“A insustentável leveza do ser” deputado

Deputado do PSD diz que quem está desmotivado deve pedir substituição
Guilherme Silva: Ausência de deputados nas votações é “inaceitável”
08.12.2008 – 13h08 Lusa

O antigo líder parlamentar do PSD Guilherme Silva considerou hoje “inaceitável” que os deputados faltem às votações por motivos “menos justificáveis, como lazer ou outros” e sugeriu que estes peçam a sua substituição.

Guilherme Silva falava hoje durante uma entrevista ao Rádio Clube Português, a propósito da ausência, sexta-feira – véspera de fim-de-semana prolongado – de 30 deputados sociais-democratas numa votação.

Os 30 deputados estiveram ausentes durante a votação dos projectos de resolução da oposição pela suspensão do processo de avaliação dos professores.

Na altura, e questionado à saída do plenário se a ausência de três dezenas de deputados do PSD na votação não terá sido decisiva para o ‘chumbo’ dos diplomas, o actual líder parlamentar dos sociais democratas, Paulo Rangel, considerou que a falta dos parlamentares sociais-democratas “não teve relevância para a votação”.

Hoje, Guilherme Silva revelou-se indignado com as faltas dos deputados, adiantando que não há nada que “justifique a irresponsabilidade de uma ausência e de uma ausência num momento relevante”.

“Se houve alguém que quis ir mais cedo para um fim de semana prolongado e irresponsavelmente se ausentou, isso é condenável e absolutamente inaceitável”, disse.

Aos microfones do Rádio Clube Português, Guilherme Silva aconselhou: “Quem está desmotivado e não se sente capaz de exercer o mandato com o grau de responsabilidade à altura do estatuto deste cargo, simplesmente pede a substituição”.

“As regras são assim: Até podem renunciar ao mandato. Não podem é tentar conciliar soluções pessoais, menos justificáveis, de lazer ou outras, com a irresponsabilidade de faltar a uma votação”, disse, concluindo que “isso é que não é aceitável”.

Jornal Público

Marcelo Rebelo de Sousa diz, com o seu típico estilo “a vol d’oiseau”, que aqueles deputados deveriam ser, “de alguma forma”, castigados. Pedro Santana Lopes responde, no seu característico registo vagamente indignado, que nos tempos em que o próprio Marcelo tinha alguma coisa a ver com o assunto os deputados do PSD também se baldavam indecentemente às sessões na Assembleia da República, que também faltavam às votações e que igualmente naqueles tempos deixavam passar diplomas legais pelo facto de simplesmente não porem os pés no Parlamento.

Ficaram célebres e correram mundo as imagens de alguns eurodeputados baldando-se discretamente, pela porta das traseiras e pelos elevadores de serviço, aos trabalhos do muito circunspecto e tecnocrata Parlamento Europeu, por regra às sextas-feiras de manhã e também por regra depois de já terem assinado o respectivo livro de presenças.

Os blogs indignam-se igualmente com o mais recente caso do nacional parlamento, de resto a condizer essa indignação com a geral que alastra pelo país, o povo anónimo e as outras pessoas invectivando os seus representantes, chamando-lhes de tudo, rezando-lhes pela pele e apelidando-os de “pulhas” e de “chulos” para cima.

Ora, há que não confundir as coisas, por suposto diferentes: os eurodeputados baldarem-se alarvemente em Bruxelas não tem nada a ver com o facto de a lisboeta Assembleia da República ficar às moscas assim que se avizinha o fim-de-semana.

Para já, estamos a falar de vencimentos completamente diferentes, por assim dizer opostos: um deputado europeu ganha bastante mais do que a digníssima Senhora Merkel, a Chanceler alemã, enquanto que ao pé disso qualquer deputado em Portugal não aufere, coitado, muito mais do que o Senhor Aníbal Silva, esse paradigma do funcionário público em topo de carreira.

Depois, atendamos também às inerentes diferenças de estatuto: em Portugal, ao contrário do resto da Europa, esse estatuto, o de nababo, não é exclusivo dos representantes do povo, estendendo-se pelo contrário a grandes franjas do próprio povo, isto na condição de, como é evidente, metermos tudo no mesmo saco, como é de meter. Mais de 4/5 (quatro quintos) da população portuguesa balda-se de forma talqualmente alegre aos seus empregos, não apenas às 6.ªs Feiras e em vésperas de feriados mas também nos intervalos que vão de 2.ª a 5.ª e, de resto, sempre que pode, ao longo de toda a sua por conseguinte extenuante vida profissional. Somemos a isto o facto de 90% dos referidos 4/5 não fazer absolutamente nada enquanto permanece no seu “posto de trabalho”, ao longo de toda essa extenuante vida, e assim concluiremos facilmente que – ao menos se admitirmos que alguns dos nossos deputados fazem alguma coisinha de vez em quando – são por demais injustas as acusações de “chulice” e de parasitismo que alguns por aí andam perdigotando contra nossos digníssimos tribunos.

Note-se, para que não restem rabos de palha nesta história das baldas parlamentares, que o facto de os deputados serem os únicos “trabalhadores” com a prerrogativa de atribuir a si próprios os vencimentos, as prebendas e os privilégios que quiserem não atenua, antes agrava, por assim dizer, as responsabilidades que lhes cabem nem diminui, antes aumenta, o tremendo peso institucional que para bem geral repousa nos seus ombros. Qualquer um de nós outros, simples contribuintes, não aguentaria por certo durante muito tempo a tremenda pressão a que os eleitos estão quotidianamente sujeitos.

Por isso, atenta a sua exclusiva situação profissional de desgaste rápido, se compreende que se reformem ao fim de sete anos de mandato com vencimento por inteiro e mantendo vitaliciamente todas as prerrogativas inerentes a tão penoso cargo.

E daí também, porque há que reconhecer o mérito onde ele existe e porque se trata, nada mais, nada menos do que do interesse nacional, a necessidade absoluta de que Suas Excelências repousem o suficiente, bastando para tal o exercício do seu próprio critério, ou seja, sempre que lhes apetecer ou der na real gana devem pôr-se na Senhora da Alheta, dar às de Vila Diogo, desenfiar-se, meter a peluda, pisgar-se. Bastará, para o efeito, e mesmo isso me parece já ser de mais, darem-se à maçada de assinar o livrinho de presenças e pronto, boa viagem.

Eles merecem, portanto, além do devido e inquestionável respeito, por parte da população em geral e do povo em particular, o protesto da mais profunda deferência para com os seus mais íntimos desejos, por exemplo engraxate particular em pleno hemiciclo, uns pastelinhos de Belém bem quentinhos para os longos e chatérrimos intervalos entre debates, umas quantas massagistas tailandesas em pontos estratégicos dos “Passos Perdidos”, ou assim, seja o que for, tudo o que lhes passar pela cachola.

Os deputados da nação, escutai, ó massas ignaras, merecem tudo e mais alguma coisa, porque deles e só deles depende o futuro da Pátria. Isso das gazetas ao serviço não passa de amendoins, portanto calai-vos, ó ressabiados, ó mulas invejosas.

Para arrumar a questão de vez, citemos uma figura pública bem conhecida, aliás profundo estudioso do fenómeno: “Ide mas é trabalhar, ó, ide fazer alguma coisa útil para a sociedade!”

Quanto a Guilherme Silva, parece-nos seria talvez curial que alguém lhe dissesse, com o devido respeito, para fechar a matraca. Mais quais “desmotivação” quais caroço! Aquilo não é desmotivação, aquilo é mas é ralações e canseiras, nada de mais natural que lhes apeteça bater umas sornas e mamar umas caipirinhas em paz e sossego.

Citações neste post: Milan Kundera (título) e Nuno Lopes (a frase lapidar d’O Chato, n’Os Contemporâneos).