(…) «O livro publica, em fac simile, uma carta do Alto-Comissário (em papel timbrado do antigo gabinete do Governador-geral) dirigida, em Dezembro de 1974, ao então Presidente do MPLA, Agostinho Neto, futuro presidente da República. Diz ele: “Após a última reunião secreta que tivemos com os camaradas do PCP, resolvemos aconselhar-vos a dar execução imediata à segunda fase do plano. Não dizia Fanon que o complexo de inferioridade só se vence matando o colonizador? Camarada Agostinho Neto, dá, por isso, instruções secretas aos militantes do MPLA para aterrorizarem por todos os meios os brancos, matando, pilhando e incendiando, a fim de provocar a sua debandada de Angola. Sede cruéis sobretudo com as crianças, as mulheres e os velhos para desanimar os mais corajosos. Tão arreigados estão à terra esses cães exploradores brancos que só o terror os fará fugir. A FNLA e a UNITA deixarão assim de contar com o apoio dos brancos, de seus capitais e da sua experiência militar. Desenraízem-nos de tal maneira que com a queda dos brancos se arruíne toda a estrutura capitalista e se possa instaurar a nova sociedade socialista ou pelo menos se dificulte a reconstrução daquela”.
Estes gestos das autoridades portuguesas deixaram semente. Anos depois, aquando dos golpes e contragolpes de 27 de Maio de 1977 (em que foram assassinados e executados sem julgamento milhares de pessoas, entre os quais os mais conhecidos Nito Alves e a portuguesa e comunista Sita Valles), alguns portugueses encontravam-se ameaçados.» (…)
António Barreto
13.04.08, artigo com o título “Angola é nossa!”, jornal Público
«António Barreto publicou, no Público (domingo), uma carta de 1974, enviada pelo almirante Rosa Coutinho, alto-comissário em Angola, a Agostinho Neto, presidente do MPLA. O almirante diz que, depois de “reunião secreta (…) com os camaradas do PCP”, se decidiu “dar execução imediata à segunda fase do plano”. Rosa Coutinho incita Neto a dar “instruções secretas aos militantes do MPLA para aterrorizarem os brancos, matando, pilhando e incendiando (…). Sede cruéis sobretudo com as crianças, as mulheres e os velhos (…)”. Pois é, o documento é falso. Basta lê-lo. Não gosto de Rosa Coutinho, não gosto dos comunistas e da política deles em Angola. Mas aquele documento pertence à mesma família de os comunistas comerem crianças ao pequeno-almoço. “Sede cruéis com as crianças [brancas]”, escreveu o governador (em papel timbrado do seu gabinete), depois de programar a matança com as cúpulas do PCP… A carta apareceu num jornal sul- -africano em 1975. Eu li-a e sei porque é falsa: porque sim.»
Ferreira Fernandes
15.04.08, artigo com o título “António Barreto e a carta falsa”, jornal Diário de Notícias
«UMA carta do almirante Rosa Coutinho, quando era presidente da Junta Governativa de Angola, está a provocar polémica em Angola. A carta, em papel timbrado do gabinete do Governo-Geral e com a assinatura de Rosa Coutinho, era dirigida a Agostinho Neto e nela se pode ler: «Após a última reunião secreta com os camaradas do PCP resolvemos aconselhar-vos a dar execução imediata à 2ª fase do plano. (…) Dê por isso instruções secretas aos militantes do MPLA para aterrorizarem por todos os meios os brancos, matando, pilhando e incendiando a fim de provocar a sua debandada de Angola».
Holden Roberto, presidente da FNLA, que cedeu uma cópia da carta ao EXPRESSO, garantiu a sua autenticidade, acrescentando: «Um homem que escreveu uma carta destas é um criminoso». Rosa Coutinho, reconheçe a veracidade da assinatura.
Entretanto, a polémica prossegue em Angola, com o MPLA a dizer que a carta «nunca existiu e foi forjada pelos serviços secretos portugueses ou pela própria FNLA, que a divulgou» e Holden Roberto, da FNLA, a agitar o documento.»
Cabinda.net, 21.02.98
Transcrição
S.R.
REPÚBLICA PORTUGUESA
ESTADO DE ANGOLA
REPARTIÇÃO DE GABINETE DO GOVERNO-GERAL
LUANDA, aos 22 de Dezembro de 1974
O Século de
Joanesburgo
25/11/75
Janeiro 1978 (manuscrito)
……………Camarada Agostinho Neto
……………A FNLA e a UNITA insistem na minha substituição por um
reaccionário que lhes apare o jogo, o que a concretizar-se seria o desmorona-
mento do que arquitectamos no sentido de entregar o poder ùnicamente ao MPLA.
Apoiam-se aqueles movimentos fantoches em brancos que pretendem perpetuar o
execrando colonialismo e imperialismo português – o tal da Fé e do Império,
o que é o mesmo que dizer do Bafio da Sacristia e da Exploração do Papa e dos
Plutocratas.
……………Pretedem essas forças imperialistas contrariar os nossos
acordos secretos de Praga, que o camarada Cunhal assinou em nome do PCP, afim
de que sob a égide do glorioso PC da URSS possamos estender o comunismo de
Tânger ao Cabo e de Lisboa a Washington.
……………A implantação do MPLA em Angola é vital para apearmos o
canalha MOBUTU, lacaio do imperialismo e nos apoderarmos da plataforma do
Zaire.
……………Após a última reunião secreta que tivemos com os camaradas
do PCP, resolvemos aconselhar-vos a dar execução imediata à segunda fase do
plano. Não dizia Fanon que o complexo de inferioridade só se vence matando o
colonizador? Camarada Agostinho Neto, dá, por isso, instruções secretas aos
militantes do MPLA para aterrorizarem por todos os meios os brancos, matando,
pilhando e incendiando, afim de provocar a sua debandada de Angola. Sede
cruéis sobretudo com as crianças, as mulheres e os velhos para desanimar os
mais corajosos. Tão arreigados estão à Terra esses cães exploradores brancos
que só o terror os fará fugir. O FNLA e a UNITA deixarão assim de contar
com o apoio dos brancos, de seus capitais e de sua experiência militar.
Desenraizem-nos de tal maneira que com a queda dos brancos se arruíne toda
a estrutura capitalista e se possa instaurar a nova sociedade socialista ou
pelo menos se dificulte a reconstrução daquela.
Saudações revolucionárias
A Vitória é certa
(assinatura ilegível)
António Alva Rosa Coutinho
Vice-Almirante
Imagem de Telémaco A. Pissarro, alojada em http://pissarro.home.sapo.pt/carta.jpg
Adenda, em 21.04.08 – 12:05 h
BARRETO E A CARTA FALSA (II)
Há dois domingos, António Barreto publicou, no Público, uma carta de 1974, que disse ser de Rosa Coutinho a Agostinho Neto. Na carta, Rosa Coutinho, depois de “reunião secreta com os camaradas do PCP”, ordenava ao presidente do MPLA aterrorizar “os brancos [portugueses], matando, pilhando e incendiando.” E exortava: “Sede cruéis sobretudo com as crianças, as mulheres e os velhos.” Apresento os portugueses de que falo: Barreto é uma voz respeitada; Rosa Coutinho era o alto-comissário em Angola; e o PCP está no Parlamento. Não falo de gente menor e, no entanto, a extraordinária carta não teve eco. Com duas excepções: uma crónica minha, no DN (eu dizia que ela era falsa), e um debate na blogosfera. O que deveria ter acontecido: um sobressalto nacional para tirar a coisa a limpo. Diz-se que o governador português e um partido português exortaram um grupo estrangeiro a aterrorizar portugueses – e nada! Ou eu tenho razão, e a carta é falsa, ou este silêncio é doentio.
Ferreira Fernandes, DN de hoje
Mero palpite: uma carta “secreta” que refere expressamente uma “reunião secreta”, “acordos secretos” e “instruções secretas”…
Outro palpite: Rosa Coutinho não é propriamente conhecido por redigir assim tão mal, com tantos erros de Português.
O teste da fotocópia costuma eliminar quaisquer dúvidas. Compare-se este com outros documentos assinados pela mesma pessoa; se a assinatura neste for exactamente igual à de qualquer outro, o documento é falso. Curiosamente (e aparentemente), o dito “documento” é o único – disponível na Internet – de que existem imagens. Mas, que diabo, alguém há-de ter acesso a documentos genuínos, para comparar a assinatura!
Este assunto está em discussão, entre outros sítios, nos blogs Blasfémias e 5 Dias.
Existe uma imagem da publicação da carta no jornal Século de Joanesburgo, no endereço http://www.macua.org/documentos169.html.