Mas, no que respeita ao clipping de blogues, o vice-presidente da Cision não tem dúvidas em afirmar “que os direitos de autor não são postos em causa, dado que a fonte da informação é sempre revelada”. Os bloguistas concordam e até aplaudem o clipping dos artigos por si escritos. “Não há direitos de autor na blogosfera”, refere Paulo Querido, jornalista e blogueiro. O próprio assumiu ao DN que faz clipping de blogues. Também o jurista João Gonçalves, do blogue Portugal dos Pequeninos, manifestou agrado pela entrada dos blogues no clipping, “porque é uma forma de dar publicidade à blogosfera”, e insistiu na ideia de que “não existe violação de direitos de autor porque o que se escreve na blogosfera é público”.
DN de hoje, página 61, extracto de artigo assinado por Inês David Bastos e Nuno Cardoso
Descrição do serviço de Clipping
Monitorização, segmentação e classificação da informação veiculada na imprensa, televisão, rádio e Internet. Disponibilização em formato digital num portal que permite a consulta, pesquisa e tratamento da informação. O perfil para a selecção de informação será definido de acordo com as necessidades e interesses definidos pelo cliente.
Cision: Serviços, Communication Management, Communication Cycle, Monitorizar media (extracto)
Ora então, vamos lá ver se entendemos a coisa como deve ser. Alinhavemos, por conseguinte, tentando arrumar um pouco a confusão que aqui vai.
1. Uma Empresa faz recortes (clipping) de conteúdos publicados nos meios de comunicação social, blogs incluídos.
Até aqui, tudo bem, acho que percebi, se não estou em erro isto significa terem os blogs, finalmente, sido promovidos à categoria de mass media; óptimo.
2. Essa Empresa tem uma carteira de clientes que, a troco de determinada quantia, recebem, dos ditos recortes, aqueles que mais lhes interessam. Isto é, a Empresa é remunerada pelo trabalho de clipping (selecção e recorte) e os clientes pagam de acordo com as suas “necessidades e interesses”.
Ah, sim, pois com certeza. Presume-se portanto que esses clientes de alguma forma irão lucrar com o serviço que lhes é prestado; não se compreenderia, de resto, porque iriam os clientes pagar por algo que lhes não servisse para nada.
4. Nenhum dos meios de comunicação, blogs incluídos, dos quais são extraídos conteúdos (recortes), é sequer tido ou achado na matéria; e muito menos, como é evidente, terá direito a qualquer espécie de compensação, à excepção da “menção da fonte”.
Ó diabo. Calma. Aqui é que a coisa fica um bocadinho mais séria.
Quanto à imprensa escrita, enfim, a questão será talvez discutível. Mas essa discussão dirá respeito aos próprios jornais. Já com os blogs o assunto é totalmente diferente, e absolutamente transparente.
Ao contrário daquilo que dizem algumas pessoas do “meio”, os autores de blogs são titulares de todos os direitos autorais de tudo o que escrevem ou produzem, a partir do exacto momento em que publicam seja o que for. Um autor pode ser criminalmente responsabilizado (e processado) por qualquer conteúdo de sua autoria; logo, se é responsável pelo que faz, se tem obrigações inerentes ao que publica, também há-de ter – por força, por inerência – alguma espécie de direitos sobre as suas produções.
Ora, pelos vistos o que pretendem essas pessoas – que a si mesmas atribuem o papel de representantes da blogosfera – é que, pura e simplesmente, os bloggers tenham todas as obrigações e nenhuns direitos. Há quem entenda, e chegue ao ponto de o declarar sem sequer esboçar um sorriso, que “não há direitos de autor na blogosfera” (Paulo Querido, citado no artigo do DN); por algum motivo que sinceramente me escapa, há quem se considere porta-voz de milhares de bloggers portugueses, debitando observações que, na minha opinião e enquanto blogger, não passam de puros dislates; esta então, como diria Eça, é de escachar: “não existe violação de direitos de autor, porque o que se escreve na blogosfera é público” (João Gonçalves, citado no artigo do DN). Extraordinária ginástica legal, caramba.
A imagem de cada qual, por exemplo, também é “pública” (mas que raio de figura jurídica será essa?), e nem por isso assiste a alguém o direito de tirar-nos o retrato à socapa, publicá-lo sem consentimento, tácito ou explícito, seja onde for e, ainda por cima, lucrar com tal coisa. A escrita, o trabalho, a investigação, qualquer espécie de empreendimento executado por um indivíduo, resulta do carácter desse mesmo indivíduo e faz, por conseguinte, parte da sua imagem enquanto ser humano autónomo, independente, único.
Se “não há direitos de autor na blogosfera”, como algumas criaturas pelos vistos pretendem, então o melhor que os bloggers têm a fazer é “fechar o tasco”, apagar o blog, voltar ao papel almaço, ao bloco-notas, à gaveta cheia de papeis. Se, por hipótese absurda, não houvesse direitos de autor na blogosfera, não haveria nem blogs nem bloggers; isso seria, sem mais nada, o fim, a morte da própria blogosfera.
Se os bloggers não têm qualquer direito à sua propriedade intelectual, mas qualquer indivíduo ou organização pode lucrar com essa mesma propriedade, então estamos sem dúvida perante o negócio do século, mas qual século, é mas é o maior da história, uma coisa absolutamente genial que nem ao Tio Patinhas lembraria. Jeitoso. Que mimo. Grande mina, hem?!
Um destaque, no corpo do artigo citado, reza assim: “Blogueiros dizem que não há direitos de autor”. Pois sim. Quais “blogueiros”? Aqueles dois? E quem são eles, ao certo? Quem os elegeu como meus representantes? Quem os mandatou para proferir disparates em meu nome? Enfim, por favor alguém me esclareça: quando foi isso do sufrágio directo e universal na blogosfera? Hem? Quando?
É que, ao fim e ao cabo, eu cá gostaria imenso de continuar a proferir os meu próprios disparates, a dizer as asneiras que resultam da minha própria cabeça, a escrever todas aquelas palermices que me apetece, volta e meia, debitar aqui no pasquim. Sou bem capaz disso, sem precisar de que alguém fale por mim, obrigado.
Apdeite em 03.05.07, 11:15 h
O DN publica hoje (pág. 62) uma pequeníssima “local”, dando conta de que em Espanha – afinal – os artigos copiados pelas empresas de clipping são pagos aos jornalistas que os produziram. Este mini-artigo não refere o que se passará com os blogs, mas poder-se-á talvez presumir que será uma questão de tempo até outro tanto suceder com estes.
No jornal El Confidencial on-line, edição de 27 de Abril, diz-se que:
Además, establece el derecho de los autores a percibir una cantidad por la reproducción de su obra, “entendiendo siempre que el autor es la persona física que aparece como tal en la obra, mediante su nombre, firma o signo que lo identifique”.
Já o PR Noticias on-line refere algo não tão pacífico:
La asociación de editores, agrupados en la AEDE han señalado insistentemente que no aceptarán que las empresas de press clipping utilicen sus artículos en sus resúmenes de prensa sin autorización previa, por lo que es evidente que este acuerdo podría generar un verdadero terremoto en el sector.
Como se vê, aqui mesmo ao lado este tipo de questões não levanta nenhuma espécie de dúvida. Só em Portugal, pelos vistos, é que existe alguém que descobriu a pólvora da “inexistência de direitos de autor”; mas também isso é normal, pois claro, nós temos já um longo historial de espantosas descobertas, um extraordinário e rico património de teorias exclusivas, únicas e originais, daquelas que não existem (apenas) em mais parte alguma do mundo.