«Rapazes, não se mencione o excremento!»*

A mais recente e “inovadora” manobra de propaganda situacionista, cuja hashtag no Twitter foi #Blogconf, deveria ter suscitado na blogosfera uma única dúvida: ignorar ou não ignorar?

Eis a questão, por conseguinte: terá ponta por onde se lhe pegue, semelhante coisa? Essa tal «acção de campanha eleitoral»** (cf. vídeo “integral”, aos 00:30 a 00:35 segundos) promovida por um Partido político, realizada no passado dia 27 de Julho, foi algo de sério, de minimamente credível, ou não passou de uma total encenação, uma fantochada de cabo a rabo preparada, programada e formatada pelo Apparatchik daquele Partido?

É absolutamente pacífico, a não ser porventura para os encenadores da peça, que aquilo não foi realmente um “debate” entre o Secretário-Geral do PS (por mera coincidência, Primeiro-Ministro de Portugal) e alguns bloggers; nada disso; não houve qualquer espécie de “diálogo” entre um político (que se diz, sem andar muito longe da verdade, “detestado” pela blogosfera no seu conjunto) e aqueles que, neste meio virtual que são os blogs, representam (por inerência e por definição) a maior força de contra-poder que alguma vez existiu.

Portanto, assim sendo, a resposta à questão inicial seria simples: ignorar. Esta bambochata teve tanto valor, enquanto “conferência”, como um comício do PS em Freixo de Espada à Cinta ou em outra qualquer “simpática localidade” do chamado Portugal profundo.

Porém, o facto de alguns bloggers não comprometidos com o Regime se terem prestado ao papel de figurantes, a fazer o papel da “oposição”, coloca de imediato a mesma questão ao contrário: ignorar? Mas como ignorar?

Como é possível que ali tenha estado apenas uma esmagadora minoria de autores de blogs conotados com a oposição ao actual Governo? Mas então o “debate”, isto é, a propaganda, faz-se com a prestimosa e solícita cooperação de uma esmagadora maioria dos “convidados” e, fora os que lá estiveram apenas para fazer número, os restantes aparecem ali, disponibilizando-se alegre e levemente para dar cobertura a tão evidente quanto chocante encenação?

Não, isto de facto não se pode nem se deve ignorar.

Então a “ideia” não era “atirar Sócrates às feras” (os bloggers ou, como diz o próprio Sócrates, “a calúnia, a difamação…”), a ver como se desenrascaria em tão difícil quanto arriscada empreitada?

Pois se era essa a ideia (vagamente “genial” mas ligeiramente impossível, pelos vistos) e se, no fim de contas, as “feras” não passavam de ternurentos e afáveis gatinhos, mansos e simpáticos, roçagando-se com enlevo nas pernas do dono, o que raio estavam ali a fazer, naquele por conseguinte saco-de-gatos, uns poucos, pouquíssimos espécimes de outros felinos? Uma proporção de quatro para um não é uma luta lá muito equilibrada, digamos, e isto mesmo dando de barato que (à excepção de um único, Tiago Moreira Ramalho, do blog O Afilhado) os outros, os restantes espécimes mais “assanhados” se revelaram quase tão dóceis como os seus primos domesticados.

Ou seja, houve alguns poucos dos “nossos”, isto é, verdadeiros bloggers e não agentes do Governo infiltrados no meio, houve alguns companheiros, repita-se, que ou foram redondamente enganados pela (des)organização do evento ou, pior ainda, não foram enganados, sabiam ao que iam e que, portanto, traíram em consciência e deliberadamente os seus pares: todos nós, os outros, os que andam aqui tentando cumprir, mal ou bem, mais ou menos, com maior ou menor acuidade, a sua função de escrutínio da actividade governamental, dos próprios governantes e dos seus agentes.

E, nunca mencionando a excrescência que “superintende” em tudo o que mexe na “blogosfera” tuga, bem sabemos de onde surgiu, como surgiu e porque surgiu o aliciamento para esta paródia de “debate”, como foram ali parar os bloggers que aceitaram fazer o papel de figurantes no circo partidário.

Mas que diabo de “feras” eram aquelas, afinal? Mas então as verdadeiras “blogosferas” já não são aquelas que realmente passam a sua vida virtual (e muito bem, é isso a Liberdade de Expressão) atirando-se às canelas políticas deste Primeiro-Ministro, e do próximo, e de qualquer outro que lhes suceda?

Porque não estavam lá, por exemplo, autores de blogs tão diversos (e tão significativos, quanto a “ferocidade”) como o Abrupto, o Do Portugal Profundo ou o Arrastão?

E, no fim de contas, o que sucedeu para que não houvesse qualquer emissão em directo via “net”, como estava profusamente anunciado e tendo sido, como consta, minuciosamente preparado? Será segredo de Estado? Não podemos saber porquê? Quais foram, ao certo, os “problemas técnicos”?

Claro que nenhuma destas simples perguntas tem algo de misterioso ou de insondável. A realidade, os factos, os dados disponíveis falam por si: a #Blogconf não passou de (mais) uma miserável fraude, descarada, em toda a linha.

Bem, realmente, pensando melhor, se calhar temos de voltar ao princípio: ignorar mesmo, afinal. É o melhor e lá terá de ser.

Ignoremos, pois. Esqueçamos que semelhante palhaçada sequer existiu. Já lá vai. O tempo se encarregará de que nem o nome da coisa lembre mais seja a quem for.

Em suma, varramos isto de vez: “rapazes, não se mencione o excremento!”

Nota: estranhamente, ou talvez não, até este momento o
link para este vídeo (integral?) foi referido por um único blog: CC&Cª.

P.S. 1: a propósito deste assunto, e se bem que numa perspectiva radicalmente diferente, porque partidariamente comprometida, leia-se a crónica de José Pacheco Pereira no semanário Sábado.
P.S. 2: é no mínimo curioso que a “lista” de inscrições para a Blogconf contenha apenas 1 nome** (Mário de Sá Peliteiro, autor do blog Impressões de Um Boticário de Província) e que este inscrito único não tenha estado presente ou, que se saiba, não tenha sequer sido contactado pela organização.

* Espécie de lema de vida da personagem Tomás de Alencar, no romance de Eça de Queirós “Os Maias”.
** Informação recolhida em comentário da autoria de “Curiosa”, do blog Comadres, Compadres & Companhia.

Um comentário em “«Rapazes, não se mencione o excremento!»*”

  1. Pessoalmente considero que foi uma grande fantochada.

    Se não me falham as contas – tendo em conta as declarações de interesse dos participantes -, a proporcionalidade é de 1 para 4 (PS), uma participação análoga ao arrumo parlamentar, com a disseminação tradicional por convite inscrição do círculo conveniente próximo.

    Mesmo em minoria, a prestação dos do “contra” foi muito fraca com excepção do Tiago Moreira Ramalho, se fez saltar ressabiados no Hugo Mendes qual mais papista que o Papa – a tirada da falta de ética ao confrontar números a quem os desconhece é uma “afronta” ao Sócrates vinda do seu Partido. Lembra-me a cantilena “chamaram burro ao chefe e o chefe não se importou”.

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