Não existe qualquer risco e não advirá qualquer mal acrescido para nenhum dos intervenientes por, tanto na vida real como nas redes sociais, dois adultos se “conhecerem”, numa acepção “bíblica” do verbo.
Aliás, isso mesmo – e mais uma vez nos dois ambientes – pode até suceder uma vez, e outra, e outra, e outra, até que se nos acabem os dedos das mãos e dos pés ou mais ainda para contar os “conhecimentos” bíblicos. O que é preciso é que as pessoas sejam felizes e que vão cumprindo o melhor que podem o seu “dever” para com a Mãe Natureza, não fazendo para tal mais do que aquilo que mandam as próprias Escrituras. Todas essas coisas, desde que não acarretem consequências de maior para ninguém, são tácita e até divinamente “abençoadas”.
O problema, quando existe e se existe, começa quando pelo menos um dos envolvidos está mais (ou exclusivamente) interessado em destruir e não em pura e simplesmente viver e deixar viver. Em tempos de consumo desenfreado como são os nossos, e para mais se atendermos ao facto de terem caído em desuso critérios sociais tão vetustos como a honra ou a honestidade, enfim, num mundo em que, como se costuma dizer, anda meio a lixar o outro meio, a ocorrência (e a gravidade) de conflitos varia na razão directa do número, da potência e da eficácia das armas disponíveis. Ora, como já sabemos, por exemplo o Facebook disponibiliza um imenso arsenal bélico – e não apenas para a guerra pessoal, também para o assassínio em série ou mesmo para o extermínio em massa.
Armas de informação, de conhecimento, é verdade, mas nem por isso menos letais. Está por apurar, de ciência certa, se tal é possível equacionar, qual será a melhor maneira de “ir desta para pior”: um tiro limpo e certeiro na cabeça ou o estigma infamante, a calúnia, a devassa, a perseguição; liquidar uma pessoa de uma vez por todas, num segundo, ou usar contra ela informação, desinformação, meias verdades e perfeitas calúnias, infernizando assim a vida da vítima até que aquela acabe naturalmente e de facto.
São conhecidos inúmeros casos, e todos eles representando apenas uma ínfima parcela da ponta do iceberg, mesmo ou ainda nos blogs, de pessoas que viram a sua vida privada escarrapachada em textos e em comentários (anónimos ou não, isso é outro assunto), que foram pública, contínua e insidiosamente esbulhadas dos seus direitos de personalidade, que foram aterrorizadas continuamente por ferozes matilhas de perfeitos patifes… e alguns deles nem se aperceberam do que fizeram, de tal forma a sanha persecutória é vulgar e corriqueira. Se isto vale para qualquer aldeia perdida nas berças, em que toda a gente vigia toda a gente e qualquer mijadela fora do penico é implacavelmente punida, então muito mais valerá num meio em que não há fronteiras, nem espaços, nem reservas, e em que tudo está na ponta dos dedos, toda a informação à mão de semear veneno, todo o carácter (ou a falta dele), toda a personalidade (ou a falta dela), todos os detalhes de cada qual estão ali, à distância de um simples “click”.
O predador sexual é uma das variantes da gigantesca mole de alucinados que por aí circulam. Existem também predadores intelectuais, por regra e definição parasitas militantes, gente que se compraz em fazer rebolar na lama das suas próprias incapacidades as cabeças de quem se atrever a demonstrar alguma espécie de qualidade ou, pior ainda, que ousa recusar cerimónias de beija-mão em geral e prestar vassalagem intelectual em particular.
Se isto existe (e oh, se isto é triste!), e se já é o horror que se vê, agora imagine-se quando o negócio deixa de ser por escrito e passa a ser uma coisa mais, enfim, bom, digamos, em vale de lençóis. Qualquer disputa de direitos de autor, por exemplo, pode ser derrimida em tribunal (ou, vá lá, em havendo pressa, com um par de estalos), mas quando o assunto é cama, bem, então o caso pode ser mesmo sério, obviamente não o sendo e por causa disso mesmo.
Ora, acontece que o Facebook está cheio dessas coisas todas, precisamente: malucos, invejosos, frustrados, doentes mentais, desequilibrados em geral, por um lado, e, por outro, fotografias, presentinhos, florinhas, dedicatórias bem mais do que solícitas, comentários e mensagens idem aspas, etc., etc., etc. É só juntar alguns destes ingredientes e aí está, se calhar, o tal “homem novo” que imaginava mas que nem sonhava Marx.
É todo este lastro pessoal, todo este manancial de informação (embora também possa ser o mero acaso) que leva o predador à futura vítima, permitindo-lhe, ainda por cima, aferir antecipadamente das suas hipóteses de sucesso, à uma, e ao que pode vir a servir como arma de arremesso se alguma coisa correr mal, às duas. A solicitude, que facilmente se confunde com simpatia, costuma ser a técnica de aproximação mais comum: se calhar ser o assunto a música, vá de solicitamente sugerir uma “pimbalhada” de Meira ou uma partitura de Schubert, ou qualquer outra coisa do género, consoante o “perfil” da destinatária e de acordo com os conhecimentos melómanos do “desinteressado” companheiro de grupo. A troca de fotografias também pode ser um bom início de conversa, entre “ahs” e “ohs” de espanto, de enlevo, de cumplicidade embrionária.
Mas a cereja no topo do bolo é o primeiro contacto via “chat” directo, na própria caixa de diálogo do FB. Então aí, mesmo com a “dificuldade” da escrita e do limite de caracteres (o que é uma vantagem para o “engatatão”, como já veremos), em acedendo a “mosca” à primeira sessão de diálogo teclante, digamos que a coisa já está a marchar muitíssimo bem. À primeira “conversa” outras se seguirão, é claro, e mais tarde ou mais cedo as queixas com a lentidão da escrita (e com os mal-entendidos que a sua condensação pode acarretar) criarão na interlocutora a ideia de que aquilo assim “não tem jeito nenhum”, e que o senhor até parece simpático, pois claro, que mal pode daí vir ao mundo, com certeza, tome lá o meu número de telefone***, ora faxabôr.
E pronto. O resto já se sabe ou, pelo menos, calcula-se sem grande esforço: o primeiro telefonema, depois o segundo, por fim já estão a combinar encontrar-se para “tomar um cafezinho”. Isto é apenas um esquema muito resumido, até porque andar no engate, especialmente em meio virtual, é algo que dá muito trabalho e que requer prodigiosas doses de paciência. Digo eu…
Enfim, se calhar com um intervalo táctico pelo meio (convém não demonstrar grande interesse), é uma questão de tempo até que haja um encontro pessoal, depois talvez outro, e quem sabe um terceiro, se ainda for necessário.
Feito isto, e daqui em diante, tudo se passa como se nunca tivesse havido nem Internet, nem “chat” nem Facebook nenhuns metidos ao barulho. A Natureza segue o seu curso espectacularmente biológico. Com uma nuance, porém: nada teria acontecido se não houvesse uma predisposição criada – precisamente – em ambiente virtual e com pressupostos muito provavelmente falsos.
E isso ainda vamos indo, repita-se. O pior virá depois, provavelmente: se algo correr mal; se houver terceiras pessoas envolvidas; se um dos elementos da novel parelha (sai um rebuçado para quem adivinhar qual) for passado da cabeça. Não é preciso que se reúnam as três condições: para que o mundo desabe sobre a cabeça de nossa mosquinha-morta, basta a terceira.
E o mesmo sucederá, por tabela, por ricochete, por consequência e por fatalidade a mais duas, três, cinco, dez pessoas cujos retratos constam familiarmente da sua galeria de fotos. Vai tudo a eito.
*** Por mais absurdo que possa parecer, há imensa gente que publica o seu número de telemóvel no “perfil” (ou onde calha, e o telefone de casa também).
(continua)
Isto do mundo virtual é tal qual o mundo real, há de tudo e mais um par de botas.~
O factor predisponente a ser se mosca ou aranha, quiçá ambas, reside na personalidade de cada um, no status que ocupa, nos papeis que representa, e em última análise, nas perturbações aparentemente disfarçadas, desde a carência afectiva à sociopatia. Talvez seja caso para mudar o slogan para “se de repente alguém lhe oferecer flores, isso é… Facebook”.
É óbvio que o separador do ecrã/teclado catalisa o propósito de cada um nas ditas redes sociais, tanto nas teias intelectuais como nas sexuais (qual delas a maior???). O efeito do retorno é proporcional ao grau que se dá ou recebe.
Nesta coisa do virtual/ideal, que há quem preencha vazios da realidade, há. Que há quem se frustre tanto ou mais que na realidade, oh se há…
Perante uma de muitas das possíveis análises às novas realidades virtuais – ciberespaço e cibercultura (já há uns tempos deixei aqui comentário sobre a mesma matéria), além de concordar com ela e com o comentário da Curiosa, resta-me pois… deixar esta artigo da Agência Financeira: http://www.agenciafinanceira.iol.pt/noticia.php?id=1076425&div_id=2974
Mais um nicho com boas perspectivas de negócio! 😀
Bom fds!