todos os países envolvidos, sendo suficiente que apenas três membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) o ratificassem para que entrasse em vigor nesses países.
Recorde-se que apenas Portugal e Cabo Verde ratificaram o novo acordo dentro do prazo estabelecido.
Em Portugal, entrou em vigor oficialmente em 13 de Maio 2009, com um período de seis anos para a sua total implementação. Nas escolas do ensino básico e secundário passou a ser aplicado a partir de Setembro de 2011 e, em Janeiro de 2012, em todos os demais organismos e publicações do Estado.Emitiu-se uma Nota Explicativa, nos primeiros anos, em que se indicavam as razões de tais modificações e os objectivos que os autores esperavam obter com a utilização do AO90, na Língua escrita e oral. Eram apresentados alguns exemplos, para esclarecer a sua efectuação, com listas, nunca exaustivas, de palavras alteradas pelo Acordo.
Foram estabelecidas diversas regras ortográficas, que se concentraram em queda de consoantes mudas, na retirada de hífenes em locuções nominais, na passagem a minúscula inicial em várias palavras, na eliminação de acentos, e outras.
Para além destas regras e para abordar casos difíceis, apresentavam-se complementarmente noções elucidadoras como: «pronúncia erudita» para resolver dúvidas no caso das consoantes que não se pronunciam; noção de «consagrado pelo uso» para resolver casos em que as palavras não perderiam os hífenes; e a noção de que «o contexto define a semântica», no caso da eliminação de acentos que permitiam discernir significados.
Os objetivos mais salientados na Nota Explicativa seriam três, na tal ambição de melhorar a Língua Portuguesa, nas suas gerais utilizações, nos vários Países de Língua Oficial Portuguesa:1) Unificação da Língua;
2) Simplificação da Língua;
3) Facilitação da aprendizagem da Língua para crianças em fase escolar e para estrangeiros.