«Quem não está na rede ou na rede certa continuará desprotegido. Como quem não tinha no passado os contactos certos. A justiça continuará a fazer muita falta.»
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É o “hype” do momento. Muitos dizem, indignadíssimos, que se trata de um verdadeiro ataque à liberdade de expressão; outros tantos – arrepelando se calhar muito justamente os cabelos – que “isto só neste país”; outros ainda que é muito bem feita, pois sim, senhor, a Ensitel que se estampe ao comprido e com estrondo. Claro que também há alguns, poucos e certamente um bocadinho cromos, que se indignam ao contrário, ou seja, protestando que a senhora em causa não tem nada que andar por aí a “difamar” a Ensitel.
De qualquer forma, o que parece colher consenso geral é que este episódio originou a maior “onda de solidariedade” alguma vez vista na webtuga, manifestando-se milhares de pessoas em especial através dos blogs e das redes sociais
Em jeito de sinopse, digamos que a situação se resume a um mau serviço de fornecimento prestado por certa empresa a determinada cidadã, sendo que esta não se limitou nem limita a protestar em privado, pelo contrário, fá-lo em público, inicialmente através do seu blog e posteriormente via redes sociais.
Ora, há aqui um equívoco, ou, vendo melhor e contando de novo, há aqui três equívocos.
Primeiro, a “blogger em causa” não é uma blogger qualquer; se fosse, e
Segundo, a questão – dos pontos de vista ético e jurídico – não é de direito à “liberdade de expressão” mas de direito à legítima defesa**, tanto própria como alheia; se fosse questão liberdade de expressão e não de legítima defesa, então pouco ou nenhum sentido faria o “incómodo” da empresa (mesmo não se tratando da “expressão” de uma blogger “qualquer”); não, de todo; a empresa sente-se atacada porque uma cidadã portuguesa (e aqui, pelo contrário, não sendo ela uma simples anónima, ainda por cima) se atreveu a defender-se e, mais “grave” ainda, ousou avisar os seus concidadãos para práticas que a mesma cidadã considera como abusivas e ilegais por parte da dita empresa. Num país tão “exótico” como Portugal, sabemo-lo perfeitamente também, o Artigo 37º da Constituição da República vale o mesmo – ou menos – que, por exemplo, o Artigo 187º do Código Penal.
Terceiro, em Portugal não existe propriamente aquilo a que se chama – com alguma ligeireza terminológica – “liberdade de expressão”. Se houvesse, como existe de facto em algumas (poucas) democracias, por esse mundo fora, então ninguém seria perseguido por aquilo mesmo que a lei fundamental refere, na letra e no espírito, mas nunca na prática, ou seja, por «exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados». Mas gente perseguida em Portugal por isto mesmo é o que mais há por aí, como sabemos todos pelo menos de ouvir dizer e mesmo alguns de nós por experiência própria.
Sucede, portanto, que destes três equívocos básicos resultarão provavelmente, a prazo, alguns outros, e esses terão consequências imprevisíveis. Este episódio, não sendo de facto nem o primeiro nem o único, não será decerto o último. Pelo contrário, à boleia deste e por efeito de contágio ou mera mimetização, muitos outros se seguirão com certeza; e o aborrecido do assunto será, então, que a aparente facilidade com que a coisa se propagou neste caso leve alguns incautos a avançar com as suas próprias “causas públicas”, de semelhante ou até de diferente jaez, esperando que da mesma forma a “comunidade virtual” se mobilize e que as “redes sociais” se atirem de novo à “causa” com as ganas e a garra que agora demonstraram.
Desenganai-vos, porém, ó incautos. Neste país, não interessa para nada o mérito intrínseco seja do que for; dito de forma mais simples, ninguém se rala com o que se diz, quando, como, porquê e de quê – só conta para alguma coisa quem diz seja lá o que for. E se quem conta contar mesmo muito, então até um simples espirro por escrito pode originar uma “onda de solidariedade” em tudo quanto é blog e fórum e rede e social e anti-social.
Desenganai-vos também, ó ingénuos, quanto àquilo que os tribunais portugueses consideram ou aceitam como legítima defesa, própria ou – pior ainda – alheia. Não estareis vós já fartos de ver gente condenada por se ter defendido de um crime ou de um criminoso o melhor que soube e pôde? Julgareis porventura que, sendo vós simples mortais, as mesmas massas que agora aplaudem freneticamente – e calmamente, no remanso dos seus lares – irão alguma vez enfrentar um Tribunal?***
E desenganai-vos, já agora, ó crentes mais empedernidos, sobre os vossos “direitos” de cidadania, que são – encurtemos razões – rigorosamente nenhuns. Todos somos iguais perante a Lei, de facto, é o que está escarrapachado na própria Lei, mas acontece, aborrecidamente, que a Lei muda consoante o dinheiro que cada qual tenha para a pagar. Todos temos direito à liberdade de expressão, pois é claro, quem vai negar semelhante coisa, apenas com o senão de se poder dizer – só e nada mais – aquilo que já toda a gente sabe, que já toda a gente pensa e que já toda a gente disse.
Este “barulho” que agora sucedeu não passa, e espectacularmente, de simples efeito Mae West, a quem toda a gente em volta se apressava a dar lume assim que ela puxava da boquilha. Foi um fogacho de “liberdade”, cada qual a chegar-se o mais possível à frente – com cagança e militância – para tascar lume a uma decepcionante, postiça, simples ilusão.
* O esmagamento recorrente do princípio ne in bis idem, também consagrado na CRP, é um dos exemplos do triste estado a que chegou a “justiça” em Portugal, em paralelo com a inexistente e sarcástica “liberdade de expressão” e o idem aspas “direito à legítima defesa”.
** Alertar a comunidade para uma prática irregular ou criminosa é um acto (e um dever) não apenas de cidadania como de “Legítima defesa“. Digo eu, que, não pertencendo a qualquer das castas superiores – as únicas, pelos vistos, com direito a abrir a boca -, julgo não ter obrigado ninguém a vir aqui ler as minhas mais do que evidentes insignificâncias.
*** Com honrosas e admiráveis excepções à regra, é claro. Mais uma vez, aqui ficam as minhas homenagens e o testemunho de eterna gratidão a estes verdadeiros heróis da blogosfera: Der Terrorist, Do Portugal Profundo, Boticário de Província, Zone41, C.C. & Cª, Denúncia Coimbrã, Bruno Amaral e Margarida AZ.
[A foto que ilustra este post é de autoria e origem desconhecidas.]
Um comentário em “O acaso Ensitel”
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