Sobre as Novas Oportunidades, essa extraordinária invenção socialista, já muito se disse e escreveu, mas pouco se sabe… em concreto.
O que raio é aquilo, afinal? É verdade que existe, por exemplo, um Curso de Futebol que dá equivalência ao 9.º Ano de Escolaridade?
Bem, a respeito do que raio é aquilo, afinal, e dada a complexidade da questão, o melhor será talvez não se meter a gente por tão ínvios e delicados caminhos, até porque parece que nem no próprio Governo, nem mesmo no Ministério da Educação, existe alguém capaz de responder a essa pergunta sem meter os pés pelas mãos.
Numa arriscadíssima tentativa de síntese, tentando condensar em poucas e claras palavras algo que é absolutamente incompreensível, digamos que o programa Novas Oportunidades é uma forma de o Estado português conferir administrativamente habilitações literárias a cidadãos que as não possuem, com o objectivo único de elevar drasticamente os índices de escolaridade que o país apresenta junto das instituições europeias: como os diversos “planos de convergência” da União Europeia, ou seja, dinheiro que entra, implicam a demonstração da sua aplicação conveniente, apresentando resultados positivos, o Governo português consegue com este plano de diplomas a granel fingir que ao menos na área do Ensino existe de facto convergência, cumprimento dos planos, em suma, alguma réstia de progresso. A finalidade única do programa consiste, portanto, e utilizemos nisto uma linguagem que toda a gente possa entender, em evitar que a dita União Europeia se chateie – porque, afinal, Portugal é um sorvedouro de recursos comunitários e tem um Governo que nem na Educação acerta – e deixe de enviar o cacau do qual depende a sobrevivência do próprio Estado. Que deixe de enviar o cacau* ou que, pior ainda, exerça sanções sobre o Estado português por incumprimento de objectivos, sendo que essas sanções – verificada a completa inutilidade de que Portugal seja um dos 27 e a sua total inviabilidade no contexto da União – poderão chegar no limite à pura e simples expulsão de Portugal do clube europeu. Limite este que, sendo meramente teórico, releva de uma pergunta singela que perpassa sistematicamente pela cabeça dos dirigentes europeus: mas o que diabo é que aquela gente anda a fazer com a nossa massa?
E pronto, foi assim, está mais ou menos explicado porque surgiu o tal programa Novas Oportunidades: ah, lá nisso, em habilitações, em taxas de analfabetismo e essas coisas, vocês vão ver – em dois ou três anos estamos ao nível da Dinamarca!
Eis a política pimba em todo o seu esplendor. Num país a abarrotar de desempregados e biscateiros, ou seja, empregados de mesa, vigilantes, vendedores, porteiros e entregadores de pizza ao domicílio, criem-se uns planos teóricos a fingir que são curriculares, e aí está a solução milagrosa: os “alunos” à pressão apresentam um “dossier pedagógico”, no qual terão de demonstrar que sabem fazer o que fazem, e o Estado concede-lhes o diploma do 9.º Ano de Escolaridade… no mínimo.
Muita gente se fartou de rir, há uns dias, quando o Ministério da Educação deu o seu aval e mandou publicar em Diário da República o plano curricular do Mestrado em Gestão e Manutenção de Campos de Golfe. Pois não há nada que estranhar e tampouco o assunto é para a gente se escangalhar numa risota.
Os exemplos são inúmeros, é só escolher no Catálogo Nacional de Qualificações, e dependem apenas da imaginação do Governo central ou mesmo das próprias escolas, que podem (e devem, pelos vistos) inventar os cursos que lhes der na real gana. Trata-se de “perfis profissionais” que, só por si, conferem uma habilitação académica (9.º ou 12.º Ano de Escolaridade), sem qualquer necessidade de prestação de provas (não há testes nem exames), obrigatoriedade de frequência de componentes teóricas (não há faltas, na prática) ou mesmo verificação de competências ou sequer comprovativos de experiência profissional.
Seguem-se amostras desses casos de estudo (em sentido literal), extraídos do referido CNQ, referindo-se para cada um deles alguns dos respectivos “saberes” e inerentes “competências”.
Bombeiro:
21. Guardas de honra e desfiles.
16. Aplicar as regras relativas à integração em formaturas e guardas de honra.
17. Utilizar técnicas de simulação de acidentes em acções de prevenção.
1. Interagir com os outros no trabalho em equipa.
2. Adoptar comportamentos de estabilidade emocional e de resistência ao “stress”.
Florista:
16. Técnicas de atendimento de clientes.
8. Identificar as necessidades e motivações do cliente para a compra.
9. Aplicar as operações de cálculo comercial no processamento da venda de produtos.
20. Utilizar os métodos e as técnicas de limpeza do espaço, utensílios e ferramentas de
trabalho.
3. Tomar iniciativa no sentido de encontrar soluções adequadas na resolução de situações
concretas.
Empregado/a de Bar / Barman/Barmaid:
14. Técnicas de comunicação e de atendimento adequadas ao serviço de bar.
5. Interpretar receituários e utilizar os diferentes processos de transformação/composição de
produtos alimentares com vista à confecção de bebidas e de pequenas refeições.
7. Aplicar as operações básicas de cálculo numérico na determinação do montante da despesa a
cobrar.
8. Exprimir-se oralmente de forma a facilitar a comunicação com clientes nacionais e estrangeiros.
1. Facilitar o relacionamento interpessoal com os clientes do bar, com vista à criação de um clima de empatia.
Tratador/a / Desbastador/a de Equinos:
20. Equitação: equilíbrio, volteio e iniciação à sela.
21. Desbaste de equinos.
22. Transporte de Equinos.
24. Condução de veículos de transporte de animais dentro da exploração.
9. Utilizar as técnicas de embarque e desembarque de animais no transporte.
2. Decidir sobre as soluções mais adequadas na resolução de problemas de menor complexidade
decorrentes do exercício da actividade.
Isto é sério, portanto fazem o favor de parar de rir. Bem sei que custa a crer, mas pronto, sejamos homenzinhos ou ao menos façamos um ar minimamente circunspecto e sisudo. O que está aqui em causa é o futuro da Pátria, chiça. Haja respeito.
Ultimamente, e com isto se responde à 2ª pergunta (aquela que está lá em cima, no 2º parágrafo, e que já ia esquecendo), tem-se falado muito de um “curso para futebolistas”, no âmbito destas “Novas Oportunidades”. Dizem as más-línguas, porque eu cá não acredito, que agora qualquer gajo que dê uns chutos numa bola pode tirar o 9.º Ano exclusivamente à conta disso. Pois eu já disse, mas redigo e repito: não acredito. Pode lá ser!
Isto, este país, já é uma fantochada abominável – mas ainda não chegámos a tanto, caramba!
* O facto de Portugal ter passado a ser um contribuinte líquido não obsta absolutamente em nada a esta lógica de sanções por incumprimento de metas.