Burros? Não! Pérolas, pequenas alterações, a culpa é do maestro, o que se quiser….
PedroF, título de post no blog ContraFactos & Argumentos, 24.05.07
Cópia? Plágio? O que os Gatos fizeram, e assumidamente, foi pegar numa pérola kitsch que, na televisão francesa foi feita à séria e transformá-la numa paródia. É particularmente chocante que alguém que se diz fã do grupo utilize palavras como “cópia” ou “plágio”, cilindrando por exemplo o delirante trabalho que eles fizeram ao nível da letra, encaixando naquela estética e naquela melodia o poema mais improvável da História. Que haja “fãs” do grupo a confundir paródia com plágio ou cópia, mostra como, fundamentalmente, este país continua a não saber lidar com o conceito de gostar de alguma coisa e de dar valor a quem tem sucesso. A ver por isto, muita sorte teve o Herman nos tempos do Serafim Saudade de não existir um blog que viesse a público acusá-lo de estar a plagiar o Marco Paulo.
Nuno Markl, blog Há Vida em Markl, extracto de post de 23.05.07
“Plagiar” não é forçosamente o mesmo que “parodiar”. De forma alguma. Não tem nada a ver, na maior parte das vezes. Pode-se plagiar sem parodiar, como se pode parodiar plagiando, mas também é possível – simplesmente – parodiar com originalidade(*).
A discussão sobre qualquer tema perde invariavelmente quando não estão bem definidos os limites, inclusivamente os semânticos, da terminologia utilizada na argumentação; para veicular os diferentes pontos de vista, há um princípio basilar de coerência terminológica a respeitar, princípio sem o qual a opinião individual perde consequentemente todo o valor, toda a eficácia comunicativa e, em última análise, toda a credibilidade; utilizando as mesmas palavras significantes, mas atribuindo-lhes cada qual significados diferentes, quando não opostos, qualquer polémica se transforma fatalmente em conversa de surdos ou, como se diz correntemente, em tremenda peixeirada. Ou seja, nem sempre é a conversar que a gente entende, muito pelo contrário, grandes desentendimentos podem surgir em qualquer conversa, como sabemos, bastando para tal que uma das partes, ou ambas, ou todas, interpretem de forma diferente os mesmos conceitos, aqueles que precisamente serviriam para esclarecer a matéria em questão.
Neste particular, interessando a direitos de autor e envolvendo o plágio, puro e duro, ou qualquer outra forma de apropriação do trabalho alheio em proveito próprio, não há outra maneira de chegar a alguma conclusão se não através de uma escolha muito simples: ou se definem com o máximo de rigor os significados dos termos basilares, ou então aquilo que teremos – e que se está a ver – não passa de discussão estéril, de motim verbal, de insuportável gritaria no meio da qual ninguém se entende, ninguém se ouve nem deixa ouvir os outros. Ora como é evidente, enquanto toda a gente grita e ninguém se entende, a questão fundamental permanece, aparentemente irresolúvel e, pior do que isso, fomentada pelo crescendo da gritaria e incrementada pela anarquia que resulta do extremar de posições.
Quando os defensores da benevolência em relação à cópia “livre”, ou quando os próprios plagiadores, mais ou menos assumidos, proferem, nas discussões sobre plágio, palavras tão desagradáveis como “estupidez”, “inveja” ou “mesquinhez”, não fazem mais do que provocar a parte contrária, a dos autores que se sentem prejudicados ou a daqueles que, não sendo propriamente autores, não apreciam particularmente o roubo institucionalizado, a permissividade acéfala, em suma, a bandalheira geral.
Ora, está bem de ver que – como sempre acontece com os insultos – esse tipo de perdigotagem mental fica do lado de quem a cuspilha. Uma coisa, evidentemente, e para que fique claro, é chamar “ladrão” ou “pulha” a um ladrão ou a um pulha, outra bem diferente é vir um desses ladrões, uns quantos de tais pulhas, chamar nomes feios a nós outros, em pessoa ou, pior ainda, a nossas honradas mãezinhas.
E ficamos, portanto, neste impasse, que é também um ciclo vicioso: enquanto se trocam insultos, aumenta a crispação e, quanto mais esta se torna intolerável, mais insultos se trocam. Ora, é precisamente isto que interessa aos indefectíveis do “copyleft” em geral e da bandalheira em particular: quanto maior o barulho, maior a impunidade. Tão simples quanto isso. Ao contrário daquilo que tentam fazer passar, como imagem de marca, essa gente não está absolutamente nada interessada em saber o que quer dizer o substantivo “plágio”, ao certo, ou o que significa a expressão “copiar e colar”, exactamente.
Evidentemente, aos profissionais da reciclagem intelectual não interessa absolutamente nada que exista alguma espécie de consenso, e muito menos quanto a estabelecimento de conceitos ou a fixação de definições: se não se souber com rigor definir o que é “plágio”, então o plágio não existe ou, no máximo, vá lá, é algo “muito discutível”. O mesmo vale para conceitos conexos, como (por exemplo) autor, património intelectual, criação, obra, invenção, descoberta; já quanto ao s.m.pl. “direitos”, bem, quanto a isso parece não haver dúvidas, direitos são os deles, e acabou-se, não tem nada que saber.
Enquanto puderem continuar a fingir que “plágio” é outra coisa diferente de plágio; enquanto puderem dizer que plagiadores são sempre os outros; enquanto se mantiver a ideia piedosa de que o corte e costura é uma actividade com o seu quê de meritório; enquanto houver quem engula a patranha de que o plagiado até devia agradecer ao plagiador, porque piratear é “uma forma de elogio”; enquanto apresentar como sua a produção alheia for impingido como uma forma de “promoção” legítima; enfim, enquanto se conservar a questão em terrenos polémicos, escorregadios, e enquanto estivermos atolados neste pântano de indefinições, está para eles – os espertalhões deste mundo – aberta uma porta para o nirvana existencial, para um mundo completamente “livre”, cheio de seres imensamente felizes, para sempre livres do trabalho, esse horror desumano.
Uma das consequências, quanto mais não seja numa perspectiva filosófica, do triunfo da lógica parasitária, seria – caso ninguém resistisse – a uniformidade absoluta: aceite a cópia como modo de vida, como aspiração, como talento ou mesmo profissão, quando já nada mais surgisse de novo mas houvesse apenas reproduções de coisas antigas, o mundo dos humanos seria um imenso depósito de réplicas fieis, povoado por milhares de milhões de pessoas uniformes, indistintas, tão parecidas umas com as outras como as gotas de um aguaceiro torrencial.
Deve ser por isso, realmente, que esta é uma questão tão política quanto outra qualquer. Ou, se calhar, um pouco mais do que as outras.
(*) Na minha imodesta opinião, é o caso do genérico do DQEUEDM. Apenas deveriam ter citado o original, na ficha técnica. Nada mais. Ou, melhor, mais uma coisinha: se a coisa não tinha importância nenhuma, como de facto não tem, escusavam de andar a debitar umas baboseiras sobre o assunto, tentando fazer-se passar por vítimas, eles, e por estúpidos (ou “invejosos”), os demais. Não havia necessidade, como diria toda a gente sabe quem.