Uma coisa é um leitor de feeds como, por exemplo, o Farol do Apdeites, ou (salvas as devidas distâncias) o serviço Kinja ou ainda o Google Reader: os conteúdos são recolhidos automaticamente, mas a fonte é não apenas mencionada como realçada, com data, título, autor e outros elementos, se disponíveis. Também é perfeitamente legítimo transcrever, citar ou mesmo reproduzir conteúdos ou peças de produção alheia, desde que se mencione claramente a origem, por regra com link ao respectivo endereço.
Outra coisa bem diferente é editar o código de uma página que não é nossa, seleccionar o conteúdo no todo ou em parte e colá-lo simplesmente noutra página, assinando (ou não) por baixo. O serviço CopyScape permite detectar estes casos de transcrição literal, como se pode ver neste exemplo. O original resultou de algum trabalho de investigação, após selecção do tema (informação por e-mail), passando depois por selecção e inclusão dos endereços mais adequados, estruturação do conteúdo, revisão e correcção, enquanto que a cópia (integral) levou simplesmente tudo de arrasto, sem qualquer espécie de esforço e sem a mais ínfima pitada de incorporação própria; a nota de “desculpas” final (sem link, note-se) foi acrescentada posteriormente, depois de uma nota do autor ao “dono” do blog.
A diferença entre a transcrição técnica e a cópia singela reside no objectivo que se pretende atingir: pode ser, como em qualquer estudo, para suporte ou ilustração de um trabalho próprio, e nesse caso está muito bem, como pode ser para fingir que se trata de produção original, e nesse caso está muito mal; ou está decente e coerentemente inserido numa peça original, ou então constitui essa peça, assim, sem mais nada, quando muito com uma ou outra alteração, apenas para disfarçar a evidência do plágio; ou se nota perfeitamente que é citação ou, se não se nota nada disso, então estamos em presença de um roubo, puro e simples.
Roubo, porque se subtraiu algo a outrem; roubo, porque se copia em poucos segundos aquilo que levou horas, dias, meses de trabalho a produzir; roubo, porque a finalidade é obter créditos por um labor, uma investigação, uma concepção que não foram, de todo, de quem se limitou a copiar o que já estava feito; roubo, ainda mais grave, porque se assina não assinando mas dando a entender que sim, que aquilo é de quem publica, e por isso se assassina o trabalho alheio.
A grande dificuldade, nisto tudo, é que ainda não existe muita jurisprudência (será que existe alguma?) sobre direitos de autor – e direitos conexos – a nível cibernético, por assim dizer, ou no meio virtual que é a Internet. O chamado e-Direito (Direito electrónico/virtual) ainda está numa fase muito inicial; surpreendentemente, existem já diversos blogs que se dedicam em exclusivo a questões relacionadas com o Direito na área das novas tecnologias. E é óptimo que assim seja, que existam pessoas, e principalmente especialistas, que se dedicam ao estudo de casos, à compilação de dados, isto é, de alguma forma à defesa dos direitos da criação intelectual, artística, científica ou técnica, neste caso aplicada ao meio informático.
Há quem viva exclusivamente da parasitação, da canibalização do trabalho alheio e se divirta, ainda por cima, com alegações torpes sobre a “propriedade comum” do meio virtual ou sobre a “arrogância” de quem se atreve a reivindicar a “paternidade” de certo trabalho; se já é difícil, para não dizer impossível, proteger a autoria de um simples texto, muito mais será, seguramente, proteger a concepção de um projecto, de uma ideia, de um método, de uma simples inovação; não custa nada esperar que alguém se lembre de qualquer coisa nova, ou descubra um processo mais rápido e eficiente, e ir imediatamente copiar aquilo, apresentando rapidamente a coisa, ideia ou processo, como sendo de sua iniciativa; é facílimo, devemos presumir, estar calmamente sentado à espera de que alguma solução seja encontrada, como resultado de sabe-se lá quanto tempo de trabalho, de pesquisa, de investigação, de experimentação, e ir a correr apresentá-la como ideia própria ou, ainda mais cinicamente, alvitrando à partida “direitos” de domínio público e de “elasticidade” ou “plasticidade” das questões de autoria. A colocação de avisos ou “carimbos” de copyright, como é o caso do CopyScape ou da Numly Numbers, parece mesmo acicatar ainda mais o espírito predador dos cibercanibais; a denúncia pública das piratarias, do sequestro e do arresto de conteúdos, conduz quase sempre, frustrantemente, apenas a mais publicidade gratuita para o(s) prevaricador(es), que assim julgam triunfar em toda a linha com a sua tremenda “esperteza”.
Escrever é um acto criativo que já vai tendo alguma protecção. Criar é um acto solitário intermédio que pode ou não ser reconhecido, mas igualmente com um mínimo de direitos juridicamente estabelecidos. Pelo contrário, pensar é um acto profundamente estúpido, na medida em que nem sequer existe como figura legal, que terá de esperar até melhor oportunidade, isto é, muito provavelmente até à eternidade; ora, como é lógico não existe – até ver – criação sem raciocínio. Mas enfim, não se pode ter tudo. Conseguir alguma espécie de protecção legal, ao menos para aquilo que se redige, é bem melhor do que nada.
Pode bem suceder, por conseguinte, que tanto o blog e-Direito(*) como os outros da mesma área possam dar uma ajuda a todos os verdadeiros autores do espaço ciberlusófono.
(*) No momento em que este post foi publicado, o endereço está indisponível; se a situação se mantiver, consultar, por exemplo, os blogs Informática do Direito, Direito da Alta Tecnologia e Internacionalização, Informática Jurídica e Direito da Informática.
Adenda, 17.08.06 – 17:10 h
Além do caso de evidente “copy&paste” acima indicado, posteriormente surgiu outro, precisamente com o mesmo conteúdo mas, desta vez, de forma ainda mais irritante… para dizer o mínimo. Para variar, este “autor” de matéria alheia cita o Apdeites como “fonte”, com link, mas não apenas altera o título como, pelos vistos, se acha no direito de “corrigir” o Português da redacção original, colocando algumas formas verbais no plural; para tornar a cosmética e o disfarce um pouquinho ainda mais nojentos, elimina uma palavrita aqui, outra ali, e troca um link por outro; é uma cópia mas, por assim, dizer, “infiel”. É preciso ter lata, muita lata mesmo, como se costuma dizer. Trabalho, nenhum. É facílimo, portanto, escrever coisas “munta giras” e dar palpites “munta náice” sem mexer uma única palha.
Evidentemente, o “autor” da transcrição já recebeu as (in)devidas “bênçãos” pela “excelente dica” e já viu o “seu” texto copiado noutro blog (que cita o primeiro copista como “fonte”, ora, nem de propósito). Pelos vistos, e não sendo caso único mas apenas mero exemplo, aquele post do Apdeites arrisca-se a ser reproduzido ad infinitum em tudo quanto é blog.
Não há palavras nem, de resto, vale sequer a pena qualificar coisas deste género; algumas pessoas, provavelmente motivadas pelo espírito de matilha caracteristicamente (e infelizmente) português, consideram que o saque de conteúdos não passa de “preguiça” por parte dos copistas profissionais, sendo, por conseguinte, coisa de somenos importância.
Talvez. Ou talvez não. Trata-se, em última análise, apenas de ter (ou de não ter) a hombridade suficiente para denunciar e expor publicamente os actos de plágio, sejam eles pura provocação ou não, tenham ou não tenham implicações tais denúncias e, em resumo, dê isso por onde der.
Estas coisas não podem, não devem, passar em claro. É só. Gatuno é gatuno, aqui ou na China.
18.08.06, 13:00 h
E vai mais um.
E outro.
E outro ainda.
Três pombinhas a voar. Tão engraçado.