Os sinais são iniludíveis, havendo já diversos destaques de imprensa que vão reflectindo o aumento exponencial da procura desta nova e exótica forma de caçada virtual. Ainda ontem, por exemplo, os jornais portugueses referiram mais um “escândalo” do género, desta vez envolvendo altas esferas do Governo britânico – Serviços Secretos incluídos.
Claro que os perigos para o comum dos mortais não são propriamente os mesmos que para as mais elevadas patentes sociais, mas já se sabe de fontes seguríssimas que as redes sociais servem também como dispositivo de ameaça e ferramenta de chantagem, batendo por larga margem todas as até agora conhecidas armas do género.
O que releva, como parece lógico, do carácter de absurda intimidade que a plataforma Facebook sugere: no fundo, as pessoas são convidadas a expor a sua intimidade a um nada desprezível número de virtuais, paradoxais e porventura totalmente falsos “amigos” e ainda, em última análise, a verdadeiras multidões de perfeitos desconhecidos, alguns dos quais estarão por certo interessados em descobrir selectivamente os “podres”, os segredos de cada qual. Ora, como tão bem sabemos, não existe ser humano à face da terra que os não tenha e muito menos gente haverá que goste de ver a sua intimidade devassada.
E é precisamente com esta mecânica de terror latente, consubstanciada em formas diversificadas e sofisticadas de ameaça, que o “nosso” predador conta. Nenhuma “mosca” se apercebe da presença da teia em que caiu até que os seus fios viscosos a envolvam por completo; mesmo então, quando se começa a debater, tentando libertar-se, custa-lhe entender como é possível ter sido apanhada por uma coisa que não se vê sequer, de tão transparente que é, e que ninguém diria pudesse ser tão resistente ao mais firme dos sacões. De facto, uma vez apanhada na teia, bem pode a “nossa” mosquinha debater-se, lutar com todas as suas forças, porque o mal está feito: vem aí a aranha, patuda e peluda, salivando na antecipação do festim, para reclamar mais um dos seus inúmeros troféus.
Em concreto, e se nos quisermos abstrair de tão claras como evidentes metáforas, o desprevenido utilizador do Facebook está permanentemente em risco – e tanto mais quanto maior for a sua instabilidade emocional, a sua volubilidade. Logo, e mesmo dando de barato – porque muito discutível – que existe um “mito” à volta da volubilidade das mulheres, estamos neste particular a falar de seres humanos com predisposição para o “romance”; portanto, e por regra, mulheres… sim.
São principalmente elas as “moscas” que ao predador sexual apetecem, até por uma questão de lei das probabilidades: é isso mesmo que procuram preferencialmente, num meio artificial como este, os solitários, os tímidos, os problemáticos de forma geral, todos aqueles que, em suma, podem com os artifícios inerentes ao meio virtual construir um alter-ego ideal, elevado, quiçá perfeito, segundo imagina o seu ego distorcido; esse alter-ego, um outro “eu”, pouco ou nada tem a ver com a vida real com a qual o predador sexual não sabe, não pode ou não quer lidar.
Façamos uma analogia com aquilo que se passa, nesta mesma plataforma, com os pedófilos: pois não costumam eles “apresentar-se” a jovens como se fossem da mesma idade? E porque se prestam a essa farsa? Não é por demais evidente?
Então? A única diferença entre um pedófilo e um “engatatão”, no que às redes sociais diz respeito, resume-se quando muito a algumas subtilezas, porque na essência, por definição, é rigorosamente a mesma coisa. Os objectivos são os mesmos (sexo), as motivações são as mesmas (problemas sexuais), os métodos são os mesmos (sexo travestido de amizade).
Vamos supor, por exemplo, que determinado fulano, com uma vida social estruturada e plenamente – pelo menos na aparência – integrado no meio envolvente, sofre em segredo de uma qualquer patologia, deficiência ou “simples” desequilíbrio mental. De que outra forma, senão à distância e por detrás de diversos filtros laudatórios, poderia ele “caçar” à sua vontade?
Com efeito, que outro meio senão este lhe poderia proporcionar a possibilidade de projectar de si mesmo uma imagem totalmente postiça, mesmo que apenas retocada ou até fabricada na íntegra de raiz?
Pois não tem ele na sua rede de “amizades” uma chusma de nomes conhecidos, até pessoas de prestígio, jornalistas, e figuras públicas e tudo!? Não foi ele recomendado a si por alguém que lhe merece toda a confiança? Então, como diabo é possível tal coisa, como pode ele não ser nada daquilo que aparenta, como pode andar por aí à caça, coleccionando troféus como se não existisse amanhã?
Pois, precisamente, a ser o caso, este é apenas um dos problemas; o pior até não é o número de troféus. Em princípio, mosca caçada é mosca comida, e pronto, não se fala mais nisso: a aranha pendura mais um retrato na sua galeria e a retratada cala-se para sempre (e faz nisso muitíssimo bem), porque sabe que é inútil (e pode ser perigoso) dizer seja o que for sobre o assunto.
Mas o pior de tudo, se tal é possível, aquilo que pode trazer as mais terríveis consequências é a rejeição***: antes ou depois da consumação da “caçada”, do perfil prototípico desta raça de predadores consta por regra não apenas uma terrível inconstância de humor como a mais profunda intolerância a qualquer tipo de rejeição***.
Durante o processo de aproximação, o predador foi recolhendo todos os dados possíveis e, portanto, quando a “coisa” termina (como fatalmente tudo termina, mas neste particular de forma particularmente rápida), ele está na posse dos elementos recolhidos entretanto; estes serão muito provavelmente dados íntimos e que envolvem terceiras pessoas: fotos dos filhos, da família, do próprio marido ou namorado, se for o caso, números de telefone, endereços, contactos profissionais, etc. Resulta por conseguinte claro que o predador fica detentor de um manancial de informação que não poderia nunca recolher num meio que não este, em que milhares de pessoas se expõem publicamente sem qualquer critério, entre muitíssimas outras atitudes de gravidade semelhante e de comprovadíssima ingenuidade. Alguém presumirá que este manancial de informação, estas verdadeiras bombas de explosão programada não serão usadas contra a própria pessoa e sua família, se algum tarado estiver para aí virado?
Ora então, suponhamos que este mesmo tarado é um predador com um perfil enquadrável no protótipo aqui descrito, ou seja, é uma pessoa com escassa ou nenhuma tolerância à rejeição.***
O que o impedirá de utilizar tudo aquilo, caso assim se sinta compelido pela dita intolerância à rejeição? Ou, podemos ir ainda mais longe, porque haverá ele de guardar para si o que aconteceu com aquela pessoa em particular, se por hipótese e simplesmente lhe apetecer divertir-se à custa dela? E se ele se quiser “vingar” ou apenas e só “chatear”, por desfastio, por ócio, por simples hábito? E se a pulsão da caça o não satisfizer enquanto não houver domínio total e perpétuo? E se o facto de a “mosca” acabar por achar muito feia e bruta a “aranha” e resolver pôr-se a milhas desagradar profundamente ao aracnídeo? E se… e se… e se…
Antes das redes sociais, toda a gente (ou, pelo menos, muitíssima gente) tinha amantes, e metia-se em “casos”, e dava “facadinhas no casamento”; mas muito excepcionalmente essas coisas se tornavam públicas e nunca por nunca os envolvidos deixavam um imenso rasto de provas e envolvendo mesmo estas muitas outras pessoas, incluindo, como acontece no Facebook, fotografias, trocas de mensagens, textos e conteúdos com dedicatória e assim por diante. São tudo presentes envenenados (para as próprias) que as futuras vítimas oferecem de mão beijada (em sentido literal) ao seu “amigo” caçador, a aranha que não apenas a comeu (também em sentido literal) como apenas largará o seu cadáver quando, como e principalmente se lhe apetecer.
É pensar nisto, se quiser: quantos haverá por aí como este? Quantos predadores, deste e de outros géneros, estarão na sua rede particular? E quantos deles serão seus “amigos”, afinal? Sabe, ao certo?
Ah, bom, então se sabe… parabéns!
*** É importante não confundir o conceito de “rejeição”, neste contexto, com outros da mesma etiologia mas de significados diferentes, como “traição”, “abandono” ou, simplesmente “fim” da relação.