CAPÍTULO I
Estatuto e eleição
Artigo 120.º
(Definição)O Presidente da República representa a República Portuguesa, garante a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas e é, por inerência, Comandante Supremo das Forças Armadas
Artigo 195.º
(Demissão do Governo)2. O Presidente da República só pode demitir o Governo quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, ouvido o Conselho de Estado.
A lei que aprovou a revisão do Estatuto dos Açores, que tinha sido por mim vetada, foi, no passado dia 19, confirmada pela Assembleia da República sem qualquer alteração.
Isto é, não foram acolhidas, pela maioria dos deputados, as duas objecções que por mim tinham sido suscitadas.
É muito importante que os portugueses compreendam o que está em causa neste processo.
Este não é um problema do actual Presidente da República.
Não é tão-pouco uma questão de maior ou menor relevo da autonomia regional.
O que está em causa é o superior interesse do Estado português.
O Estatuto agora aprovado pela Assembleia da República introduz um precedente muito grave: restringe, por lei ordinária, o exercício das competências políticas do Presidente da República previstas na Constituição.
De acordo com uma norma introduzida no Estatuto, o Presidente da República passa a estar sujeito a mais exigências no que toca à dissolução da Assembleia Legislativa dos Açores do que para a dissolução da Assembleia da República.
Nos termos da Constituição, a Assembleia da República pode ser dissolvida pelo Presidente da República ouvidos os partidos nela representados e o Conselho de Estado.
Para dissolver a Assembleia Legislativa dos Açores, o Presidente da República terá que ouvir, para além dos partidos nela representados e o Conselho de Estado, o Governo Regional dos Açores e a própria Assembleia da Região.
Trata-se de uma solução absurda, como foi sublinhado por eminentes juristas.
Mas o absurdo não se fica por aqui.
A situação agora criada não mais poderá ser corrigida pelos deputados.
Uma outra Assembleia da República que seja chamada, no futuro, a uma nova revisão do Estatuto vai estar impedida de corrigir o que agora se fez.
Isto porque foi acrescentada ao Estatuto uma disposição que proíbe a Assembleia da República de alterar as normas que não tenham sido objecto de proposta feita pelo parlamento dos Açores.
Quer isto dizer que a actual Assembleia da República aprovou uma disposição segundo a qual os deputados do parlamento nacional, que venham a ser eleitos no futuro, só poderão alterar aquelas normas que os deputados regionais pretendam que sejam alteradas.
Os poderes dos deputados da Assembleia da República nesta matéria foram hipotecados para sempre.
Como disse, não está em causa qualquer problema do actual Presidente da República.
A Assembleia Legislativa dos Açores, em 30 anos de autonomia, nunca foi dissolvida e não prevejo que surjam razões para o fazer no futuro.
O que está em causa é uma questão de princípio e de salvaguarda dos fundamentos essenciais que alicerçam o nosso sistema político.
E não se trata apenas de uma questão jurídico-constitucional. É muito mais do que isso.
Está também em causa uma questão de lealdade no relacionamento entre órgãos de soberania.
Será normal e correcto que um órgão de soberania imponha ao Presidente da República a forma como ele deve exercer os poderes que a Constituição lhe confere?
Será normal e correcto que a Assembleia da República imponha uma certa interpretação da Constituição para o exercício dos poderes presidenciais?
É por isso que o precedente agora aberto, de limitar o exercício dos poderes do Presidente da República por lei ordinária, abala o equilíbrio de poderes e afecta o normal funcionamento das instituições da República.
O exercício dos poderes do Presidente da República constantes da Constituição não pode ficar à mercê da contingência da legislação ordinária aprovada pelas maiorias existentes a cada momento.
Por que é que a Assembleia da República não alterou o Estatuto apesar de vozes, vindas dos mais variados quadrantes, terem apelado para que o fizesse, considerando que as objecções do Presidente da República tinham toda a razão de ser?
Principalmente, quando a atenção dos agentes políticos devia estar concentrada na resolução dos graves problemas que afectam a vida das pessoas?
Foram várias as vozes que apontaram razões meramente partidárias para a decisão da Assembleia da República.
Pela análise dos comportamentos e das afirmações feitas ao longo do processo e pelas informações que em privado recolhi, restam poucas dúvidas quanto a isso.
A ser assim, a qualidade da nossa democracia sofreu um sério revés.
Nos termos da Constituição, se a Assembleia da República confirmar um diploma vetado pelo Presidente da República, este deverá promulgá-lo no prazo de 8 dias.
Assim, promulguei hoje o Estatuto Político-Administrativo dos Açores.
Assumi o compromisso de cumprir a Constituição e eu cumpro aquilo que digo.
Mas nunca ninguém poderá alguma vez dizer que, confrontado com o grave precedente criado pelo Estatuto dos Açores, não fiz tudo o que estava ao meu alcance para defender os superiores interesses do Estado.
Nunca ninguém poderá dizer que não fiz tudo o que estava ao meu alcance para impedir que interesses partidários de ocasião se sobrepusessem aos superiores interesses nacionais.
Como Presidente da República fiz, em consciência, o que devia fazer.
[Transcrição integral, conforme texto no site da Presidência da República. Destaques de Apdeites.]
Mas o Presidente vetou ou não a lei?
Pois está claro que “nossa democracia sofreu um sério revés”…
Lamentavelmente este PR não se impõe na devida altura, e a oposição na AR é fantasma.
garfield,
Após a a confirmação da AR (após veto anterior do PR), o Presidente é obrigado a promulgar, sendo que o novo Estatuto dos Açores segue em frente.
Parece-me que tenho de legendar este post.
O significado do título é uma paráfrase do mais célebre dito de Humberto Delgado (“obviamente,demito-o“) e pretende (pretendia) significar que o PR – a pretexto de “cumprir o que diz” – não cumpriu o que diz a Constituição: quando aquilo que estava em causa era “assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas”, não exerceu o seu direito (e o dever) de demitir o Governo.
Estou farto de dizer, como se tal fosse necessário, que não sou jurista e muito menos sou constitucionalista. Mas o espírito da lei (de qualquer lei, e a CR é “apenas” a fundamental) está acessível a qualquer cidadão e é entendível pelo comum dos mortais; neste caso, não prevendo “sanções” para o PR, em caso de duplo veto recusado pelo parlamento, a CR indica sem margem para dúvidas que o PR deveria ter exercido o único, o último, o mais radical poder que lhe resta: demitir o PM, dissolver a AR, convocar eleições antecipadas.
E isto implicaria, naturalmente, não promulgar o EPAA. Veta 2 vezes e engole à 3.ª para que “ninguém diga” não sei o quê? Fará isso algum sentido?