Circula por aí um e-mail bombástico sobre “técnicas” de defesa em caso de roubo:
«Se você for alguma vez, forçado por um ladrão a retirar dinheiro da caixa de Multibanco, você pode avisar a polícia imediatamente, digitando a senha ao contrário.»
Este e-mail, do qual existem algumas versões com os mesmos erros de Português, está (por exemplo) assinado por um tipo teoricamente identificadíssimo, funcionário do Gabinete de Política Legislativa e Planeamento do Ministério da Justiça, Divisão de Informática. Vem com nome, endereço, números de telefone, tudo.
Logo no parágrafo inicial da esplêndida mensagem, note-se o “você” repetido. Já daria para desconfiar, de mais a mais sendo o benemérito um informático e, por conseguinte, sofrendo de dislexia, uma característica do meio, mas vá lá, quem sabe, é melhor ler mais um pouco:
«Por exemplo, se a sua senha for 1234, então você digita 4321. A máquina reconhece que a sua senha está invertida, de acordo com o cartão que você acabou de inserir. A máquina, de qualquer maneira, dar-lhe-à o dinheiro mas, para desconhecimento do ladrão, a polícia será imediatamente accionada/enviada para lhe ajudar.»
Ó diabo. Outra vez “você”? Outra vez duas vezes “você”? E aquele acento ao contrário, o que faz ali? E o que significará a misteriosa expressão “a polícia será imediatamente accionada/enviada para lhe ajudar”? “Lhe” ajudar, santinho? Lhe? Cê é brasilêro mezmu, né, cara?
E tem mais, como se diz lá pelos brasis:
«Esta informação esteve recentemente no ar na TV, e declara que isso é raramente usado, porque as pessoas não sabem da existência desse mecanismo de defesa.
Por favor, passem isso a todos os vossos contactos.
É uma informação extremamente útil e necessária.»
Ah. Cá está. A informação que “esteve no ar” e que “declara”, e tal. A ver se a polícia é “accionada-barra-enviada”, seja lá isso o que for. Que giro.
O Portugal Diário (de 14 de Março do ano passado!) esclarece os mais ingénuos: a coisa é (obviamente), pura treta. Uma simples pesquisa na net daria para ver que o Gabinete onde o moço diz que trabalha já nem existe, por exemplo. E aquilo vem “assinado” apenas com dois nomes próprios, caramba!
Mas enfim, deixemos lá as interjeições e as perplexidades, por mais que nos espante a credulidade do nosso semelhante; fiquemo-nos pelo essencial.
Quando uma coisa (qualquer) nos é enviada, por mais espantosa, maravilhosa, caprichosa, facciosa ou mesmo cabeluda que seja, a primeira coisa a indagar – para com segurança aferir da sua credibilidade – é a seguinte: o camaradinha (ou a camaradinha) sabe escrever?
Não sabe? Então, pronto. É tanga. Arquive-se.
A lógica (inatacável, refira-se, sem falsas modéstias) inerente a esta técnica de despistagem é a seguinte: nenhum ignorante pode tomar conhecimento, apenas por obra e graça do Espírito Santo, de factos que não são do conhecimento das pessoas normais; se, porventura e por anomalia, tal suceder, ignorante algum será capaz de reconhecer o ineditismo, a novidade desses factos e, portanto, não irá deles dar conhecimento a ninguém, de mais a mais porque não dispõe dos requisitos mentais e das ferramentas linguísticas e comunicacionais indispensáveis para o efeito.
Isto sim, é dica válida, é palpite sério, axioma existencial quiçá cientificamente sustentável. E à borla e tudo, ainda por cima.
Consta que, em Portugal, largos milhares de pessoas engoliram mais esta patranha. Há por aí quem ache, por exemplo, que um gatuno vai ficar pacientemente à espera da bófia, junto à ATM onde costuma assaltar pessoas. Eu cá não sei, de fonte segura, mas ouvi dizer que o Goofy se reformou.