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Braguil e Paris

«A história mostrou-nos que, nas movimentações demográficas, sempre foi a hegemonia dos falantes por unidade geográfica que definiu idiomas, acentos e sotaques. A exponencialidade do aumento da “demografia brasileira” em Portugal antecipa uma nova era normativa para a língua portuguesa.»
«“O futuro da língua portuguesa e a sua grande potência é o Brasil”. Precisará de Portugal?»
[postA língua brasileira é «língua oficial de Portugal»”]
[José Manuel Diogo, Presidente da Associação Portugal Brasil 200 anos, director da Câmara Luso Brasileira de Comércio e Indústria e “curador” (?) da Casa da Cidadania da Língua]

Pode-se dizer que Braga encantou pela empatia. Consciente, ou não, percebeu-se que a diáspora brasileira de profissionais de todos os perfis era uma possibilidade de acolhimento. Em uma cidade que já comemora o Carnaval com bloco brasileiro e colocou ecrã em praça pública para ver a final entre Flamengo e RiverPlate, na Libertadores da América de 2019, a sensação que fica é que o fim da pandemia descortinará um mundo de possibilidades dessa renovada conexão entre os países. [DN]

Braguil, essa fusão entre Braga e Brasil, que se materializou num crescimento muito significativo, e é um sotaque que se está presente em todas as nossas vivências do cotidiano: quando vamos ao café, quando vamos a um evento cultural, quando vamos ao supermercado. Hoje temos escolas em que um terço de uma turma pode ser de alunos brasileiros”, revela. [RFI]

A comunidade brasileira continua a crescer em Braga. Universidade do Minho e segurança justificam a preferência. Tanto a nível nacional, como numa recente reportagem do Globo, a câmara tem apelado a este movimento em direcção à cidade minhota. Contrariando a tendência nacional, a cidade de Braga tem vindo a crescer em termos populacionais. Segundo os dados preliminares dos Censos 2021, Braga terá, actualmente, mais de 193 mil habitantes. Um ouvido atento pelas ruas da cidade bastará para constatar a forte presença brasileira na cidade dos arcebispos, uma escolha que contribui para este aumento demográfico. [“Público”]
Fruto de cinco movimentos distintos de brasileiros na direção da antiga potência colonial ocorridos nos últimos cinquenta anos — o mais numeroso deles justamente nos últimos meses —, uma onda de transformações está sacudindo a sociedade portuguesa e incutindo nela uma maneira de viver, de falar, de lidar com as redes sociais e de morar com nítido sotaque dos trópicos. “A absorção de hábitos e do jeito dos brasileiros nunca foi tão intensa. O que começou com a influência de livros, novelas e música tomou a forma de um impacto maciço em todos os segmentos da vida”, observa o brasileiro Victor Barros, professor de sistemas de informação na Universidade do Minho, em Guimarães, no norte de Portugal e próximo a Braga — ou Braguil, como a cidade é chamada, de tanta gente do Brasil que foi parar lá. [“Veja” (Brasil)]

Portugal está a envelhecer e só a imigração em massa poderá retardar o processo (note-se o sublinhado), servindo a “redução da emigração” como contribuição (outro sublinhado) para esse retardamento. Quanto ao retorno de nacionais, nada de concreto, e no que diz respeito a, por exemplo, medidas de incentivo à natalidade, outro tanto, ou seja, nada. O objectivo político confunde-se com uma espécie de wishful thinking; muito à portuguesa, bem ao jeito do nacional chico-espertismo, será portanto a velha política do “deixa andar e depois logo se “.
[
…E a “igualdade” demográfica – 01.02.23]

Emigração jovem: esta cidade já é conhecida como a “segunda capital de Portugal”

Milhares de jovens qualificados têm deixado Portugal devido aos salários baixos e à falta de oportunidades. A taxa de emigração é de 30%, a mais alta da Europa. Há quem considere que Portugal tem melhorado, mas também quem admita ter desistido do país.

Guilherme Monteiro
“SIC Notícias”, 22.01.24

Em Paris, há quem diga, em tom de brincadeira, que a cidade é uma segunda capital de Portugal. Vivem em Paris mais de 200.000 portugueses, e os que chegam mais recentemente vêm com qualificações cada vez mais altas.

João Cardoso, formado em Economia, decidiu, há sete anos, fundar uma start-up de seguros digitais – a Lovys – com um conceito inovador. Os clientes chamam-lhe a “a Spotify ou a Netflix dos seguros”.

As subscrições são mensais, 100% digital, basta aceder ao site para assegurar em minutos a casa, o animal de estimação ou o smartphone, e já mais de 45.000 clientes o fizeram. Emprega 55 pessoas de dezenas de nacionalidades. Opera também em Portugal, onde tem escritórios em Leiria, Lisboa e Porto, mas a sede ficou em França.

Filipe gostava de viver em Portugal, mas não vê como

A economia portuguesa ainda não consegue fixar jovens como Filipe Freitas, dentista, que logo após acabar o curso mudou-se para França, onde está há cerca de dois anos.

“Um jovem acabado de chegar consegue ganhar quatro vezes mais que em Portugal nos primeiros meses. Esse valor pode duplicar ao final de um ano”, diz Filipe, que gostaria de viver em Portugal, mas não vê como.

Esta é uma das razões que leva Portugal a ter a maior taxa de emigração da Europa: 30% dos jovens entre os 18 e 39 anos que nasceram no país saíram, segundo uma estimativa do Observatório da Emigração revelada este mês pelo jornal Expresso.

E longe das origens, os jovens emigrados parecem dividir-se entre os que já desistiram do país e os que ainda têm esperança.

Há famílias inteiras, novos e velhos, portugueses e imigrantes a viver na Gare do Oriente

“Observador”, 30.01.24

Esqueça a imagem de caixas de cartão a fazer a vez de cobertores e o estereótipo dos pacotes de vinho vazios ao lado de um corpo adormecido. Aqui há “camas” com várias mantas, almofadas bordadas, cestos cheios de medicamentos e produtos de higiene. E, ainda, frascos de perfume e roupões de quarto. (mais…)

É o viu metau

If money go before, all ways do lie open. - William Shakespeare
[Se o dinheiro é o que mais importa, a mentira abre qualquer porta.]

De facto, genericamente falando, o #AO90 será talvez o facto político e a demonstração prática que melhor ilustra o conceito de estupidez pura e dura. Se bem que por detrás das tais figurinhas estejam outros seres ainda mais sinistros do que os “apenas” estúpidos, ou seja, aqueles cuja ganância cegou por completo — logo à nascença, como o estúpido comum, ou então assim que viram a mina que poderia ser a língua “universau” brasileira — e aqueles outros que se limitam a obedecer à voz do dono, alguns dos quais até com extrema competência, como os profissionais da desinformação, os infiltrados nas hostes ditas “anti-acordistas”, os bufos, os homens-de-mão, os mercenários, os indefectíveis da “brasileirofonia”, os infames lacaios da traição.
[“Manual de Estupidologia Aplicada”]

Um dos últimos “posts”, aqui no Apartado, parece ter suscitado alguma controvérsia entre algumas pessoas ligadas à Causa anti-acordista. Pelo menos num grupo do Facebook e num “blog”, o título “O que faz correr os acordistas?” dividiu de alguma forma as opiniões, variando estas das coisas mais evidentes, como a estupidez pura e dura, a ignorância, a irresponsabilidade, a mediocridade, até às explicações mais subtis ou complexas: “medo de ferir as susceptibilidades do governo brasileiro”, por exemplo, ou ainda a disseminação da iliteracia em Portugal.

Evidentemente, nenhum dos “diagnósticos” está sumamente ou sequer vagamente errado, bem pelo contrário; a “adoção” do #AO90, todo o processo, todo o plano arquitectado em 1986 e consolidado — até ao mais ínfimo pormenor — em 2008, não teria quaisquer hipóteses de medrar (ainda que sem vingar) se não contasse a priori com a mais do que provável mediocridade dos arrivistas e traidores, com a atávica ignorância de «um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo» e sem o consequente espírito de manada de uma maioria esmagadora à qual apenas interessa não se meter em aborrecimentos.

É de facto a este estado de coisas, um statu quo amorfo, dir-se-ia comatoso, que podemos assacar não a responsabilidade mas apenas a permissividade, a gélida indiferença com que não foi enfrentado o assalto à Cultura portuguesa, à nossa identidade colectiva e ao âmago do nosso património — a Língua Portuguesa.

Ora, mesmo aceitando ou sabendo perfeitamente que assim é e assim continua a ser, estas ilações óbvias não explicam tudo. Quando muito, passam uma tangente ao essencial.

Num dos comentários à partilha do “post” referido no Facebook, lê-se o seguinte:

«Mais do que o que possa fazer correr os acordistas, é compreender a rendição de empresas e pessoas ao AO90. Quais os motivos concretos e realistas que os leva a apoiar o infame sem o questionar ou regatear. Isso sim, é o maior mistério, para mim.» [Paulo Teixeira]

Cá está. Se a construção frásica da segunda parte do comentário tivesse sido em forma de pergunta, então a resposta estaria contida na frase inicial: os motivos concretos e realistas que fazem correr os acordistas, o que explica a “rendição de empresas e pessoas” e o que leva estas a “apoiar o infame sem o questionar ou regatear” é… o dinheiro. Chama-se-lhe o que se quiser, pilim, poder, tachos, cacau, ferros, guita, ou simplesmente “aparecer”, tudo vai dar sempre ao mesmo, o dinheiro, o vil metal (“viu metau”, em brasileiro).

Sobre “especialistas” (alguns dos quais se intitulam a si mesmos como “académicos” e “linguistas” e até “juristas” ou mesmo “constitucionalistas”), já muito foi dito, aqui no Apartado e em outros sítios, incluindo jornais. Quem são eles, bom, todos sabemos isso perfeitamente, e conhecemos até as conivências político-partidárias, logo, as coligações e alianças de interesses — económicos, bem entendido, que a isso se resume a porca da política. Este tipo de constatações, que nem os próprios envolvidos se atrevem a desmentir, poderá ainda assim, dada a enormidade da corrupção e o gigantismo da podridão, levantar algumas dúvidas ou perplexidades.

Mas sobre as empresas, que diabo, então não se está mesmo a ver como funciona o carneirismo acordista? É que não é carneirismo coisa nenhuma, é a obediência à voz do dono! (mais…)

Novo episódio da mais recente telenovela brasileira rodada em Portugal

https://www.facebook.com/EducatedMindsPage/photos/a.1425131077767795/3117035281910691/?__cft__[0]=AZXRGO0BU6KV3udbhOd9EZr_23hFatDiSkIUwwjSVAOCAYeCyU6KzNLi8goZqgorPC1Hqg01op5nrDm5WxKI6lx4kybEJUd0h9lVIH0OvYqPbedEaXCpuatIoEuudJQKe498faZBLiow65fkS3wqz5zW1Y3Tj3QX38trf-eSyNO39__-3a-kNDbqybhVNJbb1TM&__tn__=%2CO*FNo episódio inaugural, Paula Sofia entra em parafuso quando se apercebe de que os seus filhos meteram-se por maus caminhos, coisas latrinárias, e agora andam por aí no “gramado” e no “banheiro” (ou lá o que é) como uns tolinhos.

No 2.º episódio, Sérgio mete um “youtuber” ao barulho, diz que é esse o “cara” que anda a endrominar os “tuguinhas”.

3.º episódio: o tal fulano dos vídeos defende-se, diz — com muito jeitinho, à cautela — que não tem culpa de os tugas adultos serem uma cambada de idiotas, que tem uma avó cá nas berças e tudo; por fim, lança uma “bomba”, o miolo da trama, anuncia que vai traduzir e dobrar os seus vídeos de brasileiro para Português.

A telenovela brasileira sobre a lavagem ao cérebro a que os brasileiros e os vendidos portugueses andam a sujeitar as nossas crianças (quanto aos adultos está o caso arrumado, missão cumprida, muitos deles sentenciam que “agora é assim que se escreve e fala” e “prontos”) avança hoje para o 4.º episódio e outros estão em preparação.

Desta vez, o que temos é um artigalho de certo (digo, de errado) imigrante brasileiro. Absolutamente inacreditável. O fulano nem disfarça. Pois, pudera, aqui a “terrinha” passou de lugar mal frequentado a ainda pior, e por acréscimo temos de levar com toda a arrogância do protótipo, o arzinho petulante de quem se acha muito “superior” (ou lá o que esses tipos se julgam), textículos de auto-propaganda publicados em jornais portugueses (mas que lata descomunal!) espalhando em brasileiro — que exigem intocável — o seu proselitismo neo-imperialista de grande potência mundial (que é, de facto, basta ver as estatísticas de criminalidade, pobreza extrema, corrupção endémica) e, em suma, a suprema maravilha que deixaram quando nos fizeram o extraordinário favor de emigrar para cá.

Claro que a semelhante chorrilho de insultos e provocações a resposta mais adequada seria o silêncio sepulcral que por definição inspira o mais profundo desprezo.

Contudo, todavia, não obstante, porém, mas por questões de dever de ofício há também que fazer sacrifícios. Não vá o freguês sem levar troco, é o que é.

Vejamos então alguns dos disparates mais escabrosos, anedóticos ou simplesmente cretinos.

    • «a expressão “brasileiro” como referência à variante do idioma português». Não, já não é nada disso, Português e brasileiro são línguas diferentes, conforme foi já explicado diversas vezes, até a criancinhas. Inúmeros brasileiros reivindicam o seu (pleno e mais do que justificado) direito a que a língua brasileira seja declarada Língua nacional da República Federativa do Brasil, assim como fez a República de Cabo Verde com o seu crioulo.
    • «excesso de consumo de conteúdo brasileiro». Ah, sim, pois é, há por cá muito disso. Esse truque de tentar restringir o “consumo” ao YouTube — ou mesmo à Internet em geral — não cola; não é consumo, é enfiar pela goela abaixo: nos canais de TV e rádio, música, filmes, nos desportos colectivos (em futebol é a granel, até na “seleção” nacional), há por cá escolas de samba (!!!), “cárrnáváu” com “garotas” em trajes diminutos a tiritar de frio, enfim, em tudo, em todo o lado e de toda a maneira e feitio. Claro que por vezes tais espectáculos circenses são da iniciativa de alguns portugueses, os mais deslumbrados que adoram macaquear brasileiradas, mas isso são contas de outro rosário.
    • «variante idiomática como uma doença a ser contida». Olha, boa! Aí está, para variar, uma excelente formulação. Aquilo a que alguns chamam variante é de facto uma doença a ser contida em Portugal. E com urgência.
    • «se separarmos o “brasileiro” do “português”, o primeiro seria o 7.º idioma mais falado no planeta». Outra vez, de novo, esta nunca falha. Não há por lá um neo-imperialista que dispense a contagem de cabeças (deve ser hábito de contar vacas e pilecas nas “fazendas”) para “provar” que são não apenas muitos mais como também são, por inerência algébrica, muito superiores a nós. Por isso só os brasileiros acham que a Língua Portuguesa lhes pertence, porque são “mais de 20 vezes mais” do que nós, portugueses.
    • «O idioma português é um patrimônio coletivo internacional». O idioma português é o (não “um”) património colectivo do povo português e da nação portuguesa, tendo as ex-colónias portuguesas em África (e, até 1822, a colónia sul-americana) resolvido adoptar, aquando da respectiva independência, como Língua nacional o Português vernáculo. Essa “internacionalização” não passa de um parasita semântico que interessa aos neo-imperialistas brasileiros impingir para efeitos meramente empresariais, comerciais, de tráfico de influências, tráfico de excedentes, tráfico de matérias-primas e de outros tráficos.
    • «nem devesse ter seu nome atrelado ao de um país.» Ora aqui está, em todo o seu “esplendor”, o epítome do significado da expressão idiomática do Português “descobrir a careca”; claro, isso de se chamar “Língua Portuguesa” ou, mais prosaicamente, “Português” ao idioma nacional de Portugal é para os brasileiros certamente insuportável. Resta clara a típica irritação ou o ódio raivoso que eles nutrem pelos eternos culpados da sua “frescura”. Inglês, Francês, Espanhol, Japonês, Coreano, por exemplo, ou qualquer outra Língua cujo nome seja o do país que a criou, bem, isso para os “irmãozinhos” não interessa nada, faz de conta, Português é que, oi, qui ôrrô, né, cara, pódji naum, issu faiss lembrá pôrrtugáu.

De novo, cá vai o troco em forma de recado repetido ad infinitum: fiquem-se lá com as vossas cabeças de gado, “caras”, fiquem com a vossa língua brasileira, digam o que quiserem em brasileiro, arranjem uns tachinhos valentes na ONU à conta das vossas imensas manadas, boa sorte, adeus.

 

Em defesa do ″português brasileiro″

Edson Capoano
www.dn.pt, 12 Novembro 2021

 

Ouvi pela primeira vez a expressão “brasileiro” como referência à variante do idioma português em conversa com pais que esperavam, como eu, os seus filhos na porta do pré-escolar em Braga, onde vivo. O relato tinha um misto de curiosidade com preocupação sobre o excesso de consumo de conteúdo brasileiro no YouTube e a assimilação de termos estrangeiros pelas crianças portuguesas, tal como reporta a notícia “Há crianças portuguesas que só falam brasileiro”, reportagem do DN de 10 de novembro último.

Como pai, solidarizo-me com todos. Afinal, a linguagem é uma ferramenta essencial para o desenvolvimento cognitivo infantil e para a integração cidadã dos indivíduos. Porém, vejo com preocupação o cenário gerado pela notícia anteriormente mencionada, apresentando uma variante idiomática como uma doença a ser contida. A reportagem não entrega dados suficientes para compreender qual o tamanho do fenômeno ou se este é de nocivo, tal qual os termos “vício”, “tratamento”, “apelativo” e “o problema” do texto sugerem.

Tampouco o relato dos especialistas entrevistados sustenta que haja problemas fonéticos ou educativos às crianças no futuro. O que sim é fato é que a pandemia alterou as rotinas familiares e muitos pais abandonaram seus filhos aos ecrãs, para que eles mesmos se dedicassem ao teletrabalho. Em Portugal, já no primeiro confinamento devido ao covid-19, houve aumento de tráfego de dados na web em 20%. No mesmo período e em nível mundial, o consumo de internet através de dispositivos em casa aumentou em 40,1% (Comscore, 2021).

Nesse contexto, parece-me descabida a atitude de bloquear conteúdo brasileiro no YouTube por conta apenas do idioma, da professora que se impressiona com expressões estrangeiras, da linguista que acredita ser uma moda ou da terapeuta da fala que acha “difícil travar o brasileiro” provindo da web. Afinal, isso não vai impedir que as crianças troquem palavras e expressões nas escolas e em seus grupos, o que acontece de forma saudável e diariamente em Portugal. Imagino que a questão mais urgente é de fato a influência das plataformas sociais digitais na formação das crianças.

O idioma português é um patrimôniocoletivo internacional e, como tal, talvez nem devesse ter seu nome atrelado ao de um país. Afinal, se separarmos o “brasileiro” do “português”, o primeiro seria o 7.º idioma mais falado no planeta, enquanto o segundo estaria abaixo do 80.º lugar, entre o zulu e o checo. Se isso importa na criação de nossos filhos, não posso afirmar, mas que na produção cultural tem peso imenso, é inegável. Assim, também é um dos idiomas mais utilizados em produtos midiático-culturais, como vídeos, filmes e séries e, como é de se esperar, na vertente brasileira. Não existem fronteiras nacionais para variantes linguísticas verbais-orais, ainda mais em tempos de plataformas sociais digitais.

O jornalismo precisa intermediar este debate para além do senso comum e dos casos pontuais. Caso contrário, não se diferencia dos comunicadores independentes do YouTube, um dos quais este jornal escolheu como o responsável pelo fenômeno abordado no texto referido, o comunicador Luccas Neto. Curiosamente, o brasileiro, assim como seu irmão, Felipe Neto, tem cidadania portuguesa, graças à sua origem familiar. Enquanto eles entram na casa dos portugueses pelos ecrãs, mais de 150 mil brasileiros vivem em Portugal (SEF), o que torna o idioma vivo e em constante mutação. Ou dito de forma mais simples, como minha filha de 4 anos: “Aqui se diz relva, no Brasil, se diz grama.”

A pedido do autor, o jornal não fez qualquer alteração ortográfico-gramatical no texto, a respeito da variante linguística portuguesa utilizada.

Jornalista, doutor em Comunicação e Cultura e investigador do ICS-CECS sobre jornalismo, participação e media digitais, na Universidade do Minho. Autor de “Panorama da imigração brasileira a Portugal na web”, “Resistência à intermediação pelos ecrãs conectados” e “O medo do consumo solitário: comentários em canais infantojuvenis de YouTube do Brasil e de Portugal”, artigos disponíveis em http://repositorium.sdum.uminho.pt/

[Transcrição integral de artigo do brasileiro Edson Capoano publicado no “DN” de 12 Novembro de 2021. Secundei a posição tomada pelo DN quanto à exigência do autor de que o seu artigo fosse publicado com as regras ortográficas que lhe apeteceu usar (no Brasil a cacografia é individual). Imagem de topo de: página “Educated Minds” (Facebook). Imagem de (belíssima) vaca (ou boi?) brasileira de: “CPT” (Brasil).]


Á sigui: cênaiss duiss próssimuiss cápítuluiss

Um brasileiro que escreve sobre Portugal num blog da Rêdji Globo refere-se ao “pobrema” da Paula Sofia e refere casos de “discriminação, xenofobia e conflitos” por os miúdos falarem em brasileiro, coitadinhos. Será que a Globo mete o bedelho? E a encrenca? Já terá chegado ao Palácio do Planalto?

Não perca!

Águas residuais, estações de tratamento, saneamento básico

 

e o Alencar imediatamente, limpando os bigodes dos pingos de sopa, suplicou que se não discutisse, à hora asseada do jantar, essa literatura latrinária. Ali todos eram homens de asseio, de sala, hein? Então, que se não mencionasse o excremento! [Eça de Queirós, “Os Maias”]

 

Lixo. Detritos. Excrementos. A célebre máxima popular, muito utilizada para designar os mais variados assuntos, postula com imenso grau de certeza que os dejectos flutuam, formulação essa que plenamente se aplica em significado — se bem que não exactamente com o mesmo escatológico significante — ao “acordo ortográfico” e às suas igualmente repugnantes implicações. Acresce que, misturadas na flutuante lei empírica, estão também presentes, antes de que alguém por odorífera caridade carregue no botão de descarga do autoclismo, os repugnantes pedaços fétidos a que se convencionou chamar “acordistas”.

Começa a vir à tona o produto da fossa séptica (AO90) daquilo que alguns apreciadores do dito produto andam por aí a impingir às pessoas embrulhado num papel (a “nota explicativa“) enfeitado com um lacinho (a “língua univérrssáu“). Começam portanto a vir à tona os excrementos e dissemina-se implacavelmente o fedor nauseabundo. O que significa ter-se tornado impossível para os “acordões” continuar a disfarçar o pivete.

Há apenas alguns dias teve início mais um episódio da latrinária saga.

Em jeito de síntese, temos que uma jornalista portuguesa publicou no mais antigo diário nacional um artigo (ver abaixo) sobre aquilo que toda a gente sabe mas que ainda poucos se atrevem a mencionar: o AO90 representa não “apenas” a imposição violenta da língua brasileira a Portugal (e PALOP), eliminando no processo a Língua Portuguesa, como também facilita enormemente — em “traduções”, programas para crianças, telenovelas a granel, camiões TIR cheios de pontapeadores, nas legendagens (“dublagens”, em brasileiro), na eliminação de conteúdos cibernéticos portugueses — a demolição sistemática de todo e qualquer sector estruturante do statu quo cultural português, em especial na sua vertente mais disseminada, popular, visível, quotidiana. Ou seja, está em curso em Portugal o fenómeno sociológico vulgarmente designado como aculturação, a qual resulta ou é implicação directa, no caso vertente, de enculturação brasileira.

Este é um tema para continuar a acompanhar em futuro(s) post(s), até porque o referido artigo vai tendo imensas repercussões e algumas sequelas. Para já, aqui fica o ponto de partida ou, por assim dizer, a notícia do primeiro rebentamento do sistema de esgotos em que medram alguns apreciadores de porcaria, o estoiro da abjecta cloaca neo-imperialista.

Acompanhamento esse que terá certamente, como se verá pelos nacos a citar, a reacção pavloviana habitual: lá vêm as rotineiras “acusações” de xenofobia (e até de “racismo”), com brasileiros e tuguinhas (como nos designam os zucas), lado a lado, ombro a ombro, os do lado de lá com a habitual arrogância de quem se julga “enorme” e “gigantesco” como o seu “país-continente”, os do lado de cá lambendo o chão (e outras partes dos ditos) que se dignam pisar os seus idolatrados “caras”.

Ignoremos, como sempre e desde sempre, tais e tão insultuosos carimbos. Ignoremos as provocações de estrangeiros e as iguais dos seus lacaios com passaporte português. Assim como a Língua não é só ortografia (nem apenas sintaxe, léxico, morfologia), também a questão não se resume a qualquer interpretação meramente semântica e muito menos se restringe à retórica dos agentes assalariados e dos tacanhos deslumbrados.

Os factos falam por si e portanto pouco ou nada sobra para explicar. O que está agora a tornar-se do conhecimento geral, esse tenebroso filme de terror envolvendo crianças, entrou numa rotina de sessões contínuas a que urge pôr termo. Quanto mais adultos responsáveis souberem destes horripilantes experimentalismos, mais certa e assegurada estará a sua revolta contra os fanáticos da seita acordista.

É uma questão de tempo.

″Há crianças portuguesas que só falam ‘brasileiro’″

www.dn.pt, 10.11.21

Paula Sofia Luz

Dizem grama em vez de relva, autocarro é ônibus, rebuçado é bala, riscas são listras e leite está na geladeira em vez de no frigorífico. Os educadores notam-no sobretudo depois do confinamento – à conta de muita horas de exposição a conteúdos feitos por youtubers brasileiros. As opiniões de pais, professores e especialistas dividem-se entre a preocupação e os que relativizam, por considerarem tratar-se de uma fase, como aconteceu com as novelas.

…………………..

0 espectáculo estava classificado como para maiores de 6 anos, mas as crianças a partir dos 3 anos ou mais podiam assistir “desde que com e bilhete e acompanhadas por um adulto”. A informação constava na página do pavilhão Altice Arena desde que (finalmente) foi confirmado o espectáculo de Luccas Neto, o youtuber brasileiro que no último fim de semana esteve em Portugal para delírio dos mais pequenos.

Percebe-se facilmente a indicação. Afinal, são dele os vídeos que a maioria das crianças portuguesas vê nos ecrãs de tablet, computador ou telemóvel. E falamos de crianças que têm precisamente essa idade. Numa altura em que ainda estão a aprender a falar.

Era o caso de Laura, agora com três anos, dois na altura do primeiro confinamento. “Ela chegou lá muito facilmente. Primeiro foi ver o Panda e os Caricas, o Ruca e coisas do género. Mas há muito mais conteúdos brasileiros do que portugueses. Ora, quando acaba o vídeo do Panda, aparece logo outro desses, que é muito mais apelativo para os miúdos. A partir daí é viciante para eles”, conta ao DN o pai, Jaime Pessoa, locutor numa rádio local em Pombal.

Além do confinamento – e do teletrabalho do pai, que facilitou um livre acesso ao telemóvel e aos conteúdos por parte da mais nova -, também o facto de Laura ter uma irmã mais velha, Mariana, agora com 9 anos, acabou por ser um gatilho para aceder a youtubers brasileiros. De resto, metade da família lá estará este fim de semana na Altice Arena, a usufruir de um presente de Natal de há dois anos, uma vez que o espectáculo já foi adiado duas vezes à conta da pandemia.

Todo o discurso dele é como se fosse brasileiro. Chegámos ao ponto de nos perguntarem se algum de nós era brasileiro, eu ou o pai”, conta ao DN a mãe, Alexandra Patriarca, numa altura em que o pequeno seguidor de Luccas Neto já frequenta sessões de terapia da fala.

Luccas Neto, de 29 anos, é irmão de Felipe Neto, também youtuber, mas esse mais voltado para um público mais velho, de adolescentes e jovens. Embora existam vários produtores de conteúdos similares, é ele o rei das visualizações e o seu canal no Youtube tem 36 milhões de subscritores.

Laura não diz que vê um polícia na rua mas sim um policial, a relva é grama. Come tudinho. Já Iara pediu à mãe uma bala no supermercado e “isso foi um sinal de alarme”, conta ao DN Ana Marques, que no mesmo dia percebeu que “não podia deixá-la sozinha com o tablet, porque apesar de ser muito autónoma, só tinha quatro anos“. António, da mesma idade, começou a dar sinais de alerta há já algum tempo. Ao princípio, a família até achava alguma piada à forma como ele falava, às expressões brasileiras. Mas à medida que o tempo foi passando, a educadora de infância começou a preocupar-se e foi dando sinais, porque o menino não conseguia dizer os r”s nem os l”s.
(mais…)

Costa faz dieta

https://youtu.be/3C9G21SRvM8

Vai uma sopinha de letras? Olhe que são portuguesas e muito nutritivas…

Antes, dava-se sopa de letras às crianças. Agora não é preciso: com a ajuda do “acordo” comem-se letras a eito na fala e na escrita.

Nuno Pacheco
“Público” 02.07.20

 

Não é segredo para ninguém: Portugal tem um primeiro-ministro que come letras. Ele próprio o reconheceu (como se fosse preciso fazê-lo) no passado domingo, no mais recente programa de Ricardo Araújo Pereira, Isto é Gozar Com Quem Trabalha, na SIC. O humorista fez um curioso exercício: mostrou-lhe dois vídeos onde António Costa dizia umas palavras imperceptíveis (aqui o “corretor” está a mandar-me escrever “impercetíveis”, o que me fez mandá-lo, ao dito, a um lugar que não recomendo). Sorridente, não se atrevendo sequer a descodificar o que tinha dito nos vídeos, tarefa impossível, o primeiro-ministro preferiu uma saída airosa, dizendo que a sua mulher lhe dava múltiplos conselhos: “Não comas de mais, não comas fritos, não comas doces e também não comas palavras.” O que faz Costa, para não lhe desagradar e para não correr riscos de saúde? Como tem de comer alguma coisa, escolhe comer palavras. E logo explicou porquê: “É do melhor que há para comer, não têm [ele disse “tem”, mas é melhor emendar, se não devorava também a concordância] glúten, não têm lactose, não têm sal, não têm açúcar.” Aí está: uma dieta palavrosa, livre de doces e fritos, nutritiva e saudável!

No Portugal de antigamente, dava-se sopa de letras às crianças para elas se irem habituando ao que teriam de aprender na escola, ou seja, a usá-las na escrita e na leitura. No Portugal de hoje, manteve-se essa tendência gastronómica, mas dispensando sopas. É que as letras, e certas palavras, são comidas inteiras mesmo na fala e na escrita. António Costa é apenas a ponta de um enorme icebergue desse repasto contínuo, que desde há uns anos tem vindo a ser incentivado por essa coisa a que teimam chamar “acordo ortográfico”. Lembram-se da “exeção”, palavra magnífica que surgiu em letras gordas num cartaz eleitoral do PS? Pois regressou, agora no endereço de uma empresa de utilidades domésticas. Assim: “Todas as lojas estão abertas com exeção da…” Como a excepção (perdão, a “exeção”) desapareceu, a bela palavra desapareceu já dos avisos da empresa. Mas fica a “recordação”, fotografada. Pormenor relevante: só as letras portuguesas é que são nutritivas, pois nas palavras inglesas também ali usadas, “Click & Collect”, nenhuma letra foi devorada. Não é bonito de ver?

Não é só aqui, claro. A pandemia, que já nestas crónicas foi pretexto para falar de palavras como “infetado”, “infeção”, “infecioso” (propriedade exclusiva de Portugal, já que em todo o espaço lusófono, Brasil incluído, se escreve “infectado”, “infecção”, “infeccioso”), entra também neste palavroso repasto, talvez por necessidade de calorias. Se tiverem a paciência de ir ao endereço electrónico da Direcção-Geral da Saúde (DGS), e seguir para as “perguntas frequentes”, lerão nos “sintomas” esta passagem: “nos casos mais graves, pneumonia grave, síndrome respiratória aguda grave, septicémia, choque sético e eventual morte.” Os sublinhados a itálico são meus e assinalam dois erros: “septicémia”, em vez de “septicemia” (como se deve escrever e dizer, apesar de muito vulgarizado o contrário) e “sético” em lugar de “séptico” (em coerência, deviam escrever “seticemia”, sempre era mais uma letra a entrar na dieta).

Ainda assim, talvez porque a fome não apertou a esse ponto, sobram muitas palavras onde o dígrafo “pt” sobreviveu. Sim, os répteis ainda não são “réteis”. Mas indo à edição portuguesa do Houaiss Atual, já com o acordo, é delicioso ler “septicemia” (sem variante com o “e” aberto) e, mais abaixo, “séptico” com esta nota: “o mesmo que sético”, sem que nenhuma das outras 42 palavras começadas por “s” e com o dígrafo “pt” ali coligidas tenha sugestão de variante. O “sético” será por causa do Brasil? Olhe que não… Vejam o Priberam brasileiro, onde “sético” tem esta nota: “Grafia no Brasil: séptico”.

Enquanto isto, a Assembleia da República discute um parecer que argumenta que uma lei (neste caso proposta por cidadãos, com vista a revogar o segundo protocolo modificativo do acordo ortográfico, o que reduz a três o número de países para entrar em vigor) não pode revogar uma resolução, o que é tanto mais ridículo quanto uma resolução não devia (e não pode) revogar uma lei, e no entanto foi isso que sucedeu com o acordo ortográfico: três resoluções para o impor em Portugal, quando a lei do acordo de 1945 se mantém em plena vigência, nunca tendo sido revogada. Deve haver aqui alguma… “exeção”.

Nuno Pacheco

[Transcrição integral (da edição em papel), incluindo “links”. Vídeo: “entrevista” de Ricardo Araújo Pereira a António Costa sobre o seu (deste) “pequeno” problema de dicção no programa “Isto É Gozar Com Quem Trabalha”, da SIC, transmitido em 28.06.20.]

 

 

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